O DESAFIO DO TRABALHO COM O TEXTO EM SALA DE AULA
Análise sobre o desafio do trabalho com o texto em sala de aula.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
A compreensão em analisar o texto visto pela gramática, na obra O búfalo de Clarice Lispector, traz em si o “mas”, não na estranheza de iniciar um texto com uma conjunção coordenativa que busca um contraste, até então em nosso entendimento em algo anterior a ela, como também, a não obrigatoriedade dessa conjunção coordenativa em ligar palavras ou orações e nem alimentando a gramática com regras imutáveis na construção do texto, como narra a personagem que busca nutrir seu ódio, porém, esbarra com “mas era primavera”. Aqui apresenta-se o desafio de construir novas leituras e compreender a gramática além dos limites impostos por regras fixas e não ensinado nas escolas e nos manuais de gramática.
Só conseguimos entender a construção feita por Clarice Lispector “Mas era primavera…” e encontrar o contraste, não anteriormente na própria construção inicial do texto, mas no caminhar dos acontecimentos descritos posteriormente ao “mas…”, isso nos faz compreender a necessidade de nós professores em (DES)construirmos conceitos fixos impostos durante muitos anos em sala de aula.
“Mas era primavera”, esperar-se algo que não deu certo. E que algo era esse? Onde estava o que não deu certo? O desenrolar da história irá revelar o porquê a personagem não consegui alimentar seu ódio, mesmo estando entre feras e possivelmente, observando a carnificina, desejo contido para alimentar sua fúria. Esse contraste do “mas”, está no início do texto “mas era primavera”, porém, a compreensão está no desenrolar do texto.
A ideia é entender o texto como o uso particular da linguagem, apresentado por Ana Lúcia Trevisan, o plano do conteúdo e da expressão, articulados com o uso da gramática nas possibilidades de tecer um espaço imaginário e muito próximo da realidade ao degustarmos palavras por palavras. Essa é a liberdade de construção, mas uma liberdade consciente dos limites e das possibilidades do uso da língua.
Ernani Terra (2018, p.17-18), na obra Da leitura literária à produção de textos, diz: “Quando se estudam palavras, aprende-se que substantivos podem ser concretos, quando designam os seres em si (…) abstratos, quando designam estados, ações ou qualidade”, para o autor, não apenas substantivos pode ser concretos ou abstratos, mas adjetivos, verbos, enfim, nos textos literários, um termo pode conter em si uma imensidão de sentidos e devanear pelo concreto ou abstrato, fogem de regras, mas não fogem da essência das ideias e do sentido do próprio texto.
Esse é o maior desafio em trabalhar com o texto em sala de aula e, além de trabalhar o texto, é o texto visto pela gramática e com muitas restrições diante de anos observando a inflexibilidade de conceitos e regras, assim, o professor acaba entendendo a gramática como algo fechado em si.
Nesse cenário observa-se como o texto é tratado em sala de aula e qual o objetivo no trabalho do professor, principalmente de Língua portuguesa, Literatura e redação, ainda disciplinas fragmentadas e isoladas em muitas escolas. Na sua grande maioria, e não posso excluir-me desse grupo, é um trabalho puramente gramatical, sem observar a gramática de uso, ou seja, o porquê e qual a função de certo vocábulo no texto. Fragmentar orações e analisa-las sintaticamente e não olhar o texto como construção de significados, estimulando o aluno a vivenciar a sua produção e os trabalhos de outros autores, não apenas olhar os processos gramaticais, mas estabelecer relações nas construções e nas significações do texto.
O perigo está em usar o texto como instrumento gramatical e pensar apenas em uma gramática dentro das normas estabelecidas nos livros didáticos e esquecer do uso da gramática pelo falante. A diversidade de textos literários com grande potencialidade para um trabalho eficiente com a gramática pode perder-se em fragmentações desconexas e sem sentido para o aluno e acabar em listas de exercícios e explicações sobre as regras e suas classificações, perdendo assim, a essência do trabalho do texto em sala de aula.
Anos de trabalho docente nos faz refletir, por exemplo: “Colocou a mão no bolso e tirou a sua última moeda” Su-ah (2014, p.203), romance intitulado Sukiyaki de domingo, analisar com o aluno apenas a gramática como elemento de construção, analisar a conjunção “e” no texto e sua ligação, observar o verbo “colocou” e classificar o predicado e o sujeito. Isso é prender o texto à gramática sem entender que esse período é apenas um elemento que forma um sentido no próprio romance e em sua construção. Para nós, como professores, teria que ser visto como libertar-se de análises frias e desconstruídas de um sentido maior e com mais significados para os alunos.
Fiorin (2021), na introdução do seu livro Elementos de análise do discurso, faz uma reflexão muito importante e corrobora com o pensamento da professora Maria Helena Moura Neves, no Texto visto pela gramática, curso ministrado pela Abralin[3] em 2021, quando Fiorin refere-se ao trabalho nas escolas em ensinar os alunos a ler e escrever orações e períodos e na exigência que eles interpretem e redijam textos, mesmo com tantos trabalhos e exigências, o professor deve entender que não basta recomendar que os alunos leiam atentamente o texto várias e várias vezes, mas é necessário que o educador mostre o que deve ser observado no texto “A sensibilidade não é um dom inato, mas algo que se cultiva e se desenvolve” (p.9), da mesma forma, ao ler o texto de Clarice Lispector, que inicia com a oração “mas era primavera”, se não for direcionado a um trabalho com maior atenção, passa despercebido o “mas” no início de uma oração como conjunção coordenativa e buscar sua resposta não anteriormente, mas no desenrolar da produção, deixa despercebido a riqueza o trabalho da gramática vista pelo texto.
Assim, o trabalho com o texto deve refletir como os aspectos gramaticais funcionam em situações reais de comunicação. A mudança no olhar do professor diante desse desafio é importante, somos apegados a gramática fragmentada por anos utilizando o livro didático que nos aprisionam de tal forma que não conseguimos enxergar além dos muros. Libertar-se da caverna, como apresentou-nos Platão, e conhecer as reais situações de comunicação será um salto de qualidade no ensino da língua.
REFERÊNCIA
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 15 ed. 5 reimp. São Paulo: Contexto, 2021.
SU-AH, Bae. Sukiyaki de domingo. São Paulo: Estação liberdade, 2014.
TERRA, Ernani. Da literatura à produção de textos. São Paulo: Contexto, 2018.
Alexandre Dijan Coqui - Doutor em Ciências da Educação pela Absoulute Christian University. Secretário Municipal de Educação do Município de Jacaraci/Ba e Coordenador do Polo UAB. Professor formado em Pedagogia e Letras. Especialista em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria - USFM. Especialista em Ciências da Linguagem com ênfase em EaD pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Especializando em Gestão Pública Municipal pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Pós-doutorando em Ciências da Educação junto ao Programa da Universidad Martin Lutero. Participa do Grupo de Estudos Semióticos - USP/FFLCH. Sócio efetivo da ABRALIN - Associação Brasileira de Linguística.
Douglas Manoel Antonio de Abreu Pestana dos Santos - Membro da Cátedra Otávio Frias de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade - USP. Bolsista de Produtividade em Pós-Graduação na área da Educação CAPES/CNPq. Membro da Rede Nacional da Ciência para a Educação- CPe. Membro da ABEPEE- Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial UNESP Associado(a) na categoria de Profissional, Nº de matrícula 15713, da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) USP, filiada no Brasil, à Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e no exterior, à International Brain Research Organization (IBRO) e à Federação das Associações Latino Americanas e do Caribe de Neurociências. Tem experiência na área de Educação, na intersecção entre Psicanálise e Educação, abordando principalmente os seguintes temas: educação em tempos de crise, educação e autoridade; ensino e transmissão.
[3] Abralin: Associação brasileira de Linguística
Publicado por: Douglas Manoel Antonio de Abreu Pestana dos Santos
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