AS PRINCIPAIS INFLUÊNCIAS AO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA - SBDC
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O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é o conjunto dos órgãos e procedimentos que atuam na aplicação de qualquer punição dada aos agentes que praticam atos contra a concorrência. A estruturação deste sistema está prevista como finalidade da Lei 12.529/2011 em seu art. 1, além disso, encontra-se como finalidade também desta Lei a prevenção e a repressão às infrações da ordem econômica, dando a conhecer os princípios da liberdade de iniciativa, liberdade de concorrência, função social da propriedade, defesa do consumidor e a regra da repressão ao abuso do poder econômico.
Este sistema é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda - SEAE, conforme previsto no art. 3 da Lei 12.529/2011. Deve-se destacar que o Sistema instituído por essa lei não abarca todos os atos anticoncorrenciais, tem-se, por exemplo, os atos de concorrência desleal que é tutelada pelo Poder Judiciário.
O CADE foi criado em 1962 pela Lei 4.137, vinculado à Presidência do Conselho de Ministros, com o objetivo de eliminar os abusos de poder econômico, muito embora, recebeu os meios e a capacidade para aplicar a política de concorrência com a promulgação da Lei 8.884/94 (AZEVEDO, 2016), transformando-se em autarquia federal e hoje está previsto na Lei 12.529/2011.
Apesar do CADE ter sido criado 1962 pela Lei 4.137, a legislação de defesa da concorrência só ganhou importância na década de 1990, momento em que o CADE ganhou a capacidade para aplicar a política de concorrência, através da Lei 8.884. Essa preocupação surgiu no Brasil, neste período, por conta do momento político e social que visava uma estratégia de redução da intervenção estatal, o que não é em si a finalidade do direito antitruste, isso demonstra o momento pouco maduro da economia brasileira frente às outras economias que já aplicavam essas teorias expostas a seguir. Para abordar as escolas, faz-se um esforço para identificar como seus entendimentos afetaram o direito antitruste no Brasil.
Primeiramente, a Escola que dominava o assunto da organização industrial era a Escola de Harvard e ela foi grande influenciadora, tanto nas decisões de demandas, quanto nas políticas públicas. Sua premissa era de que qualquer forma de concentração de mercado teria fortes impactos negativos e sua finalidade implícita era a defesa das pequenas empresas frente aos grandes players do mercado.
Foi a partir dessa ideia que se criou um modelo de reflexão conhecido como Estrutura-Conduta-Desempenho, que afirma a lógica de que a Estrutura do mercado (podendo ser concentrada ou não) que determina a conduta dos agentes econômicos (como exemplo o preço praticado), bem como os seus desempenhos nos lucros ou na entrega da qualidade de produtos ou serviços. Através dessa lógica, sustentada pela Escola de Harvard, foi que se chegou ao entendimento de que era necessário o controle de estruturas e não apenas o de condutas anticompetitivas, essa vertente manteve-se inalterada durante anos sendo aplicada pelas autoridades brasileiras, apesar da metodologia de análise das estruturas ter sido alterada ao longo do tempo (RAGAZZO, 2013).
Por isso, ao se constatar um alto market share, através da análise de concentração de mercado, os órgãos reguladores já agiriam para resolver o caso (sendo a simples concentração tida como ruim para o mercado). Em decorrência disso, a metodologia de análise passou a utilizar funções de concentração de mercado:
“começou a utilização do C4, que é a soma dos market shares das principais empresas de um mercado, e do HHI, que é a soma dos quadrados dos market shares das empresas de um mercado – ambas as medidas ainda são utilizadas como proxy de concentração econômica até hoje nos casos julgados pelo CADE.” (RAGAZZO, 2013)
Portanto, para essa Escola, as grandes empresas eram um obstáculo praticamente intransponível para as pequenas empresas que desejassem uma fatia do setor atuante. Por isso, influenciou uma metodologia de análise fortemente baseada em controle de estruturas e regras para condutas anticompetitivas sem a necessidade da apuração de efeitos negativos. Por conta disso, era uma atuação antitruste favorecida pela previsibilidade, pois reprimia as concentrações de acordo com as funções de concentração que são facilmente entendidas pelo setor privado.
Logo após, na década de 1970, na Escola de Chicago, surgiu um movimento chamado “revolução antitruste” por meio do qual foram sugeridas mudanças na visão majoritária da Escola de Harvard, levando em consideração orientações e pressupostos distintos. A principal mudança sugerida por essa escola, combatendo a escola anterior, foi a ideia de que o direito antitruste não deveria ter o propósito implícito de proteger os pequenos negócios, seu propósito deveria ser explicitamente a eficiência econômica, assim possibilitaria a resolução de problemas concorrenciais de outras formas. Os professores desse movimento argumentam que a legislação antitruste é inadequada para fomentar os pequenos negócios e que haveria outras formas de resolver os problemas redistributivos e de incentivo às pequenas empresas. Outra ideia divergente sustentada foi a de que o simples fato de o mercado estar concentrado não geraria automaticamente a ineficiência.
Vale ressaltar que o direito antitruste seguia, mais uma vez, o viés político e econômico da época que se preocupava com a perda do espaço ocupado pelas empresas americanas no cenário internacional e até mesmo nacional. Sendo necessário o fortalecimento das empresas nacionais, por isso valorizou-se as eficiências que derivam da economia de escala, indicando uma visão mais permissiva aos atos de concentração no mercado.
Surgiu, assim, uma metodologia que fugiu da mera análise de estrutura (nos atos de concentração) e de regras pré-estabelecidas, para propor que a noção de market share das empresas era apenas o começo, não determinante, de uma análise. Passou a analisar, após averiguar o market share, fatos que podem afastar o poder de mercado como as barreiras à entrada de novos competidores e a rivalidade que ainda atua no setor.
“A simples abertura da possibilidade de aprovação (não contestação, no caso norte-americano) de uma operação tendo como base as supostas eficiências que a operação gerará é reflexo de uma mudança de paradigma da análise concorrencial, tendo muito mais relevância do que pode parecer inicialmente.” (RAGAZZO, 2013)
As etapas propostas pela Escola de Chicago tiveram forte influência na legislação antitruste brasileira. Elas foram incorporadas à análise de concentração e estão postas no Guia Brasileiro de Análise de Atos de Concentração Horizontais, servindo, muitas vezes, para aprovar operações que ocasionam concentração de mercado, isso ocorre quando constatado pelo CADE que resta afastada a presunção de poder de mercado, consequente do alto market share.
Suscitado isso, a Escola de Chicago acrescenta aos seus argumentos a defesa da eficiência, que seria a maneira de compensar os eventuais efeitos nocivos de uma operação que possibilita um alto Market.
A Escola de Chicago trouxe profundas alterações no direito antitruste brasileiro, fomentando a maior necessidade de análises empíricas, tanto no controle de estruturas, quanto no controle de condutas. Primeiramente por ter relativizado os efeitos dos atos de concentração e depois por ter criado um espaço para a análise pela razão (mais próxima da lógica econômica) e não de regras preestabelecidas. Essas modificações aproximaram os advogados dos economistas e modificaram o perfil das decisões do CADE. Por outro lado, trouxe mais imprevisibilidade, por se pautar em efeitos práticos que são imprevisíveis como é o mercado.
Esse foi um primeiro momento da legislação antitruste brasileira. Assim como ocorreu em outros lugares, percebeu-se que as duas escolas não se excluem mutuamente, nem mesmo definem, por si só, a política antitruste. Isso pelo motivo de que a Escola de Harvard é pautada apenas em estruturas e regras pré-estabelecidas, provocando o desestímulo de práticas que poderiam ser pró-competitivas. Ao passo que a Escola de Chicago despertou uma abordagem muito mais prática que não é necessário em todas as hipóteses da aplicação do direito antitruste, o que acabou criando margem para empresas praticarem o poder de mercado, principalmente porque a análise dos efeitos, para a Escola de Chicago, ocorre depois de praticado o ato, assim os consumidores sentem as consequências da concentração. Ainda há falha nesse método por acreditar muito na autocorreção do mercado, o que por vezes não acontece e ainda pela dificuldade do órgão julgador em reunir evidências de elementos empíricos que demonstram o prejuízo (RAGAZZO, 2013).
Logo após, surgiu o movimento denominado “pós Chicago”, em função das limitações das escolas anteriores, ele focou em criticar o empirismo da Escola de Chicago e explorar seus limites, principalmente criticando a ideia de que o mercado é suficiente por si só, no que consiste em impedir a formação do abuso de poder. O principal limite, apontado por esse movimento, para a racionalidade da Escola de Chicago, foi que sua atuação estaria limitada a um parâmetro de longo prazo, justamente por analisar os efeitos das condutas no mercado, possibilitando a ocorrência de condutas de curto prazo que poderiam ter um forte impacto nos planos de negócios para novos competidores e consequentemente para a concorrência.
Ao mesmo tempo, começou a se utilizar a teoria dos jogos como fundamento na legislação de defesa da concorrência. Este fato levou a legislação brasileira a introduzir em seu corpo o programa de leniência que permite imunidade ou redução de pena, por delação da prática de Cartel, o que trouxe maior instabilidade a esta prática.
Diante do exposto, conclui-se que atualmente, a política de defesa da concorrência no Brasil tem como fundamentos os elementos das duas principais escolas, a de Harvard e a de Chicago, assim como conta com a contribuição do movimento Pós Chicago e da Teoria dos Jogos. Por tanto, esses movimentos teóricos, fundamentam a estratégia na definição de práticas ou operações comerciais, identificando se são pró ou anticompetitivas, tal tarefa é exercida, principalmente pelo Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência – CADE.
REFERÊNCIAS:
AZEVEDO, Paulo Furquim; PRADO, Mariana Mota (Org). O Judiciário e o Estado Regulador brasileiro. São Paulo: FGV Direito SP, 2016.
BAGNOLI, Vicente. Direito econômico, 6ª edição. Grupo GEN, 2013.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 8.884 de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Diário Oficial, 13 de jun. de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8884.htm . Acesso em: 23 abr. 2021.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 12.529 de 30 de novembro 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 01 de dez. de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm . Acesso em: 23 abr. 2021.
CADE, Resolução nº 2, de 29 de maio de 2012. Disciplina a notificação dos atos de que trata o artigo 88 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, prevê procedimento sumário de análise de atos de concentração e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 de maio de 2012, sessão 1, pag. 88 a 91. Disponível em: http://en.cade.gov.br/cade/assuntos/normas-e-legislacao/resolucao/resolucao-2_2012-analise-atos-concentracao.pdf/view . Acesso em: 23 abr. 2021.
Publicado por: Caio Rego Nunes
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