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Retenção escolar: interpretações e atuais possibilidades

Objetivo central é compreender o caráter da retenção escolar nos níveis cíclicos de alfabetização.

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Desde 1996, ano em que a Lei de Diretrizes e Bases da educação básica (LDB) vigorou a proibição da reprovação escolar em anos de alfabetização, os assunto “retenção” tem sido pauta de discussões contra e a favor nas universidades e escolares do nosso país.

De acordo com Daniel Antonucci, mestre em Educação e CO-fundador do CRM Educacional, empresa especializada na implantação de currículos em Instituições de Ensino, a retenção de alunos em nível básico do ensino brasileiro é um conjunto de estratégias e ações realizadas pela instituição onde o estudante está matriculado. São ações que promovem as competências do sujeito em questão, auxiliando-o a chegar aos objetivos listados pelo currículo escolar do ciclo de alfabetização (que é o nível de ensino a que este texto se refere). Para Antonucci, 2017, esses conjuntos de estratégias podem variar de acordo com a instituição, bem como ao nível de ensino ao qual o aluno pertence. Como neste texto, o objetivo central é compreender o caráter da retenção escolar nos níveis cíclicos de alfabetização, não é de interesse do mesmo que sejam elucidadas as diferenças entre os níveis de ensino no sistema de educação básica do Brasil.

Recentemente o Ministério da Educação e Cultura (MEC), apoiadas pela nova Base Comum Curricular (BNCC), compreendeu o ciclo de alfabetização de uma criança em idade escolar como sendo até o segundo ano, deste nível. Ou seja, para o MEC, respaldado pela LDB de 1996, a sala de alfabetização não é um subnível da educação básica, ela compreende o ciclo de alfabetização como a seqüencia de intervenções pedagógicas seguidas desde educação infantil. Para isso, Vicente Martins professor da Universidade Estadual do Vale do Aracajú (CE), aponta que,

o artigo 29, a LDB, refere-se à Educação Infantil entendida como primeira etapa da educação básica cuja finalidade precípua é “o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. (entrevista concedida ao Direito NET – 2006)

Ainda para o professor, 2006, a sala de aula de alfabetização não pode reter o estudante, por não ter caráter avaliativo ou promotor da criança a outro nível do ensino.

Então, voltemos no caminho para apontar os propósitos de uma sala de alfabetização que compreende os níveis finais da educação infantil e os dois primeiros anos do ensino fundamental. Níveis engajados no Pacto Nacional de Alfabetização até o Segundo Ano. Como já destacado, nesse artigo aponta-se para as possibilidades pedagógicas em prol das crianças seis a oito, envolvidas no processo de alfabetização. Portanto, não se tem por interesse caracterizar as determinações políticas dessa formação cíclica. Afim de maiores esclarecimentos históricos e políticos sobre a formação dos ciclos de alfabetização, você pode consultar no site do governo federal e ler a LDB na íntegra. O site estará disponível nas referencias do texto.

Segundo a LDB, no artigo 4° a educação básica brasileira é organizada em três níveis: educação Infantil, ensino fundamental e ensino médio. No mesmo artigo elege-se a educação infantil como a primeira etapa da educação básica, compreendendo em seus anos finais até o segundo ano do ensino fundamental como de “ciclo de alfabetização” (MEC, 2013). Dessa forma fica evidenciado pelo artigo, que a alfabetização inicia ainda na pré- escola, portanto as intenções pedagógicas para tal devem acompanhar a criança desde seu processo de letramento. Fica em evidência também que o processo de alfabetização, segundo a LDB é contínuo e gradual, sem necessidade de que o sujeito (estudante deste nível de ensino) seja avaliado em apenas um ano deste período.

De certa forma, digo eu, a alfabetização é um longo processo e bastante complexo para as crianças dessa idade, portanto, garantir “tempo” para que isso aconteça, é valorizar as aprendizagens dos estudantes. Mas será que na prática é assim que acontece?

RETER NA ALFABETIZAÇÃO. POR QUÊ? “A ESCOLA DOS QUE PASSAM SEM SABER”.

Há algum tempo me deparei cm a leitura da tese de mestrado da professora Dília Maria Andrade Glória, da PUC de Minas Gerais. Em sua tese, a professora (2002) julga a retenção ou a não retenção a partir da ótica dos educadores, estudantes e familiares envolvidos na prática educativa escolar de determinada instituição.

Para Glória, 2002, existiu um período histórico no país em que a retenção escolar foi vista como causa do fracasso escolar, que desencadeava a evasão de estudantes das salas de aula, ainda nos primeiros anos escolares. Esse assunto, em meados dos anos 80, para a autora, foi distorcido pelo sistema educacional, que já fracassado, tentava de alguma forma sobreviver às crises políticas da época, incumbido a culpa da “não aprendizagem” a professores mal assalariados. Ou seja, o fracasso escolar estava diretamente ligado a precariedade das instituições de ensino público.

Ribeiro, 1990 (apud Glória, 2002) classifica esse período da educação brasileira como o da “pedagogia da reprovação” na qual a avaliação de cada estudante visava seus avanços de acordo com parâmetros (objetivos) que eram, em suma, mais medidores de inteligência do que impulso de competências e habilidades. Agora, digo eu, temas esses: competências e habilidades foram visitados por autores contemporâneos e incluídos na BCC apenas em 2017.

Assim, ao observarmos as práticas pedagógicas de promoção dos estudantes, havia uma discrepância de objetivos escolares, que eram classificatórios e não promotores dois conhecimentos das crianças. Isso gerava um desencontro entre o sistema educacional e a realidade dos alunos, resultando na temida evasão escolar. Uma realidade não tão esquecida nos dias atuais!

Ao compreender-se a necessidade de mudança curricular, Glória (2002) os estudos brasileiros voltam-se a criar estratégias que garantam o sucesso do estudante. Estratégias, segundo a autora “respaldadas e indicadas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Glória apud LBDEN, 1996). Portanto, ao se descentralizar a avaliação do que a escola requer do aluno, percebeu-se a necessidade da flexibilização do tempo (espaço, currículo, práticas pedagógicas e etc) para então respeitar as habilidades e ampliar as competências individuais. Ainda temos um longo caminho para que isso se torne prática real nas instituições escolares.

Compreender a necessidade da retenção escolar nos dias atuais continua sendo um tema com poucas respostas. Para tal, há de se pensar nas possibilidades individuais, respaldando-se em leis que sustentem a indicação.

De acordo com Demo (2010), aprender a aprender é uma habilidade/competência que está relacionada com a aprendizagem da vida toda (grifo meu). Este conceito pressupõe uma formação capaz de intervir, como também de caráter de ensino prévio, o qual envolve a construção do conhecimento e a capacidade de utilizá-lo para intervir e fazer história (DEMO, 2004).

Porém, visto a necessidade de se avaliar o aluno a partir do que ele pode apresentar, tem-se voltado o olhar das instituições para a construção de um currículo avaliativo que, acompanhe o desenvolvimento do estudante frente às vivências escolares, promovida pela prática intencional do professor ou da professora, que a partir do incentivo ao uso de suas habilidades em situações diárias no ambiente escolar, pode observar a progressão das competências do estudante.

Então, por que reter? Para tentar responder, vou ilustrar uma situação escolar que indica a possibilidade da retenção de um estudante. Essa situação chegou ao meu consultório psicopedagógico, durante o estágio clínico da faculdade e tenho autorização familiar para divulgar a história. Vale ressaltar que os nomes dos envolvidos, bem como a instituição escolar serão modificados.

João chegou à escola X, com seis anos de idade, matriculado pela família no Primeiro Ano do Ensino Fundamental – série cíclica de sala de alfabetização.

Logo nos primeiros dias, João mostrou dificuldades em se relacionar com os colegas e com a professora. Sempre muito tímido e quieto pouco utilizava dos espaços da sala de aula para brincar. Quase não saia de seu lugar.

João conversava pouco e nem sempre era compreendido em sua fala por colegas e adultos. E mesmo com incentivo da professora e da família, João diz não gostar de ir à  escola.

Com o passar do tempo, a professora começa a organizar seu material para elaborar a avaliação do João. Ela observa e respeita o período de adaptação que João precisou ao longo do ano, especialmente nos primeiros meses.

Porém ela percebe em suas anotações que João pouco aproveitou dos recursos pedagógicos ao longo do ano, das investidas da família e do ambiente alfabetizador. Durante dois trimestres, João, negou-se a produzir e a mostrar o que sabia. João também tinha crises de pânico toda vez que era solicitado pela professora para escrever ou ler algo. Isso por dois motivos: ele não compreendida o sistema de escrita alfabético e também porque João teve um diagnóstico de depressão na infância.

Teve um dia em que professora chegou perto do João para lhe ler uma história. Naquele dia, João estava iniciado seu tratamento medicamentoso. Naquele dia o corpo de João estava diferente e seu olhar também. Naquele dia, pela primeira vez, João percebeu que sua professora usava óculos, dizendo “tu usa óculos e minha mãe também” foi a primeira troca de olhares entre ele e a professora – esse dia foi 13 de Novembro.

João não pode aproveitar de sua sala, de seus amigos. Sua condição não o permitiu vincular-se com a aprendizagem. É certo que o caso foi inteiramente discutido por todos os profissionais que cuidavam de João na época.  Juntas, a família e a escola entenderam que João “passou sem saber” durante aquele ano.

No consultório, os profissionais observaram que João se beneficiaria com a retenção escolar no Primeiro Ano e com autorização da família, João foi retido.

No decorrer do ano de retenção, ou seja, de seu Primeiro Ano (pela segunda vez), João viveu como se fosse a primeira vez. João se alfabetizou. João se vinculou e ele foi para o Segundo Ano, no final daquele ano letivo. João precisou de seu tempo para crescer, e ao ser respeitado em seu tempo, ele respondeu ao convite de aprender.

Não devemos ser ingênuos e tratar a retenção como assunto fácil e chamar todas as crianças de João. Cada estudante tem sua especificidade em sua vivência escolar e vai construir sua história a partir disso. No entanto, é dever familiar, escolar e dos envolvidos em sua dinâmica de aprendizagem que avaliem opções durante o percurso.

Assim, para que a finalidade da retenção escolar seja qualitativa, as estratégias a serem seguidas devem sempre respeitar a história de vida do estudante. Mais a fundo, a retenção como opção à vivência escolar de determinado estudante será mais bem compreendida em um currículo que avalie por habilidade e competências – sabemos que esse trajeto ainda é longo.

REFERÊNCIAS

GLÓRIA, A. Dília Maria. “A escola dos que passam sem saber”: a  prática da não-retenção escolar na narrativa de professores, alunos e familiares. Tese de mestrado em educação, PUC , BH, 2002.

Dr. Vicente Martins - https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2921/A-Lei-9394-96-proibe-a-reprovacao-em-sala-de-alfabetizacao (visualizado em 04/09)

ANTONUCCI, Daniel. O que é retenção de alunos? – entrevista cedido para a revista DR - https://crmeducacional.com/o-que-e-retencao-de-alunos/ (site visualizado em 5/09)

DEMO, Pedro. Habilidades e competências no século XXI. Porto Alegre: Mediação, 2010.

MEC – LDB http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm


Publicado por: Luana Fellix Eckert

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