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RACISMO ESTRUTURAL E O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Estudo sobre o racismo estrutural e como ele se manifesta no sistema prisional

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

INTRODUÇÃO

O tema do presente artigo está constantemente nas mídias, jornais e noticiários demonstrando o quanto está presente em nosso dia a dia , referimo-nos ao racismo, por ser um tema tão corrente surgiram alguns estudos que informam o que vem a ser o racismo estrutural. Partimos do pressuposto que quando identificamos a origem histórica do problema podemos perceber o quanto o discurso racista está relacionado ao sistema social, político e econômico que normatizam ações presentes no senso comum que são institucionalizadas. Assim, a proposta é identificar os estudos sobre o racismo estrutural, estabelecer relações com a realidade e como se manifesta dentro do sistema penal brasileiro, identificando a seletividade penal do sistema criminal brasileiro como consequência do racismo estrutural. Procuramos analisar a seletividade penal do sistema criminal brasileiro, a partir dos dados evidenciados pelo 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública em 2020. O principal enfoque é a criminalização negra, quando ocorre a necessidade de revisar uma postura punitiva do sistema criminal que leva jovens negros pobres para o encarceramento.

RACISMO ESTRUTURAL E O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

A terminologia racismo estrutural foi construída por grupos que lutam  para esclarecer na busca pela equidade racial enfatizando que o racismo na sociedade funciona como um sistema, com estrutura e múltiplos componentes, que ultrapassa um ato ou pensamento isolado. Almeida (2018) também classifica o conceito de racismo em individual, institucional e estrutural. Na concepção individual, o racismo é tratado como uma atitude do indivíduo que pode apresentar problemas psicológicos, comportamentais. Pode também se manifestar no coletivo, de concepção frágil e limitada, pois não leva  em consideração análise de contextos históricos e reflexões sobre os reais efeitos para a sociedade. No caso do racismo institucional, o autor considera como um avanço para os estudos das relações sociais, pois amplia a ideia existente de racismo como comportamento individual. Diz respeito  aos efeitos causados pelos modos de funcionamento das instituições que concedem privilégios a determinados grupos de acordo com a raça. Para o autor , as instituições estabelecem , regulam as normas e padrões que devem conduzir as práticas dos sujeitos, conformando seus comportamentos, seus modos de pensar, suas concepções e preferências. Assim “as instituições são a materialização das determinações formais na vida social e derivam das relações de poder, conflitos e disputas entre os grupos que desejam admitir o domínio da instituição”(Almeida, 2018,p.30). É necessário acima de tudo que o senso crítico esteja presente quando os meios de comunicação, a indústria cultural e as instituições educacionais restauram constantemente ideias que moldam o imaginário social numa perspectiva racista. É quando se evidencia a ideologia racista que se efetua como uma prática social que busca representar uma determinada realidade. Quando questionamos as representações e percebemos que não são verdades e sim elaborações construídas balizadas por normas e padrões que foram construídos por quem está representado pelo poder social, político, econômico e cultural, passou a desenvolver a criticidade e podemos então projetar ações que visem ética, respeito e o fim das desigualdades sociais. Importante salientar que no mesmo período, houve segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), um aumento de brasileiros que se declararam negros. Porém esse aumento foi proporcionalmente menor que o verificado nas prisões, com 56% da população negra em relação ao total de habitantes. Percentual menor que o verificado nas cadeias. Outro elemento detectado pelo Anuário foi que a política de encarceramento em massa fortaleceu a atuação das organizações criminais e facções, assim como o aumento da violência. Com o aumento do número de homicídios de jovens negros pobres com baixa escolaridade. Todos os indícios que demonstram os reflexos do racismo estrutural.  Segundo Flauzina (2008), ao invés de buscar a ressocialização, o Estado parece buscar o encarceramento seletivo de determinados sujeitos. Com 653.614 mil pessoas presas de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional em 2021 , o Brasil ocupa a terceira posição no ranking mundial de países com maior população carcerária no mundo e vem aumentando. Porém, apesar do aumento das detenções, a estrutura carcerária em nada mudou, o que causa superlotação. Diante dos dados apresentados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública e os dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) cabe duas linhas de análise; na primeira identificar o componente histórico do sistema penal brasileiro e os reflexos do racismo estrutural; na segunda linha apresentar a proposta de Foucault sobre o surgimento do cárcere punitivo. O sistema penal brasileiro tem sua origem histórica ligada ao período imperial em 1830 e posteriormente reformulado em 1890 nos primeiros momentos republicanos, porém ainda imerso nas correntes escravistas. Que através das penas comutadas reflete um sistema excludente, patriarcal e racista.  Com o passar do tempo vai incorporando o pensamento social de segregação e exclusão principalmente em relação aos negros. O contexto histórico social brasileiro influenciou a justificativa o senso comum quanto a posição dos negros junto ao sistema penal. Onde o Estado se utilizou de instrumentos de ordem, sendo as leis e a ideia de justiça uma das formas de garantir o aparelhamento e contenção social. O sistema penal está ligado a um contexto social, que é alimentado e reproduz o senso comum e os estereótipos que classifica o negro pobre como delinquente e criminoso, criando um consenso de sistema de valores parcial, selecionando cada indivíduo de acordo com seu grupo social, reproduzindo assim o discurso e a prática racista. Evidenciando as relações de poder que continuam as mesmas desde o período colonial, colocando em um patamar inferior a cultura, as organizações sociais ou econômicas  que atingem a população negra. fica claro que se for negro, primeiro atira, depois produz provas e por último questiona se houve justiça ou não. (Ferreira, 2019) A presunção de culpa é intensificada a partir do momento que o suspeito é um negro. Historicamente as leis brasileiras muitas vezes mostram conteúdo positivo, mas com efetividade e execução duvidosa, o que se chama de “Lei para a inglês ver”, expressão referente a lei criada em 1831, no período regencial diante das pressões do governo inglês para acabar com a escravidão no Brasil. A lei proibia o tráfico negreiro no Brasil, declarando livres os escravos que chegassem e punindo os importadores.  Na realidade ficou somente no papel, pois só em 1850, com a Lei Eusébio de Queirós foi decretada a abolição do tráfico negreiro no Brasil. Junto com a lei vieram medidas de repressão a essa atividade, fazendo que o tráfico negreiro deixasse de existir efetivamente a partir de 1856. Atualmente as leis e o próprio Direito interagem com as questões do racismo. Segundo Almeida (2018), uma das perspectivas trata do Direito como modo efetivo de combater o racismo, seja  pela penalização individual ou criação de políticas de ações afirmativas. Mas o autor também salienta que o Direito permanece fazendo parte de uma estrutura que permanece transmitindo o racismo, por meio de ações políticas e ideológicas.

Para Almeida (2018), ocorreram avanços através das lutas e reivindicações dos movimentos sociais, tais como:

  • Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948;

  • Lei Afonso Arinos em 1951, no Brasil, que tornou contravenção à prática de discriminação racial;

  • Constituição Federal Brasileira de 1988, onde o racismo passa a ser considerado crime inafiançável e imprescritível;

  • Lei 10.629/2003 que torna obrigatório o ensino de história da África e cultura Afro-brasileira nas escolas;

  • Lei 12.288/2010 que cria o Estatuto da Igualdade Racial.  

Na prática, ao invés de buscar a ressocialização, o Estado mostra o encarceramento e a superlotação das unidades existentes, e como vimos através dos dados do Anuário da Segurança Pública com o consequente  aumento do número  de negros na população carcerária. Logo o sistema penal com privação da liberdade está relacionado ao sistema de poder social, político e econômico onde prevalece o interesse da classe social dominante. E o Estado nada mais é que o protetor dos interesses dos mais privilegiados. Não é por menos que a maioria dos negros encarcerados no Brasil apresentam penas por delitos patrimoniais. Ressocializar e promover a reintegração só constam nas leis, na realidade o que se percebe é o fortalecimento das facções criminosas e o aumento da violência. Confirmando assim a discrepância entre o cárcere legal e o real. Segundo Flauzina (2008), podemos perceber que o cárcere no Brasil, da forma  como ocorre- munido com o mais absoluto descaso do Estado e a normalização do sofrimento pela sociedade-, aponta  para a implementação de uma espécie de política criminal intencionalmente aplicada com o objetivo de promover a segregação social em relação àqueles grupos sociais que não agradam aos interesses das estruturas e grupos dominantes que se encontram no poder. De acordo com o contexto histórico e social em que o negro foi inserido na história do Brasil, desde 1530, como escravizado até 1888, onde as leis abolicionistas visavam muito mais o interesse dos latifundiários escravistas, o negro quando considerado “peso morto”, causando grandes despesas aos seus senhores, foram largados à própria sorte, sem direito a educação, ao trabalho e lugar para morar.  A própria ideia de morar pendurado em morros e periferias nas favelas foi fruto da exclusão e profundo descaso do Estado e políticas públicas de todos os governos republicanos que mantiveram grilhões escravistas dentro das leis e da manutenção de estruturas racistas. A história da comunidade negra é marcada pela estigmatização: no mundo escravocrata negro era sinônimo de subumanidade e barbárie, na República do trabalho livre, o negro virou marca de marginalidade.  Estigma com uma conotação negativa e depreciativa, enquanto processo social que reduz o acesso à saúde por parte de indivíduos e ou grupos afetados.(Dicionário de Sociologia, 2019). As práticas foram formuladas a partir do discurso etnocêntrico (visão preconceituosa e unilateral formada sobre outros povos, culturas, religiões e etnias como inferiores onde somente a sua cultura e conceitos são considerados corretos) e a ações repressivas: do olhar vigilante do senhor na senzala, ao pânico do sanitarista em visita ao cortiço; até a violência das viaturas policiais nas vilas e favelas. Para as classes dominantes, no território marginal tudo é desorganizado, promíscuo, imoral, que pode gerar uma força destruidora e violenta capaz de arrasar o status quo dominante. Assim os negros recebem designações de comunidade estigmatizada e marginal, sem direito a existência no que tange a sua cidadania e territorialidade. Para Almeida (2018) existe a relação entre racismo, política e Estado, pois é por esse ângulo que a classificação dos indivíduos é executada. A função do Estado no sistema capitalista é a conservação da ordem, através da preservação da liberdade e da igualdade, da proteção da propriedade privada e da internalização das contradições mediante coerção física e /ou reprodução da ideologia que fundamenta os processos de dominação. Grupos dominantes interagem na relação de poder para dominar o Estado e conservar discursos pautados na meritocracia, nos resultados individuais e no racismo, na naturalização das desigualdades existentes no país. A pergunta que fica é: como dar conta de mudanças, visto que são institucionais e estruturais? Eis o desafio para a elaboração de projetos de educação antirracista, para Almeida (2018) é necessário adotar práticas antirracistas, com adoção de políticas internas das instituições, perceber o racismo como integrante das estruturas sociais, pois quando conhecemos nos tornamos responsáveis no enfrentamento  de práticas discriminatórias e preconceituosas, pois o silêncio é o que mantém o racismo. Almeida recomenda às empresas e instituições adotar políticas anti-discriminatórias permanentes e instituir mecanismos que estabeleçam questionamentos às práticas sociais vigentes nas empresas. Elas não são obrigadas a reproduzir o mundo como ele é. Elas podem melhorá-lo, oferecendo coisas que concorrentes não oferecem. Isso só acontece se forem capazes. (ALMEIDA, 2018. p.34). É necessário acima de tudo que o senso crítico esteja presente quando os meios de comunicação, a indústria cultural e as instituições educacionais restauram constantemente ideias que moldam o imaginário social numa perspectiva racista. É quando se evidencia a ideologia racista que se efetua como uma prática social que busca  representar uma determinada realidade. Quando questionamos as representações e percebemos que não são realidades e sim elaborações construídas balizadas por normas e padrões que foram construídos por quem está representado pelas relações de poder manifestas em âmbito  social, político, econômico e cultural.

CONCLUSÃO

A pesquisa trouxe elementos  que possibilitaram concluir que o racismo se constituiu no período da modernidade e tornou-se endêmico com o capitalismo. Está relacionado com a constituição da sociedade de classes, pois a divisão dos grupos na sociedade tem o racismo como elemento de forte atuação.

Também o processo de modernização econômica brasileiro cristalizou as diferenças sociais, excluiu a distribuição de renda e desconsiderou o bem estar social, principalmente para os trabalhadores assalariados, pobres, negros e pardos. O crescimento econômico privilegiou as mesmas classes socioeconômicas e políticas desde o período colonial, passando por estados em sua maioria centralizadores que  regavam seus apoios políticos através da corrupção, assim o que se convencionou a chamar de democracia, esconde conflitos sociais e raciais, dando a impressão da democracia racial e país tropical abençoado por Deus.

O racismo estrutural vem de um processo histórico e político que ultrapassa as práticas institucionais. Onde as classes consideradas inferiores continuam sendo exploradas e oprimidas, muitas vezes de forma inconsciente. Através da ideologia que torna normal e natural as regras e valores estabelecidos pelo grupo social dominante. Assim, o racismo é decorrência da estrutura da sociedade.

O sistema penal é reflexo do sistema social estabelecido, reproduz os valores e o senso comum da ordem social, política e econômica estabelecida e portanto reflete os estereótipos e o próprio etiquetamento social, o que se reflete no encarceramento e superlotação das unidades prisionais com o aumento do contingente de negros no sistema.

Percebe-se uma grande discrepância entre as leis e a efetivação  das mesmas, determinando um cárcere legal e o real. Com uma  abordagem que identifica o negro como marginal, delinquente e criminoso. O sistema penal brasileiro se mostra comprometido e parcial no que tange ao tratamento aos negros, demonstrando elementos do etiquetamento social, onde cada indivíduo é classificado conforme seu grupo social.

Torna-se necessário então através de nossa responsabilidade ética e humana promover primeiro uma educação antirracista, projetos socioeconômicos que mobilizem também os setores privados, como empresas que promovam a igualdade e sustentabilidade como diferencial de seus produtos.

REFERÊNCIAS

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Publicado por: Dagoberto Amaral de Melo

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