Do Descredenciamento de Permissionário Lotérico por Transferência Irregular do Estabelecimento.
Breve discussão acerca do descredenciamento de permissionário lotérico por transferência irregular do estabelecimento.
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RESUMO: Este artigo analisa a legalidade do descredenciamento de uma permissionária lotérica por alienação da permissão sem observância do devido processo licitatório. Com base em princípios constitucionais, legislação de regência e jurisprudência, sustenta-se que tais condutas comprometem o interesse público e justificam a rescisão unilateral da permissão pela Caixa Econômica Federal.
1. Introdução.
A exploração de serviços lotéricos no Brasil, ainda que delegada a particulares por meio de permissões, deve observar rigorosamente os princípios da legalidade, moralidade e supremacia do interesse público. A figura da permissionária, ao assumir a execução desse serviço público, submete-se à fiscalização do poder concedente e às obrigações decorrentes do ordenamento jurídico. Este artigo visa demonstrar que o descumprimento reiterado de obrigações trabalhistas e fiscais, aliado à tentativa de alienação irregular da permissão, configura justa causa para o descredenciamento da lotérica.
2. A Permissão de Serviço Público e a Natureza Precária da Atividade Lotérica.
A permissão para exploração de loterias é um ato administrativo negocial, com caráter precário e unilateralmente revogável. Embora conceda ao particular a execução de um serviço público, essa delegação exige o cumprimento de requisitos legais e contratuais, e não se confunde com um direito adquirido ou absoluto.
A Lei nº 8.987/1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, reforça que tais contratos devem observar os princípios da Administração Pública e que a inobservância das normas contratuais ou legais pode acarretar a extinção do vínculo.
3. Alienação da Permissão sem Licitação: Ilegalidade e Ofensa à Moralidade Administrativa.
A tentativa de alienação ou transferência da permissão para terceiros, sem o devido processo licitatório, afronta os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e isonomia (art. 37 da CF).
O presente escrito entende que não pode o particular, por simples ato próprio, vender a empresa que conseguiu a autorização para operar, haja visto que essa venda não é publicada em Hasta Pública e frustra o direito de uma coletividade de investidores de participar do devido processo licitatório.
Ora, se o empresário quer vender a sua permissão, que comunique a CEF para a realização de uma nova licitação, porque todo cidadão que cumpra com os requisitos legais e que possua condições financeiras tem o direito de ofertar lanços a fim de explorar a atividade, em igualdade de condições e observando a correta publicidade.
De mais a mais, temos o próprio Supremo Tribunal Federal,que no julgamento do RE 1498128 RG, reafirmou que a exploração dos serviços de loteria por agentes privados exige delegação estatal precedida de licitação.
Ementa: Direito constitucional e administrativo. Recurso extraordinário. Delegação de serviço de loterias. Licitação. Reafirmação de jurisprudência. I. Caso em exame 1. Recurso extraordinário contra acórdão de Turma Recursal do Estado do Ceará que negou pedido para delegação de serviço de exploração de loterias. Isso porque o exercício da atividade por particular exige licitação, ainda que o serviço já tenha sido concedido a terceiros sem procedimento licitatório. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão é saber se a existência de agentes privados explorando os serviços de loteria sem prévia licitação afasta a exigência de delegação estatal, autorizando o desempenho da atividade em regime de livre iniciativa. III. Razões de decidir 3. O STF, por ocasião do julgamento da ADPF nº 492/RJ e nº 493/RJ, afirmou que as loterias são um serviço público, cuja delegação a agente privado exige licitação. 4. A existência de agentes privados exercendo o serviço sem prévia licitação não altera a titularidade estatal da atividade nem a sua natureza de serviço público. O exercício por agentes privados pressupõe delegação estatal precedida de licitação. IV. Dispositivo e tese 5. Recurso extraordinário conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “A execução do serviço público de loteria por agentes privados depende de delegação estatal precedida de licitação”. (RE 1498128 RG, Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE, Tribunal Pleno, julgado em 27-09-2024, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-280 DIVULG 30-09-2024 PUBLIC 01-10-2024).
A fim de melhor fundamentar a tese, temos um acórdão bastante específico do TRF-3 reconhecendo a nulidade de atos de venda de lotéricas sem a anuência da Caixa Econômica Federal, conforme demonstrado nas decisões abaixo:
E M E N T A ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. PERMISSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. CASA LOTÉRICA. COMPRA E VENDA SEM ANUÊNCIA DA CEF. REVOGAÇÃO COMPULSÓRIA. MOTIVAÇÃO. DESNECESSIDADE. CONTRATO DE ADESÃO A TÍTULO PRECÁRIO. RECURSO PROVIDO. 1. A simples leitura da Circular Caixa 745/2017 permite verificar que qualquer alteração contratual deve ser precedida de anuência da Caixa sob pena de revogação compulsória da permissão. 2. No caso, a Caixa não participou do contrato de venda e compra da Lotérica (vide ID 64182316), o que por si só é suficiente a ensejar a revogação da permissão. 3. Nada obstante, os autores, ora apelados, após a celebração do contrato de venda e compra da Lotérica solicitaram a transferência da permissão à CAIXA, a qual negou o pedido, com base no item 20.1.2.3, I, da Circular 745/2017. 4. Os autores argumentaram que não houve motivação no ato de negativa, o que enseja a sua nulidade. 5. Entretanto, além de a revogação no caso ser compulsória conforme dispõe o item 20.1.5 da Circular, certo é que a permissão de serviço público é contrato de adesão a título precário, inserindo-se na esfera discricionária da Administração Pública, de modo que eventual ausência de motivação do ato de revogação não ensejaria por si só a sua nulidade. 6. Ademais, a Caixa menciona a existência de dívida em nome dos sócios anteriores, não havendo nos autos nenhuma comprovação do seu pagamento. 7. Logo, descabida a manutenção da permissão. 8. Apelação provida. (TRF3, Apelação Cível 50042497220184036105, ACÓRDÃO, Relator(a): DES. FED. ANTONIO CARLOS CEDENHO, Data de Julgamento: 2020-05-08, 3a turma, Data de Publicação: 2020-05-12).
Ficou cristalino a partir da leitura do Acórdão acima que o permissionário, ainda que esteja em crise, não pode por conta própria vender a Lotérica, deve consultar a Caixa, pois o Banco Público pode, se assim desejar, cancelar a sua permissão, cobrar-lhe eventual débito em face da CEF (não repasse de recursos), realizar nova licitação transferindo ao novo permissionário o débito, enfim, a venda somente entre particulares frustra o direito da CEF e coloca em risco toda a coletividade que usa do serviço.
É importante mencionar com fulcro em um Acórdão do TRF-4 que “A permissão para exploração de serviço público é intuitu personae e dependente de licitação” (TRF4, AG 2004.04.01.040854-4, 3ª Turma , Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA , DJ 31/08/2005), por isso o particular pode até alterar o titular do CNPJ, porém tal ato é arriscado e pode ser tido como fraudulento, importante em revogação da permissão por ausência de licitação.
O mesmo TRF-4 no AI nº 2003.04.01.041101-0/RS (DJ 21.01.2004), diz que "ninguém "vende" uma casa lotérica, porquanto o que existe, além do prédio em que esta é instalada, é a possibilidade de exploração do serviço. Até mesmo as máquinas utilizadas na atividade são propriedade da permitente Caixa Econômica Federal”
Por fim, o próprio STJ já nos orientou no sentido de que “É incabível a prorrogação de contrato de concessão de serviço público sem o prévio procedimento licitatório, essencial à validade do ato, nos termos dos arts. 42, § 1°, da Lei n.8.987/95 e 175 da CF/88. (STJ, REsp 304.837, Rel Min. João Otáviode Noronha, Segunda Turma, DJ de 20.3.2006).
Ante o exposto conclui-se que não pode o titular da empresa lotérica vender as suas quotas sem licitação prévia da Caixa, tal ato é arriscado e pode gerar o cancelamento da permissão para quem compra, resultando em prejuízos, logo não aconselhamos a compra dessa forma, opte sempre por processos licitatórios.
5. Considerações Finais.
Diante do exposto, conclui-se que o permissionário não pode alienar e tampouco transferir as suas quotas para terceiros sem a autorização da CEF, devendo ser realizada uma licitação prévia a fim de evitar revogações futuras, sendo um direito de qualquer pessoa participar da Hasta Pública dando lanços e aquele que se consagrar vencedor, uma vez cumpridas as condições editalícias, tem o direito ao exercício regular das atividades, sem embaraços e impedimentos.
Caso o permissionário esteja em dívidas, inclusive com a Caixa, a orientação é não vender o estabelecimento irregularmente, pois a sua situação tende a piorar, pois eventual venda poderá ser anulada, assim o prejudicado poderá demandar em face desse alienante buscando toda a reparação civil dos prejuízo, uma vez que no direito é vedado o enriquecimento ilícito (art. 884 do Código Civil).
Por fim, da Leitura da Circular Caixaº 745 DE 26.01.2017 D.O.U.: 27.01.2017 percebe-se que qualquer alteração societária não consentida pela CEF é razão mais do que suficiente para a revogação da permissão: "20.1.5. Quaisquer alterações no contrato social da empresa que envolva substituição, inclusão ou retirada de sócios, sem a prévia anuência da CAIXA, implicarão na revogação compulsória da PERMISSÃO".
6. Referências.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 1.498.128 RG, Relator: Ministro Presidente. Tribunal Pleno, julgado em 27 set. 2024. Processo eletrônico. Repercussão Geral – Mérito. Diário da Justiça Eletrônico, n. 280, divulgado em 30 set. 2024, publicado em 1 out. 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 304.837. Relator: Min. João Otávio de Noronha. Segunda Turma. Diário da Justiça, publicado em 20 mar. 2006.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Cível n. 5004249-72.2018.4.03.6105. Relator: Des. Fed. Antonio Carlos Cedenho. 3ª Turma. Julgado em 8 maio 2020. Acórdão. Publicado em 12 maio 2020.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento n. 2003.04.01.041101-0. Relator: Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon. 3ª Turma. Diário da Justiça, publicado em 21 jan. 2004, p. 603.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento n. 2004.04.01.040854-4. Relatora: Des. Fed. Vânia Hack de Almeida. 3ª Turma. Diário da Justiça, publicado em 31 ago. 2005.
Publicado por: João Vitor Rossi

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