Crianças trabalhadoras
No Brasil, o trabalho infantil era parte da escravidão, foram comuns as constatações de crianças e adolescentes obrigados a realizar tarefas para as quais não tinham capacidade física ou preparo para evitar acidentes.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Por mais racionais que sejamos, quando pensamos de modo descompromissado sobre a situação das crianças no Brasil e no mundo tendemos a sonhar; desejamos que possam brincar, estudar, se alimentar adequadamente e serem amadas, trabalho é para adultos.
Mas a realidade é complexa e cruel, não é sempre que isto ocorre: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) divulgada pelo IBGE neste final de novembro revela que há quase dois milhões de crianças e adolescentes de 5(!) a 17 anos no mercado de trabalho brasileiro. Cerca de 30 mil crianças entre 5 e 9 anos de idade estão trabalhando, entre 10 e 13 anos são aproximadamente 160 mil crianças trabalhadoras. Em nosso país, no século XXI.
Crianças sempre trabalharam, a princípio como ajudantes em tarefas simples, na agricultura e na pecuária sua participação gerou até inúmeros contos populares como “Pedro e o Lobo”, em que um pastor de ovelhas, certamente criança, imagina maneiras de brincar enquanto trabalha, com mau resultado. Da área rural portuguesa nos vem um dito do começo do século vinte: “o trabalho do menino é pouco, mas quem não o usa é louco”, é absurdo, mas era a sabedoria vigente.
A Revolução Industrial, com o desenvolvimento de máquinas que diminuíam a necessidade de força física para a operação, permitiu o emprego do trabalho de mulheres e crianças que, evidentemente, recebiam menores salários do que os demais trabalhadores, ocasionando sua demissão ou redução salarial; como consequência os pais traziam toda a família para a fábrica, tentando compensar as perdas de receita e conseguir sobreviver. Um censo da Inglaterra dos anos 1860 mostra que mais de 35% dos meninos e 20% das meninas eram trabalhadores, mais de um terço dos trabalhadores na indústria têxtil era menor de 18 anos, e em mineração de carvão, uma das mais insalubres e perigosas atividades profissionais, um quarto dos trabalhadores era menor de idade. E isso não era privilégio inglês, nos Estados Unidos e na França a realidade era parecida, com elevadas taxas de crianças trabalhando.
No Brasil, o trabalho infantil era parte da escravidão, os filhos dos escravos participavam das atividades de seus pais, e foram comuns as constatações de crianças e adolescentes obrigados a realizar tarefas para as quais não tinham capacidade física ou preparo para evitar acidentes. A incipiente industrialização do país, no fim do século dezenove, reproduziu o modelo de outros países e o utilizou largamente, quase 40% dos trabalhadores em fábricas na cidade de São Paulo era constituído de crianças e adolescentes.
Muitos escritores e pensadores do século dezenove discutiram o tema, Charles Dickens escreveu vários romances em que as condições de trabalho e sociais desta época são bem descritas. Após isso, a questão pareceu desinteressar os acadêmicos até os anos 1990, quando passou a ser parte de uma agenda humanista voltada à redução da pobreza e melhoria da qualidade geral de vida. Surgem então diversas políticas nacionais e internacionais ligadas à redução do trabalho infantil, as principais delas foram a da ONU para o Direito das Crianças (1989), a da Organização Internacional do Trabalho que visa a eliminação das piores formas de trabalho infantil (1999), e a Declaração do Milênio que enfatiza a redução da pobreza e a educação universal (2000). No Brasil, a Emenda Constitucional nº 20 (1998) estabelece a idade mínima de 16 anos para que um adolescente possa trabalhar, em ocupações não insalubres, perigosas ou que lhe tragam riscos morais; entre os 14 e 16 anos poderá trabalhar no estatuto da Lei de Aprendizagem.
Mesmo considerando que a análise estatística sobre este assunto deve ser feita com bastante critério para evitar a sub ou sobrestimação de valores, pois o trabalho infantil pode ser intermitente ou sazonal, principalmente em áreas agrícolas; e ainda a questão do trabalho domiciliar praticado principalmente por meninas que cuidam da casa enquanto a mãe trabalha fora, os dados são preocupantes. Mesmo com a existência dos casos em que as tarefas da criança não é propriamente trabalho, apenas um auxílio aos pais realizado poucas horas por semana e que não prejudica suas demais atividades de estudo ou brincadeiras, um país sem injustiças e desigualdades extremas precisa inserir suas crianças no sistema educacional, e não precocemente no mundo do trabalho.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.
Publicado por: Wanda Camargo
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