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Aplicabilidade do Estatuto da Pessoa com Deficiência nos Processos de Interdição da Comarca de Teresia-PI

Análise sobre a aplicabilidade da Lei nº 13.146 de 2015 nos processos de interdição julgados e arquivados definitivamente pelas Varas de Família da Comarca de Teresina no Estado do Piauí

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RESUMO

O presente artigo tem como proposta analisar a aplicabilidade da Lei nº 13.146 de 2015 nos processos de interdição julgados e arquivados definitivamente pelas Varas de Família da Comarca de Teresina no Estado do Piauí, no que se refere ao espaço temporal de 01 de janeiro de 2015 a 01 de dezembro de 2017, em razão da entrada em vigor da mencionada lei em 06 de janeiro de 2016. Para tanto, parte-se dos novos entendimentos advindos pelo aludido Estatuto no que se refere aos conceitos de capacidade, incapacidade civil e curatela, uma vez que, mediante essas alterações foram concedidos expressamente diversos direitos à pessoa considerada incapaz, como, por exemplo, direito ao próprio corpo, ao matrimônio, ao voto, permitindo, assim, a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Diante disso, por meio da utilização de dados constantes no Sistema Themis Web, esse utilizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí para tramitação dos processos físicos, analisou-se cento e trinta processos, julgados e arquivados definitivamente no lapso temporal supramencionado, mediante tal pesquisa fora possível concluir pela inexistência de processos desarquivados para adequação ao Estatuto, desse modo, sugere-se o desarquivamento dos processos de ofício pelo Juízo competente para que seja  viabilizada a possibilidade de levantamento das curatelas para adequação ao termos da referida lei, ademais, argumenta-se a necessidade precípua de compatibilidade dos procedimentos de interdição ao direito previdenciário.

Palavras-Chave: Curatela. Desarquivamento. Dignidade da Pessoa Humana.                                                                                                                       

INTRODUÇÃO

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD, Lei nº 13.146 de 2015, é um marco histórico na evolução do entendimento a respeito da pessoa com deficiência e dos conceitos de incapacidade civil, especialmente, por meio da concessão expressa de direitos, bem como, a viabilidade da concretização do direito da dignidade da pessoa humana. Por essa razão, a eficácia do aludido Estatuto deve ser analisada em relação aos processos de interdição.

Desse modo, as sentenças de interdição posteriores a vigência do EPD, em grande maioria, aplicam expressamente a referida legislação. Entretanto, houveram diversos processos que foram julgados e arquivados definitivamente no período de 01 de janeiro de 2015 a 01 de dezembro de 2017, não existindo uma ligação entre o EPD, o julgamento dos referidos processos e o cumprimento de suas sentenças, acarretando a inadequação desses processos aos termos do aludido Estatuto, nesse entendimento, questiona-se a ocorrência da adequação dessas curatelas ao EPD.

Nesse sentido, em razão de estagiar há um ano e três meses na 2ª Vara de Família e Sucessões da presente comarca, indagou-se se com a entrada em vigor da lei 13.146 de 2015, em 06 de janeiro de 2016, os processos de interdição julgados e arquivados definitivamente no espaço temporal de 01 de janeiro de 2015 a 01 de dezembro de 2017 pelos Juízos das Varas de Família da Comarca de Teresina-Piauí, sofreram as devidas alterações afim de adequá-los a referida lei ?. Além disso, identificou-se dentre os processos julgados procedentes quais as espécies de interdição, ou seja, total ou parcial e se analisou a possibilidade de ocorrência de desarquivamentos, bem como, suas devidas finalidades.

No que se refere à importância do presente artigo, destaca-se que tratam-se de situações reais dispostas em processos de interdição em que houve a decretação da interdição total dos curatelados, inviabilizando-os de exercer diversos direitos concedidos expressamente por meio do EPD, como por, exemplo, o direito ao voto, ao próprio corpo, à sexualidade, à educação e ao trabalho, ou seja, a concretização da dignidade da pessoa humana, dessa forma, não se enquadra, a presente pesquisa, em uma análise meramente teórica.

Neste diapasão, a presente pesquisa está dividida em três capítulos, cada um com suas respectivas subdivisões. Em relação ao primeiro capítulo, é abordada uma noção geral a respeito do conceito de capacidade civil e as alterações sofridas no Código Civil de 2002 (CC/2002) em razão do EPD, também nesse capítulo, argumenta-se os tipos de incapacidade civil, as distinções entre os termos tutela e curatela .Já no segundo capítulo, insere-se um estudo a respeito do processo de interdição e os reflexos advindos do EPD, as diferenças entre os procedimentos de interdição e tomada de decisão apoiada, além de uma verificação das alterações das sentenças de interdição com a vigência do EPD.

 Além do mais, no terceiro e último capítulo, são demonstrados os resultados da análise de dados realizada junto ao Sistema Themis Web, especificadamente a verificação de 130 ( cento e trinta) processos de interdição julgados e arquivados definitivamente no período de 01 de janeiro de 2015 a 01 de dezembro de 2017,como, também, a identificação dos tipos de interdição decretada nesses processos, ou seja, total ou imparcial, a ocorrência de desarquivamentos e suas devidas finalidades, além disso, a viabilidade de levantamento das curatelas para adequação ao EPD.

A CAPACIDADE CIVIL E OS REFLEXOS DA LEI 13.146/2015

Capacidade civil

A capacidade, bem como, a personalidade jurídica são introduzidas no Direito mediante o artigo 1º do CC/2002, esse dispõe que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Todavia, esses conceitos apesar de complementares são distintos, já que a personalidade jurídica é adquirida no nascimento com vida, conforme entendimento majoritário, por outro lado, a capacidade é a medição da personalidade.

Nesse sentido, o Doutrinador Carlos Roberto Gonçalves argumenta que não faz sentido haver personalidade sem capacidade jurídica, já que a essa se ajusta ao conteúdo da personalidade de modo proporcional a utilização do direito. Além disso, ele ressalta que a privação total da capacidade acarretaria na frustação da personalidade, tendo como consequência a aniquilação do indivíduo do mundo jurídico (GONÇALVES, 2017, p.96-97).

Neste diapasão, tem-se a capacidade de gozo ou de direito, aquela que se adquire no nascimento com vida e significa a possibilidade de aquisição de direitos, em contrapartida, existe a capacidade de fato ou de ação, entendida como a aptidão para se exercer, sozinho, os atos da vida civil.

 Assim, quem detém as duas espécies de capacidade tem a plenitude dela, sob outra perspectiva, quem só possui a capacidade de direito, tem uma limitação e necessita de outra pessoa para assisti-lo ou representa-lo, visando, desse modo, complementar a sua capacidade.

Incapacidade Civil da Luz à Lei 13.146/2015

São denominados de incapazes os indivíduos que detêm algum tipo de limitação em sua capacidade, por essa razão, o ordenamento jurídico brasileiro visando sua proteção torna nulos ou anuláveis os atos realizados pessoalmente por essas pessoas, exigindo, assim, que sejam assistidos ou representados para o exercício dos seus direitos. Nesse entendimento, incapacidade civil, conforme conceitua o Doutrinador Carlos Roberto Gonçalves “é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, imposta pela lei somente aos que, excepcionalmente, necessitam de proteção” (GONÇALVES, 2017, p.110). Desse modo, verifica-se que quaisquer restrições a direitos devem constar expressamente no ordenamento jurídico.

Uma vez reconhecida a incapacidade de modo absoluto ou relativo, o indivíduo fica impedido de praticar pessoalmente os atos civis, dessa forma, para que haja validade nos atos praticados por esse, deve ser verificada a participação de seu representante, no caso dos absolutamente incapazes, que praticará os atos em nome do incapaz, ou do assistente, que auxiliará o relativamente incapaz.

Além do mais, mediante a análise dos códigos normatizadores, verifica-se que as teorias de incapacidades estiveram e permanecem vinculadas à tutela patrimonial do incapaz, causando, assim, conflitos com a gestão e desenvolvimento da dignidade da pessoa humana. 

Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues, ressaltam que “ a incapacidade deve ser sempre construída e delimitada apenas diante do caso concreto” e que “restrições à capacidade de exercício e à autonomia dos indivíduos só podem ser realizadas a partir de questões devidamente problematizadas e legitimamente construídas no caso concreto” ( TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado, RODRIGUES, Renata de Lima, 2010, p.35).

Com esse viés, fora promulgada a Lei nº 13.146/2015, denominada de EPD, incorporando as críticas doutrinárias a respeito da ausência de preocupação expressa com a dignidade da pessoa com deficiência, em decorrência desse princípio basilar foram alterados os artigos 3º e 4º do Código Civil de 2002 (CC).

Momento em que, por meio do artigo 114 do EPD foram revogados os incisos I, II e III do artigo 3º do CC, permanecendo, como única hipótese de incapacidade absoluta, o quesito em razão da faixa etária inferior a 16 anos, além disso, em relação aos relativamente incapazes foram alterados os incisos II e III do artigo 4º, para constar como relativamente incapazes os viciados em tóxico, os ébrios habituais e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.

Visando reforçar essa mudança de paradigma, diversos artigos do EPD enfatizam a preocupação precípua com a dignidade da pessoa com deficiência, como, por exemplo, o artigo 6º prevê que a deficiência não influencia na capacidade civil da pessoa, inclusive para casar-se e constituir união estável, exercer direitos sexuais e reprodutivos, exercer direito à guarda, ao planejamento familiar, à tutela, à curatela e à adoção, dentre outros.

Neste diapasão, é perceptível o quão importante e inovador foi o advento do EPD, uma vez que ao retirar a possibilidade de incapacidade absoluta em razão de deficiências físicas e mentais, incorpora no entendimento jurídico e social a autonomia privada, por conseguinte, a liberdade pessoal das pessoas com deficiência, restringindo a incapacidade às situações patrimoniais.

Espécies de incapacidade civil

O ordenamento jurídico pátrio prevê duas espécies de incapacidade civil, quais sejam, relativa e absoluta. Na primeira, não há condição alguma para tomada de decisões acerta de determinados atos ou negócios jurídicos, ou seja, juridicamente, a opinião do absolutamente incapaz é irrelevante, desse modo, a vontade do sujeito de direito será constituída, exclusivamente, pela manifestação de seu representante.

Por outro lado, na segunda é reconhecida alguma aptidão físico-psíquica para decidir a respeito do que lhe interessa, dessa forma, a opinião do relativamente incapaz é juridicamente relevante e caso não haja sua vontade ou o negócio jurídico seja contra ela, será desconstituído de validade, além do mais, necessitará de auxílio indispensável de outra pessoa, denominada assistente.

Como já argumentado anteriormente, os absolutamente incapazes não detêm capacidade de fato, todavia, possuem capacidade de direito, e por isso, podem ser sujeitos e direitos e obrigações. Segundo o art. 3º do CC/2002 vigente, que dispõe acerca da incapacidade absoluta com redação dada pelo EPD, prevê que absolutamente incapaz é o menor impúbere, ou seja, menor de 16 anos.

É importante ressaltar, que a incapacidade fora criada com o intuito de proteger e não punir. Nesse viés, é necessário conceder aos absolutamente incapazes certa autonomia para os atos e negócios jurídicos diários, e que tenham ligação com sua própria existência (transporte para a escola, entrada no cinema, dentre outros).

Nesse sentido, o Enunciado n.138 da III Jornada de Direito Civil argumenta: “A vontade dos absolutamente incapazes na hipótese do art.3º, I, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento para tanto” (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciados. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2018.). Logo, fica evidente, que se houvesse a privação de todo e qualquer ato ou negócio jurídico, inclusive aqueles inerentes ao dia-a-dia, o instituto da incapacidade fugiria de seu objetivo, passando, então, a objetivar a pura e simples proibição.

Por outro lado, no que diz respeito aos relativamente incapazes, os atos praticados por estes são passíveis de anulação, caso não tenham sido realizados por auxílio dos seus devidos assistentes. Em razão de possuir discernimento razoável, não ficam afastados da atividade jurídica, podendo, assim, praticar determinados atos sem assistência, como por exemplo, ser testemunha, fazer testamento, aceitar mandato e etc.

A primeira hipótese de incapacidade relativa é em razão da idade, os denominados menores púberes, aqueles maiores de 16 anos e menores de 18 anos. Por possuírem discernimento suficiente para manifestar a sua vontade, poderão, inclusive, figurar em relações jurídicas, bem como, participar pessoalmente delas, todavia, para que haja validade na sua atuação, o menor deverá proceder de modo correto.

Uma vez que, caso oculte sua idade para fins de se eximir de uma obrigação, a legislação não priorizará sua proteção, mas, na realidade, repelirá sua má-fé, conforme dispõe o art. 180 do CC/2002 vigente. Nesse entendimento, verifica-se que o menor púbere deve respeitar a exigência da assistência para diversos atos da vida civil, bem como, é passível de responsabilização na seara cível.

Além disso, o inciso II do artigo 4º do aludido diploma, tem como hipótese de incapacidade relativa os ébrios habituais e os viciados em tóxico, em relação a isso, explica Carlos Roberto Gonçalves:

Os alcoólatras ou diposômanos ( os que têm impulsão irresistível para beber) e os toxicômanos, isto é, os viciados no uso e dependentes de substâncias alcoólicas ou entorpecentes, se enquadram no inciso II do art. 4º. Os usuários eventuais que por efeito transitório dessas substâncias, ficarem impedidos de expressar plenamente sua vontade ajustam-se no art.4º, III, do aludido diploma.(GONÇALVES, 2017,p.119).

Nesse sentido, caso venham a sofrer redução de sua capacidade de compreensão dependendo do grau de dependência e intoxicação, poderão, excepcionalmente, conforme o art. 84 do EPD, serem submetidos ao regime da curatela, ou seja, para enquadrar uma pessoa no inciso em comento se faz necessária uma sentença advinda de um processo de interdição relativa.

Em se tratando do inciso III, do art.4º do CC/2002, que dispõe ser relativamente incapaz aqueles que por causa transitória ou permanente, não puderem expressar sua vontade, não se vincula a ideia de pessoas portadoras de doenças ou deficiências mentais permanentes, uma vez que, por força do EPD, os amentais são atualmente considerados plenamente capazes, salvo se não puderem expressar sua vontade seja por motivo permanente ou transitório.

Neste diapasão, não existe o entendimento de que para se encaixar no referido inciso se tenha a necessidade do indivíduo estar em condições psíquicas anormais, já que, também é anulável e perfeitamente enquadrado no aludido inciso, a hipótese de pessoa com condição psíquica normal, mas que se encontrando completamente embriagada no momento que praticou ato ou negócio jurídico, não estando, portando, em perfeitas condições para exprimir sua vontade.

A última hipótese de incapacidade relativa está prevista no inciso IV do art.4º do CC/2002, os denominados pródigos, segundo Carlos Roberto Gonçalves “é o indivíduo que, por ser portador de um defeito de personalidade, gasta imoderadamente, dissipando o seu patrimônio com o risco de reduzir-se à miséria” (GONÇALVES, 2017, p.120).

Ressalta-se que, o desvio de personalidade não tem ligação com um estado de alienação mental, visto que os indivíduos desviam a normalidade de comportamento quando colocados diante de determinadas situações de cunho patrimonial, como, por exemplo, a prática de jogos, momento em que utilizam seus bens patrimoniais irrestritamente.

Ademais, importante informar que existem divergências a respeito da legalidade da interdição dos pródigos, já que se argumenta constituir violência à liberdade do indivíduo a privação de gerência dos seus bens como desejar, entretanto, esses argumentos são perfeitamente refutados pelo doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, a partir de seu entendimento, a interdição do pródigo é justificada pelo fato de haver permanentemente o risco da redução à miséria , em detrimento do próprio pródigo e de sua família (GONÇALVES, 2017, p.212).

Além do mais, caso sejam reduzidos à situação de miserabilidade, caberá ao Estado assisti-los, desse modo, outra justificativa da interdição dos indivíduos ventilados é o encargo financeiro que podem causar. Além disso, destaca-se que não há restrição concernente a pessoa do pródigo, ou seja, esse poderá viver como melhor lhe convier, necessitando, somente, da assistência do curador quanto aos negócios que importem alteração do seu patrimônio.

No que concerne à incapacidade relativa, é importante traçar a noção de que os incisos II, III e IV do art. 4º do CC/2002, para terem eficácia precisam de sentenças judiciais advindas de processos de interdição. Concomitantemente, verifica-se que mediante a alteração significativa do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a interdição supracitada somente será relativa, não podendo, portanto, os indivíduos que se enquadrarem nos aludidos incisos serem considerados absolutamente incapazes.

Tutela e Curatela

É facilmente perceptível que durante a menoridade, por conta da natureza e condição dos indivíduos se faz necessária uma proteção integral, nesse liame argumenta Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

Esse encargo de proteger integralmente a criança ou o adolescente é conferido, ordinariamente, aos próprios pais, independentemente do critério determinativo da relação filiatória. No entanto, por motivos diversos (morte, destituição judicial do poder familiar ), é possível a ausência dos pais, fazendo periditar a proteção diferenciada infantojuvenil. É exatamente nesse panorama que surge a tutela como um relevante instrumento de concretização da proteção integral da criança e do adolescente. (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson, 2017, p.872).

Em razão da ausência de uma pessoa para exercer o poder familiar, fora criado o instituto da tutela que se trata de medida assistencial visando a proteção da criança ou adolescente por meio da substituição da autoridade parental. Com isso, o objetivo da tutela é garantir a educação, a assistência, a integridade física e psíquica, bem como, o desenvolvimento intelectual e moral dos menores, ou seja, cabe ao tutor permitir o exercício da cidadania dos seus tutelados.

Por outro lado, a curatela é destinada, de modo geral, para reger ou administrar os bens dos indivíduos, que apesar de maiores, são incapazes para gerir, por si sós, suas vidas em razão de ausência, prodigalidade ou moléstia. Conforme elenca o art. 1.767 do EPD, a curatela é destinada “aqueles que por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, aos ébrios habituais ou viciados em tóxicos e aos pródigos” (Lei nº 13.146 de 2015).

Neste diapasão, o objetivo primordial da curatela é conceder aos incapazes proteção acerca dos seus interesses e garantir a conservação dos atos ou negócios realizados por eles com terceiros. Em face desse caráter protecionista, a curatela estabelece ao curatelado a condição de dependência do curador para todos os fins, inclusive de cunho previdenciário, necessitando, para exercê-los do regime da representação ou assistência, a depender do grau de incapacidade.

No que tange ao grau de incapacidade, o juiz a depender do caso concreto, mediante prova, geralmente, pericial, deve estabelecer quais serão os limites da curatela, inclusive, analisando a real necessidade, bem como, o nível de incapacidade de cada caso, para, desse modo, concretizar a principal ideia advinda do Estatuto da Pessoa com deficiência, qual seja, a preservação e desenvolvimento da dignidade da pessoa humana em relação às pessoas com deficiência.

Diante do exposto, é notável que apesar de serem termos com conceitos, características e finalidades distintas, a curatela e a tutela se assemelham por se tratarem de múnus público impostos a um indivíduo visando a proteção de outrem. Ademais, são indivisíveis e gratuitas, além de decorrerem de decisão judicial, bem como, ambas têm por prioridade a preservação dos direitos individuais e sociais dos indivíduos tutelados ou curatelados.

A INTERDIÇÃO E OS REFLEXOS DA LEI 13.146/2015

Neste capítulo serão abordadas as noções a respeito do processo de interdição, bem como, a relação com a tomada de decisão apoiada, visando tornar possível a verificação dos reflexos e efeitos advindos da Lei nº 13.146/2015. Em razão da obtenção das informações supramencionadas será viável a análise das sentenças dos processos de interdição com base nos termos do Estatuto da Pessoa com Deficiência,

Conceito de Interdição

É por meio do processo de interdição que se faz possível a concretização do instituto da curatela. Para Fredie Didier Júnior, a ação de interdição é “a demanda pela qual pretende a decretação da perda ou da restrição da capacidade de uma pessoa natural para a prática de atos da vida civil, constituindo o estado jurídico de interdito – sujeição da pessoa natural à curatela” (WAMBIER, 2016, p.1732).

Nesse sentido, é possível se depreender que não há como haver curatela sem uma sentença judicial, essa advinda de um processo de interdição, por conseguinte não havendo a possibilidade de incapacidade de um indivíduo nas hipóteses do art. 4, inciso x do Código Civil.

É importante ressaltar que a interdição se trata de um procedimento de jurisdição voluntária, ou seja, não há duas ou mais partes litigando dentro de um processo, na realidade, o interesse processual é único, já que a finalidade é o melhor interesse do incapaz. Em relação ao juízo competente para processar e julgar os processos de interdição, por não haver regra específica no Código de Processo Civil se aplica a regra geral, ou seja do domicílio do interditando. Além disso, no que se refere a legitimidade passiva dessa espécie de ação, argumenta Humberto Theodoro Júnior:

De acordo com as novas disposições legais, estão sujeitas à curatela além do nascituro, pessoas naturais que, por situações congênitas como adquiridas, não se acham habilitadas para a administração de seus bens, ainda que se trate de fenômeno temporário. Cumpre ressaltar que os deficientes mentais com discernimento reduzido e os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, não se tornaram plenamente capazes com o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Com efeito, eles encontram-se incluídos no inciso que trata de quem, ainda que por causa transitória, não pode exprimir sua vontade. Figuram, portanto, no rol dos relativamente incapazes (JUNIOR THEODORO, Humberto, 2016, p. 524).

Por outro lado, a legitimidade ativa está expressamente prevista no artigo 719 do Código de Processo Civil, que elenca ser legítimo para requerer a interdição de uma pessoa: o cônjuge ou companheiro, os parentes ou tutores, o representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando e o Ministério Público. Ademais, é importante destacar que a hipótese de requerer a própria interdição adveio com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, denominada pela doutrina majoritária de autointerdição.

Além disso, o rol supramencionado não obedece a uma respectiva ordem, podendo, desse modo, ser requerida a interdição por qualquer indivíduo previsto na aludida legislação. Entretanto, em relação ao Ministério Público existe uma particularidade, visto que a legitimidade ativa do referido órgão somente se opera nos casos de deficiência intelectual ou mental, em que os demais legitimados não promoverem a interdição, não existirem, ou se forem ainda menores, portanto, incapazes.

Além disso, sempre haverá intervenção de membro do Ministério Público nos processos de interdição, mesmo que ele não seja o requerente ou interditante, pois agirá como fiscal da ordem jurídica. Ademais, uma característica importante do processo de interdição é a impossibilidade de fazer coisa julgada, uma vez que, como já exposto previamente, trata-se de procedimento de jurisdição voluntária.

Interdição e Tomada de decisão Apoiada

No que se refere à tomada de decisão apoiada, segundo Humberto Theodoro Júnior não se trata de um instituto novo no direito estrangeiro, tendo sido previsto por exemplo no Código Civil italiano “ para situações em que a pessoa, por efeito de uma enfermidade ou de uma deficiência física ou psíquica, torna-se impossibilitada, ainda que parcial ou temporariamente, de prover os seus próprios interesses” (JÚNIOR THEODORO, Humberto, 2016, p. 533).

Em relação ao direito nacional, de fato o instituto da tomada de decisão apoiada fora incorporado no ordenamento jurídico por meio da Lei nº 13.146/2015, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, incluindo no Código Civil vigente mais uma hipótese de medidas destinadas à proteção da pessoa em situação de vulnerabilidade, conforme denominado no Titulo IV do Livro IV da parte especial do aludido código.

No que se refere a análise comparativa da tomada de decisão apoiada e a interdição, verifica-se, primeiramente, que quando se trata da tomada de decisão apoiada não há a possibilidade de terceiros requererem o procedimento, uma vez que somente a própria pessoa com deficiência elegerá duas pessoas idôneas, em que confie e mantenha vínculos, com a finalidade de que elas lhe prestem as informações e os elementos necessários para exercer sua capacidade, tudo conforme o artigo. 1.783-A do Código Civil. A respeito disso Humberto Theodoro Júnior argumenta:

Pelo que já foi exposto anteriormente, observa-se que esse instituto não substitui a curatela. Ele é, de fato, uma nova modalidade de proteção das pessoas com deficiência sem, contudo, retirar-lhe a capacidade. Ela pode ser utilizada quando o indivíduo ainda consegue exercer os atos da vida civil, mas precisa de auxílio na tomada de algumas decisões. Pense-se no caso de uma pessoa acometida de Alzheimer ou outra doença degenerativa, que esteja ainda no estágio inicial da doença. (JÚNIOR THEODORO, Humberto, 2016, p. 533).

Nesse entendimento, verifica-se que não há conflito entre a tomada de decisão apoiada e o processo de interdição, uma vez que são institutos distintos, podendo, os interessados optarem por um ou outro instituto de acordo com a melhor opção para a pessoa com deficiência ou que precise de cuidados especiais. Todavia, existem situações que não se faz possível o uso da tomada de decisão apoiada, em razão da impossibilidade, por mais momentânea que seja, do indivíduo expressar sua vontade.

Ou seja, para caracterizar a possibilidade do uso da tomada de decisão apoiada, é necessário existir a viabilidade de expressão da vontade da pessoa apoiada, caso contrário não seria apenas um auxílio ou assistência, mas de fato uma representação, descaracterizando a finalidade do aludido instituto. Já que, o principal efeito da sentença que acolhe o pedido de tomada de decisão apoiada é a validade dos atos praticados pela pessoa apoiada com assistência dos apoiadores eleitos por ela.

Neste diapasão, sem a possibilidade de exprimir sua vontade, a pessoa apoiada não pode indicar quais atos e de que modo quer exercê-los, inviabilizando o apoio dos indivíduos escolhidos, como por exemplo, a situação de coma, estado vegetativo ou Alzheimer em estágio avançado, fica perceptível em tais situações que a pessoa que precisa de cuidados não detém a capacidade de expressar suas vontades.

Logo, somente por meio do processo de interdição e consequente curatela será possível auxiliá-la em alguns atos, principalmente de natureza patrimonial, como por exemplo, o recebimento de benefícios previdenciários junto ao Instituto Nacional do Seguro Social, que detém natureza de essencialidade para a subsistência do interditando.

Das sentenças nos processos de interdição a Luz da Lei 13.146/2015

Com o advento da Lei nº 13.146/2015 intitulada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, houveram mudanças significativas nas sentenças dos processos de interdição, ao passo que a principal base deve ser a preservação da dignidade do interdito, ou seja, não se trata apenas da decretação de interdição de um indivíduo e consequentemente nomeação de um curador, mas a análise minuciosa dos interesses e necessidades do curatelado, para, desse modo, vislumbrar-se a melhor situação para ele.

Por essas razoes, é importante a menção direta ao estatuto supracitado, principalmente dos termos do seu art. 84, em que há a expressa disposição dos direitos do curatelado, e consequentemente dos limites da curatela:

Art. 84.  A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1o  Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. § 2o  É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada. § 3o  A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível. § 4o  Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano

Nesse sentido, a sentença deve conter as motivações e razões da interdição, preservando, para tanto, os interesses do curatelado. Ademais, a Lei 13.146/2015 traz a noção de que em se tratando de interdição de pessoa com deficiência, a limitação da curatela deve ser proporcional as circunstâncias e reais necessidades de cada caso, além de, conforme o artigo 84, §3ª do Estatuto da Pessoa com Deficiência, deverá durar o menor tempo possível.

Consoante a isso, o artigo 755 do Código de Processo Civil dispõe o que será determinado nos termos da sentença que decretar a interdição:

Art. 755.  Na sentença que decretar a interdição, o juiz: I - nomeará curador, que poderá ser o requerente da interdição, e fixará os limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do interdito; II - considerará as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências. § 1o A curatela deve ser atribuída a quem melhor possa atender aos interesses do curatelado

No que se refere aos efeitos da sentença, é importante ressaltar que mesmo havendo interposição de recurso, os efeitos serão imediatos, haja vista o recurso não terá efeito suspensivo. Ademais, uma vez julgada procedente a interdição os atos jurídicos praticados pelo interditando somente terá validade caso sejam praticados por meio do seu curador sob pena de serem nulos.

Além disso, os atos praticados anteriormente à sentença de interdição são anuláveis, ou seja, por meio de ação própria se pode anular, todavia, em regra, a sentença não tem efeitos retroativos. Nesse entendimento, também não se aplica a ação rescisória às sentenças em análise, já que por se tratar de jurisdição voluntária não faz coisa julgada material.

Ademais, existe um instituto próprio para os casos de retirada de curatela, qual seja, o levantamento da curatela. O instituto retro se refere ao cancelamento da curatela, podendo ser realizado a qualquer tempo, já que seu fundamento é a cessação da causa que originou a interdição.

Além do mais,  pode ser requisitado pelo próprio interdito, pelo curador ou pelo Ministério Público, além do mais, pode ser parcial, ou seja, nos casos em que o curatelado comece a ter interesse em praticar atos que lhe foram limitados no processo de interdição, bem como, o levantamento pode ser total, nesse caso quando o curatelado deixa de possuir qualquer limitação para o pleno exercício dos seus direitos pessoais e negociais.

CONFRONTAÇÕES DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Neste capítulo serão abordados dados colhidos junto ao Sistema Themis Web, esse utilizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí para andamento e movimentação dos processos físicos, visando, dessa forma, a realização de uma análise dos processos de interdição julgados e arquivados definitivamente dentre o espaço temporal de 01 de janeiro de 2015 até 01 de dezembro de 2017.

 Ademais, também será possível verificar eventual existência de processos desarquivados e sua respectiva  finalidade, bem como, a quantidade de processos em que fora declarada a interdição total ou parcial dos indivíduos, para, desse modo, vislumbrar-se uma eventual solução para o problema apontado no presente artigo.

Dos Processos de Interdição das Varas de Família e Sucessões da Comarca de Teresina no Estado do Piauí

A Comarca de Teresina no Estado do Piauí detém seis Varas de Família e Sucessões competentes para o processamento e julgamento dos processos de interdição em que o interditando resida na citada capital. É importante ressaltar que, apesar de tramitarem em segredo de justiça, após o julgamento dos processos em análise as sentenças são publicadas no Diário Oficial de Justiça do Estado, ou seja, o mérito da interdição se torna público, razão pela qual, a colheita dos dados utilizados no presente artigo não contrariou normas do Direito Processual Civil.

Ademais, foi realizada uma filtragem junto ao Sistema Themis Web em busca dos processos que foram julgados e arquivados definitivamente no lapso temporal de 01 de janeiro de 2015 a 01 de dezembro de 2017, destaca-se que esse período fora escolhido em razão de a partir de 06 de janeiro de 2016 entrar em vigência o EPD que trouxe diversas modificações no processo de interdição, conforme, argumentação em capítulo anterior.

No período supracitado, houve o julgamento e arquivamento definitivo de 130 (cento e trinta) processos nas seis Varas de Família da presente Comarca, de modo a verificar ilustradamente os dados gerais a respeito desses processos se produziu o seguinte gráfico:

Conforme se pode analisar, os cento e trinta processos correspondem a 100%( cem por cento) do gráfico acima, desse modo, dentre os 130 (cento e trinta) processos em análise, 48 ( quarenta e oito) foram julgados extintos sem resolução do mérito, em que os fatores foram falecimento do interditando, abandono da causa pelas partes e desistência da ação, além do mais, 2 (dois) foram julgados improcedentes. Além disso, 6 (seis) processos foram desarquivados no lapso temporal em questão e 22 (vinte e dois) processos foram arquivados por correção do acervo, esses últimos são processos que em razão da correição anual das Varas, por não terem sido relocalizados nas devidas prateleiras é permitida um despacho genérico para que sejam efetuados arquivamentos com a finalidade de retirar do acervo dos Juízos tais processos.

No que se refere aos julgados procedentes, em 16 (dezesseis) processos fora declarada a interdição parcial, ou seja, os interditandos foram considerados relativamente incapazes, por essa razão se adequam ao EPD, dentre esses, em 2(dois) houve o estabelecimento de prazo para a curatela, visando adequar ao entendimento do Estatuto, já que esse dispõe que a curatela deverá durar o menor tempo possível, conforme o art. 84 do referido diploma, por outro lado, em 50 (cinquenta) processos foi decretada a interdição total dos indivíduos em relação a todos os  atos da vida civil, acarretando, dessa forma, a inadequação ao EPD.

Dos Processos em que houve a interdição total ou parcial no período de 01 de janeiro de 2015 a 01 de dezembro de 2017

Mediante a análise de dados junto ao Sistema Themis Web, em relação aos tipos de interdição, quais sejam, total ou parcial, determinadas no período de 01 de janeiro de 2015 a 01 de dezembro de 2017, fora possível a produção do gráfico a seguir:

Mediante a análise do referido gráfico é perceptível que foram julgados procedentes com interdição parcial antes da entrada em vigor do EPD apenas dois processos, por razões não relacionadas com os novos entendimentos adquiridos pelo referido diploma, por outro lado, com a vigência do EPD, quatorze sentenças passaram a mencionar os artigos do aludido estatuto, bem como, a declarar a incapacidade relativa dos curatelados.

Em outro ponto de vista, antes do EPD foram julgados quarenta e oito processos de interdição, por conseguinte decretada a interdição total dos indivíduos, todavia, destaca-se atenção na realização da pesquisa  que no intervalo de tempo em análise, foram encontrados dois processos que após a vigência do EPD tiveram suas sentenças em total desacordo com o referido Estatuto, uma vez que, houve a interdição total, bem como, a utilização de artigos revogados no que se refere à incapacidade civil.

Neste diapasão, conforme a verificação do andamento dos processos acima mencionados, constatou-se que após a vigência do EPD, em três processos foram expedidos ofícios ao Tribunal Regional Eleitoral com a finalidade de suspensão dos direitos políticos dos curatelados, inclusive, um datado do dia 17 de outubro de 2018. Desse modo, depreende-se a irregularidade desses procedimentos, uma vez que, apesar de julgados em períodos anteriores à vigência do EPD, o cumprimento de suas sentenças se deu em momentos posteriores à vigência da citada legislação, razão pela qual, deveriam observar os direitos adquiridos pelos curatelados, inclusive, o direito ao voto.

Além do mais, pode-se notar pelo gráfico acima, que em relação ao estabelecimento de prazo para a validade das curatelas, em um processo foi determinado um prazo antes do EPD e em outro após o EPD, é importante frisar, ainda, que conforme entendimento do EPD a curatela não poderia ser definitiva ao passo que deveria durar o menor tempo possível, bem como, os curadores devem buscar a reabilitação, tratamento, melhoramento dos curatelados, conforme se depreende da leitura do artigo 84 do EPD.

Dos Processos desarquivados no período de 01 de janeiro de 2015 a 01 de dezembro de 2017

Em razão da leitura do gráfico acima ilustrado, depreende-se que no período em análise foram desarquivados seis processos, dentre esses, quatro desarquivamentos foram solicitados pelas partes mediantes seus procuradores, em que três se relacionavam com o mérito da curatela e um solicitava a expedição de alvará, por outro lado, dois foram realizados de ofício, ou seja, pela própria Unidade Judiciária em que o processo fora julgado, um desarquivamento em razão do mérito da interdição e outro para fins de cumprimento da sentença, ou seja, expedição de Mandado de Averbação, ressalta-se ainda que nesse último foram realizados arquivamentos e desarquivamentos sucessivos com datas distintas.

Do levantamento da curatela para adequação ao Estatuto da Pessoa com Deficiência

A sentença de interdição não faz coisa julgada em razão de ser um procedimento de jurisdição voluntária, bem como, de haver a previsão expressa no artigo 756 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 a possibilidade de levantamento da curatela a qualquer tempo, ou seja, a modificação dos termos da sentença, além disso, é importante destacar que se trata de uma sentença declaratória, desse modo, declarando a interdição.

Partindo dessa concepção, é inadequado o arquivamento definitivo desses processos, uma vez que o levantamento da curatela poderá ocorrer a qualquer momento, bastando cessar as suas causas. No que se refere aos processos julgados procedentes antes do EPD, inexiste a concessão de diversos direitos ao curatelado, uma vez que, em grande maioria, conforme se verifica nos gráficos anteriormente ilustrados, fora decretada a incapacidade total e definitiva dessas pessoas.

Além disso, os processos de todas as classes quando transitados em julgados, são baixados, ou seja, saem do acervo do Juízo, podendo, estarem em fase de pagamento de custas, por exemplo, porém, prontos para o arquivamento definitivo. Desse modo, quando arquivados definitivamente são retirados das respectivas Unidades Judiciárias e levados ao depósito judicial em caixas com suas devidas localizações junto ao Sistema Themis Web.

Todavia, quando solicitado o desarquivamento haverá um lapso temporal muito variável, podendo, inclusive, demorar meses para sua realização, uma vez que em razão da grande quantidade de caixas de arquivo, não são raros os casos de não localização dos processos, inviabilizando, assim, o desarquivamento de modo célere. Por essas razões, vislumbrando-se a celeridade no desarquivamento dos processos de interdição, uma vez que pela própria natureza desses procedimentos devem ser considerados prioridade, poderia haver a retirada do arquivo judicial dos processos de interdição em que fora decretada interdição total dos curatelados no lapso temporal em análise e encaminhamento de tais processos às respectivas Unidades Judiciárias.

Dessa forma, viabilizando-se o seu desarquivamento de oficio pelo Juízo competente, já que, a realização do arquivamento definitivo do feito fora um procedimento inapropriado, ou seja, um equívoco na movimentação do processo, dessa forma, não fere o princípio da inércia, uma vez que a realização de um procedimento indevido pode ser reconhecido de oficio pelos servidores e juiz competente, para, assim, sanarem o vício.

Neste diapasão, uma vez realizado o desarquivamento dos referidos processos poderia haver a expedição de mandado de intimação para os devidos curadores, bem como, intimação do Ministério Público, para que, querendo, solicitem a adequação das curatelas ao EPD, possibilitando, assim, o curatelado de exercer direitos inerentes a sua personalidade e viabilizar a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana aos interditados.

Além disso, o procedimento para que haja a adequação da curatela seria o mesmo do levantamento da curatela, já que, como argumentado em capítulo anterior, o levantamento pode ser parcial, ou seja, visando estabelecer novos limites à curatela. Além do mais, a maioria dos interditandos e interditados recebem benefícios junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em geral o Benefício de Prestação Continuada (BPC-LOAS) que é regulamento basicamente pelo Decreto nº 8.805 de 2016.

Outrossim, existe a previsão de pericias revisionais que são regulamentadas por meio da Lei nº 8.213 de 1991, tratam-se de fiscalizações realizadas pelo INSS em relação às pessoas que percebem benefícios previdenciários, é importante ressaltar que as legislações supramencionadas tiveram alterações devido aos novos entendimentos adquiridos por meio do EPD. Ademais, é de se frisar que o INSS tem se adequado ao entendimento de menor durabilidade possível das interdições advindo do EPD, razão pela qual, em casos ainda isolados, o instituto tem argumentado que as curatelas apesar de constarem o termo definitivo, deveriam ser atualizadas.

Todavia, nos casos supracitados os processos se encontram arquivados definitivamente junto ao depósito judicial, razão pela qual enfatiza-se a necessidade de retirada de tais processos do arquivo, para viabilizar a celeridade em situações como a mencionada. Além do mais, é de suma importância uma compatibilização do direito previdenciário aos procedimentos de interdição, para alcance do melhor interesse dos curatelados.

CONCLUSÃO

No presente artigo fora desenvolvida uma análise da aplicabilidade da Lei 13.146 de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) nos processos de interdição das seis Varas de Família da Comarca de Teresina no Estado do Piauí. Para tal finalidade, foi necessário o entendimento dos tipos de capacidade e incapacidade civil, as distinções entre os termos tutela e curatela, além de um estudo a respeito do processo de interdição e os devidos reflexos advindos do EPD, bem como, as diferenças entre os procedimentos de interdição e tomada de decisão apoiada, além disso, realizou-se uma verificação das alterações das sentenças de interdição em decorrência da entrada em vigor do EPD

Neste diapasão, foi feita uma análise de dados mediante buscas realizadas no sistema Themis Web, utilizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí para movimentação dos processos físicos, por conseguinte a verificação de 130 ( cento e trinta) processos de interdição julgados e arquivados definitivamente no período de 01 de janeiro de 2015 a 01 de dezembro de 2017. É importante destacar que, o lapso temporal acima referido foi determinado em razão do EPD ter entrado em vigência no dia 06 de janeiro de 2016.

Ademais, mediante a análise dos processos supracitados, foram encontrados 50(cinquenta) processos com interdição total dos curatelados e com arquivamento definitivo, além disso, houveram seis desarquivamentos, em que dois foram realizados de ofícios pelas respectivas Unidades Judiciárias.

Desse modo, o objetivo do presente artigo fora atingindo, ao passo que se vislumbrando a análise da aplicabilidade do EPD nos processos de interdição desta Comarca, especificadamente, no que se refere aos processos julgados e arquivados definitivamente no lapso temporal de 01 de janeiro de 2015 a 01 de dezembro de 2017, é possível concluir que não houve a realização das devidas alterações dos referidos processos a fim de adequá-los ao aludido Estatuto.

Por essa razão, sugere-se, como argumentado anteriormente, a retirada dos processos do depósito judicial e o seu consequente desarquivamento de ofício pelo Juízo competente, uma vez que, como já tratado, não se evidenciará hipótese de ferimento ao princípio da inércia, já que a movimentação de arquivamento definitivo fora realizada equivocadamente, pois as sentenças dos processos de interdição não fazem coisa julgada.

Nesse entendimento, uma vez realizados os desarquivamentos de ofício, poderia haver a intimação dos respectivos curadores e do Ministério Público, para que solicitem a adequação das curatelas ao Estatuto supramencionado, desta feita, caso haja tal solicitação o procedimento seria o mesmo do levantamento da curatela, pois já existe regulamento vigente para o levantamento parcial das curatelas.

Além do mais, conforme discutido em momento anterior, deveria haver uma compatibilização dos procedimentos de interdição ao direito previdenciário, especialmente em relação aos benefícios previdenciários concedidos aos interditados e interditandos, principalmente no que diz respeito aos prazos de revisões periciais e o prazo de validade das curatelas emitidas.

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Publicado por: Hyanna Myrelly Soares Da Costa

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