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HISTÓRIAS BOBAS TAMBÉM FAZEM CRÍTICAS CONSTRUTIVAS

Análise sobre certos aspectos do anime em questão e entender como sua popularidade se deu, além da mensagem que passa, se apoiando no estudo da estética da comunicação.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

Apesar de carregar um estereótipo infantil, o campo da animação é particularmente popular entre crianças e adultos. Um mercado que cresceu dentro desta indústria nos últimos anos foi a de animação japonesa, ou comumente conhecido como animes. Desde seus primórdios e seguindo a cultura particularmente filosófica em que foi desenvolvido, animes procuram inserir lições de moral em seus enredos, por mais ficcionais que se apresentem ser. Um exemplo desse processo é uma seria chamada Gintama. O material construído procura analisar certos aspectos do anime em questão e entender como sua popularidade se deu, além da mensagem que passa, se apoiando no estudo da estética da comunicação.

PALAVRAS-CHAVE: anime; comunicação; estética; histórias.

ABSTRACT

Despite carrying a childish stereotype, the field of animation is surprisingly popular among both children and adults. A market that has grown within this industry in recent years is related to the Japanese animation, or commonly known as Anime. Since its dawn and following the philosophical culture in which it was developed, anime has sought to insert moral lessons into its plots, however fictional they may be. An example of this process is a series called Gintama. This article seeks to analyze certain aspects of the anime in question and understand how its popularity took place, in addition to the message it offers, based on the study of communication aesthetics.

KEYWORDS: anime; communication; aesthetic; stories.

INTRODUÇÃO

Comédias servem de entretenimento, assim como podem trazer mensagens importantes por entre suas linhas e, em certos casos, ambos objetivos são atingidos em uma mesma história. Gintama, uma animação japonesa e o tema a ser abordado, se encaixam nesta última categoria. É interessante observar como críticas a problemas que nos cercam durante nossa vida diária e um humor bizarro se misturam neste anime quase que excentricamente. É ainda mais intrigante o modo como tal excentricidade atrai um público enorme, ocupando centésimo décimo quinto (115°) lugar no ranking de popularidade apresentado pelo famoso site relacionado a este tipo de material cinematográfico, MyAnimeList[1], o que é uma conquista impressionante levando em conta o número de animes existente na atualidade, número que se aproxima de 15 mil shows.

Estranho seria, talvez, a melhor palavra para descrever Gintama e seus personagens, com ênfase, exclusivamente, nos protagonistas. A comédia não deixa a desejar, com seu estilo de paródia que, muitas vezes, carrega várias críticas a sociedade atual por trás de piadas bobas. Além do diálogo e protagonistas peculiares, Gintama possui um elemento cinematográfico que, com o intuito de conquistar, inclui o público na história ao fazer com que os personagens interajam com o mesmo. Essa técnica é conhecida como The break of the fourth wall ou A quebra da quarta parede.

A HISTÓRIA

[2]Gintama é uma animação japonesa, ou anime, baseado no mangá ilustrado por Hideaki Sorachi com mesmo nome. Atualmente dirigido por Chizuru Miyawaki e escrito por Akatsuki Yamatoya, possui conteúdo histórico e fictício, desequilibrado entre muita comédia e uma quantidade aceitável de drama, além de apresentar personagens excêntricos e oferecer um mundo onde tudo pode acontecer. A versão em mangá, que tem sua publicação datada em 08 de Dezembro de 2003, é veiculada pela revista Weekly Shonen Jump, enquanto o anime, veiculado pela TV Tokyo, foi inicialmente lançado em 04 de Abril de 2006.

[3]A história se passa no final do período Edo (1800), quando o Planeta Terra, e nesse caso especialmente o Japão, é invadido por extraterrestres chamados de Amanto (天人, "Pessoas do Céu"). Tal invasão origina uma guerra, conhecida como a Guerra Joui, entre os forasteiros e os samurais – conhecidos por serem a elite do exército japonês. A guerra dura vinte anos e em meados da mesma, o Shogun (ditador militar ou governante) trai os samurais ao perceber o poder bélico dos extraterrestres e assina um acordo que permite a entrada dos forasteiros e proíbe a posse de katanas (espada de estilo japonês).

É neste contexto de pós-guerra, adaptação e resistência de culturas estrangeiras diversas que o protagonista, um samurai de personalidade peculiar, chamado Gintoki Sakata, irá viver aventuras de todos os tipos, juntamente com Kagura, uma amanto e o adolescente Shinpachi Shimura. Juntos, esses três personagens formam o Yoruzuya, que é, essencialmente, um estabelecimento comercial de faz-tudo, liderado por Gintoki.

Mesmo com a excentricidade que permeia o show, Hideaki Sorachi não criou os personagens do nada. De maneira engenhosa, o mangaka (artista que cria e ilustra os mangás) usou de figuras históricas e folclore para inspirar seus heróis e até mesmo certos acontecimentos foram baseados em eventos reais que aconteceram no Japão.

Concentrando-se no período Edo, que durou de 1603 a 1868, Sorachi foi capaz de encaixar lendas que fazem parte da cultura japonesa, guerras e elementos verídicos em um mundo de ficção cientifica. Tomando um dos personagens principais, Gintoki Sakata como exemplo, ele foi baseado em uma figura folclórica conhecida com Kintaro Sakata que, segundo os contos, era uma criança de força sobre-humana e ao crescer adotou o nome de Kintoki Sakata.

OS PERSONAGENS

Seria desnecessário afirmar que os personagens são um dos, se não o elemento principal na construção de uma história e no processo de conquista do público. Um personagem mal desenvolvido pode ser o motivo por trás de um péssimo roteiro e, sendo assim, os contadores de histórias procuram criar personagens que correspondam a todas as expectativas do público. Com isso surge o herói simpático, figura criada por Edgar Morin em seu livro A Cultura de Massa no Século XX, que possui o objetivo de representar a imagem perfeita de um protagonista. Este apresenta características especificas que levaram o público a criar laços de projeção e identificação – outra concepção tratada por Morin, que refere ao leitor se identificando ou se projetando em seu herói.

O ator se torna cada vez mais "natural" até aparecer não mais como um monstro sagrado executando um rito, mas como um sósia exaltado do espectador ao qual este está ligado por semelhanças e, simultaneamente, por uma simpatia profunda. (MORIN, 2002, p. 92)

Seria calunia dizer que Gintama desvia-se totalmente dos padrões estabelecidos pela cultura de massa. O que pode ser afirmado, entretanto, é que esta animação luta e tem sucesso em afastar-se de certos clichês que nem sempre são aparentes, mas constantemente cumprem seu papel de influenciar o público. Um ponto notável, é a forma como o criador, Hideaki Sorachi, concebeu seus personagens. Ele os escreveu de forma mais que imperfeita para que conquistassem o público através da identificação. Defeitos são as características que mais se destacam, especificamente nos protagonistas, Gintoki, Kagura e Shinpachi, aqueles a serem analisados.

O modo como personagens são construídos pode afetar e impactar leitores adultos através do reforço da realidade social que eles fazem parte.  (UNSER-SCHUTZ, 2015 ,p. 136)

Gintoki Sakata é primordialmente preguiçoso e irreverente, aqueles que o cercam constantemente comentam sobre sua falta de higiene e maus-hábitos. Diferente dos protagonistas das típicas histórias-padrão, este rapaz de cabelo prateado sempre procura a solução mais simples e raramente tenta incentivar seus próximos ou até mesmo seus fãs. Sua construção contraria aquela de herói perfeito, personagens que todos gostam e querem ocupar o lugar. Inúmeras vezes, o telespectador pode se irritar com a maneira como Gintoki decide resolve seus problemas ou, até mesmo quando ele falha em soluciona-los. Mesmo assim, ele se posiciona como o personagem mais popular do anime.

O porquê disso?

Gintoki é semelhante a nós, tem preguiça de trabalhar e não é fã de ser dito o que fazer. Tem vícios e até tem uma queda pela moça do tempo, ironicamente. Suas características tão humanamente normais o fazem um fácil alvo de identificação, seu passado complicado – envolvido na Guerra Joui – e como ele lida com isto o torna ainda mais humano, mortal.

Kagura não é diferente. Com 14 anos de idade, ela supera as expectativas ao surpreender o público com grande violência acompanhada de tamanha irreverencia, característica essa que, apesar de ser naturalmente sua, é atenuada pela influência que Gintoki exerce sobre ela. Para Kagura, Gintoki é como um irmão mais velho e ela o admira a tal ponto que acabou aderindo a certos costumes, a maioria sendo maus-hábitos, como cutucar o nariz e a orelha, falar besteiras e palavrões, além de ter uma má alimentação. Nenhuma das características citadas se encaixa naquele da heroína-padrão, porque, como Gintoki, Kagura vai contra muitos clichês. Em adição a este fato, essa personagem tenta quebrar a imagem de moça tradicional imposta pela sociedade e que, infelizmente ainda permeia nosso dia-a-dia.

Por fim, Shinpachi é um rapaz de 16 anos de idade e não possui nenhuma característica marcante, entretanto sua falta de brilho é a crítica que Sorachi tenta passar. A ideia que todo protagonista precisa ter uma qualidade que o destaque é descartada na construção de Shinpachi. Sua aparência banal é agregada a uma personalidade sensata e quase entediante. Ele tem o papel de ser a voz da razão, muitas vezes questionando a própria excentricidade do anime. Kagura repetidamente os chama de estraga-prazeres e Gintoki não cessa em afirmar que os óculos que Shinpachi usa formam 90% de seu personagem.

A COMÉDIA

Gintama é classificado como paródia, tirando sarro de histórias mundialmente conhecidas, bem como de animes que somente determinado público tem conhecimento. Como já foi dito diversas vezes ao longo desta análise, o criador da história se utiliza da comédia para censurar questões sociais que nos cercam. Sua grande e mais aparente crítica é o que, na nossa realidade, chamaríamos de midiatização da sociedade. Em seu livro, A Explosão Gospel, Magali Cunha explica que a cultura é “um processo social de dar e receber sentido – um lento desenvolvimento de sentidos comuns formados por aquelas direções já conhecidas com as quais os sujeitos estão acostumados, mas também pelas novas observações e novos sentidos que são recebidos e testados” (2007, p. 17).

Tal é a ocorrência observada em Gintama. A partir do momento em que os Amanto se incluíram na sociedade humana, houve um choque de culturas e, previsivelmente, aquela mais desenvolvida tomou a frente da sociedade. É evidente a luta pela sobrevivência que a tradição japonesa – uma notavelmente forte – trava no decorrer do anime. Esta guerra de culturas se assemelha, e faz menção, a guerra que acontece entre esta mesma cultura milenar e cultura de massa américa que tomou conta do mundo.

Tão grande é o domínio do modo de vida extraterrestre, que as crises cotidianas retratadas em Gintama, em sua grande parte, estão relacionadas as tecnologias amanto. Sorachi brinca com a ficção ao mesmo tempo que demonstra as consequências da modernização e globalização.

THE BREAK OF THE FOURTH WALL

A quebra da quarta parede é um fenômeno teatral ou cinematográfico, na qual os personagens interagem com a plateia, envolvendo o telespectador no enredo e, em ocasiões, reconhecendo sua própria existência fictícia. Vsevolod Emilevich Meyerhold, um diretor de teatro russo, utilizou essa técnica na década de 1920 em suas peças e a partir daí, mais e mais escritores e diretores, contadores de histórias passaram a utilizar tal técnica. Hideaki Sorachi está nesta lista ao desenvolver um enredo em que seus personagens, localizados entre as três paredes do cenário, constantemente quebram a quarta parede imaginária que os separam da realidade.

Philip Auter e Donald Davis dizem em seu artigo, When Characters Speak Directly to Viewers: Breaking the Fourth Wall in Television, que “participação – na qual é considerado o aspecto comportamental do envolvimento da audiência – é usada por outros como principal material de pesquisa sobre interesse-envolvimento” (p. 167). Eles relatam que uma pesquisa foi feita com os jovens de uma universidade, com o objetivo de confirmar a influência que quebrar a quarta parede tem em uma audiência. Auter e Davis explicam que foram apresentados cinco programas de televisão diferentes, os quais apenas um utilizava a técnica em questão. Ao final da investigação, os resultados mostraram que houve uma maior apreciação pelo programa em que os personagens interagiam com os jovens.

No interesse-envolvimento, o lugar de envolvimento recai sobre o visualizador. O valor do entretenimento e a sofisticação de conteúdo parecem ser dois poderosos cognitivos de interesse do espectador na programação. (AUTER e DAVIS, ,p. 170)

Com isso podemos especular que parte da popularidade alcançada por Gintama provém da estratégia de ter os personagens dialogando com o público. Mais uma vez, Sorachi aproveita para criticar a mídia de massa e, em ocasiões, essas críticas são abertas e diretas.

ESTÉTICA VISUAL DO ANIME

É possível atribuir sentido a diversos detalhes que formas uma cena ou quadro, se analisarmos com cuidado os elementos que são apresentados. Desde o tipo e as cores das vestimentas, do cabelo e olhos até as cores que formam uma cena, ou a posição dos personagens no quadro, significados diversos são encontrados. Estes são subitamente incorporando, sendo alguns objetivos e outros subjetivos.

Consideremos as amplas possibilidades que a cor oferece. Seu potencial tem, em primeiro lugar, a capacidade da imaginação criativa do homem [...]  Sobre o indivíduo que recebe a comunicação visual, a cor exerce uma ação tríplice: a de impressionar, a de expressar e a de construir. A cor é vista: impressiona a retina. E sentida: provoca uma emoção. E é construtiva, pois, tendo um significado próprio, tem valor de símbolo e capacidade, portanto, de construir uma linguagem própria que comunique uma ideia. (MODESTO, PEREZ, BASTOS. 2011)

Quando se trata da comunicação visual do anime, observa-se a tentativa de transmitir mensagens inúmeras através de detalhes triviais. Os ilustradores constantemente fazem alusão ao papel que cada personagem desemprenha na história, suas personalidades e passados. Até mesmo a maneira como dialogam ou se posicionam com relação um ao outro pode atribuir sentido. Estas análises podem ser feitas com base em estudos de comunicação de áreas variadas como o conceito de enquadramento[4] no cinema ou a psicologias das cores[5]

CONCLUSÃO

Sendo assim, esta análise vertiginosa nos leva a crer que a popularidade alcançada por Gintama se dá em três fatores principais: a construção de seus personagens e o quanto eles se aproximam da realidade; a comédia e as críticas por trás do dialogo cômico e o uso da técnica cinematográfica da quebrar a quarta parede, permitindo que o público seja envolvido no enredo.

Em meio a intrigas nada ortodoxas e personagens incomuns os telespectadores podem notar situações habituais, ordinárias o suficiente para fazer parte do nosso cotidiano. Algumas dessas circunstâncias conectam a fantasia com a realidade, permitindo que o espectador retenha a informação e se identifique com a mesma. Todavia, algumas situações são colocadas propositalmente, apresentando, de maneira nem sempre tão discreta, adversidades e dilemas relacionados ao mundo real.

A estratégia comunicacional exercida no anime estudado, quer seja proposital ou não, aponta críticas construtivas que são necessárias estarem em evidência. Acima de tudo, por conferir tais mensagens de censura de forma tão informal e natural, mostra como há inúmeras maneiras de ponderar os mais diversos assuntos e temas, dos mais simples até os mais complexos.

REFERÊNCIAS

AUTER, Philip J., DAVIS, Donald M.. When Characters Speak Directly to Viewers: Breaking the Fourth Wall in Television. p. 170

CUNHA, Magali. A Explosão Gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico. 2007, p. 16.

GINTAMA, Wikia, 2017. Disponível em: . Acesso em: 16 de out. de 2017.

GINTAMA, Wikipédia, 2017. Disponível em: . Acesso em: 13 de out. de 2017.

MODESTO, Farina., PEREZ, Clotilde., BASTOS, Dorinho. Psicodinâmica das cores em comunicação. Editora Blucher, 2011. p. 13

MORIN, Edgar. A Cultura de Massa do Século XX. 2002, p.92

O LIVRO, capítulo 9. Primeiro Filme, 2017. Disponível em: . Acesso em 31 de out. de 2017.

TOP ANIME BY POPULARITY. MyAnimeList, 2020. Disponível em: . Acesso em: 14 de dez. de 2020.

UNSER-SCHUTZ, Giancarla. What text can tell us about male and female characters in shojo and shonen manga, 2015, p. 136


[1] TOP ANIME BY POPULARITY. MyAnimeList, 2020. Disponível em: . Acesso em: 14 de dez. de 2020.

[2] GINTAMA, Wikia, 2017. Disponível em: . Acesso em: 16 de out. de 2017.

[3]GINTAMA, Wikipédia, 2017. Disponível em: . Acesso em: 13 de out. de 2017.

[4] O LIVRO, capítulo 9. Primeiro Filme, 2017. Disponível em: . Acesso em 31 de out. de 2017.

[5] MODESTO, Farina., PEREZ, Clotilde., BASTOS, Dorinho. Psicodinâmica das cores em comunicação. Editora Blucher, 2011. p. 13 


Publicado por: REBECA CHEVRA BEGO

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