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ENTRE O DESCRITÍVEL E O INTERPRETÁVEL COM BASE NA IDEOLOGIA INCONSCIENTE DO DISCURSO

Breve reflexão sobre o descritível e o interpretável com base na ideologia inconsciente do discurso.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Este ensaio por intenção, fazer uma breve reflexão a cerca do capítulo: Quando a falha fala: materialidade, sujeito, sentido, da obra de Eni Puccinelli Orlandi, Discurso em Análise: sujeito, sentido, ideologia, onde a autora discorre sobre a materialidade, sujeito e sentido na análise de discurso com destaque no digital, ponderando sobre a inserção das tecnologias como forma de linguagem e como esses desencadeiam de forma própria e virtualizada.

A tecnologia digital extrapola o sentido de transformação de imagens, sons, textos, quer fixos quer sejam em movimentos, ou a confluência de todos esses elementos em uma linguagem numérica (0 e 1), conhecida como sistema binário, mas sua materialidade discursiva, ou melhor, onde se realiza os efeitos de sentido, Charaudeau e Maingueneau (2020), a transposição do sistema numérico na programação de sistemas tecnológicos a imagens num espaço virtual.

Nos estudos de Levy (1996), o virtual é a possibilidade do real, por exemplo, na tecnologia empregada pelas Universidades no formato de Educação a distância (EaD), os indivíduos e toda a estrutura de informação e comunicação se virtualizam, ou seja, não estão presentes em elementos físicos e geográficos, como também, a própria temporalidade se desintegra nesse universo factível, assim, o processo comunicativo deixa de ser simultâneo, os interlocutores em certas situações aguardam o retorno de uma mensagem fora do tempo que ela foi produzida, porém, não opõe-se ao real, mas ao atual. Portanto, o processo comunicativo acontece dentro de um ciberespaço ou em rede, onde os sujeitos interagem virtualmente e registram as suas mensagens e possibilitam as diversas interpretações, uma vez que, a palavra em um texto não é do sujeito que a criou, mas dos interlocutores no processo de comunicação.

A virtualidade, exposta por Levy (1999), como ciberespaço ou rede, que circulam a materialização do discurso, mesmo distantes geograficamente, sem contato com elementos físicos ou fora da temporalidade que o ato comunicativo acontece. O chamado ciberespaço é uma forma de comunicação, que em muitos casos, é a resposta a uma fala que se materializa entre os sujeitos podendo levar dias, meses ou até anos e, por conseguinte, os sentidos atribuídos a fala podem ser falhos, as pessoas ausentes fisicamente próximas ou em contato direto com uma folha, mas em contato com um discurso virtual que se atualiza em contextos e sentidos na evolução social, assim, cria-se um universo de possibilidades de sentidos, como afirma Levy ao definir a rede “o universo oceânico de informações que ela abriga”.

Eis aqui a reflexão de Orlandi (2017), expondo no capítulo Quando a falha fala: materialidade, sujeito, sentido, capítulo da obra Discurso em Análise: sujeito, sentido, ideologia, “(...) não se pode reduzir a questão do digital desligando-se das demais que fazem parte da reflexão sobre quaisquer formas de linguagem” (p.69), podemos aqui descrever o digital e os aspectos tecnológicos abordados na análise de discurso, do mesmo modo, apresentado por Levy (1996), denominado como virtual.

A reflexão feita por Orlandi inclui a memória, quer na textualidade como anáfora, quer no interdiscurso com alusão a conhecimentos anteriores e sua materialização no discurso, quer na conservação ou na transformação, esse último renova a questão de memória e conservação diante das novas tecnologias, Charaudeau e Maingueneau (2020), também na análise da Ideologia, “relação imaginária dos indivíduos com sua existência, que se concretiza materialmente em aparelhos e práticas” (p.267), tanto na história, na subjetividade, na individualização e na materialidade.

Temos:

A perspectiva de conjunto é a seguinte: estando os processos discursivos na fonte da produção dos efeitos de sentido, a língua constitui o lugar material onde se realizam estes efeitos de sentido. Esta materialidade específica da Língua remete a ideia de "funcionamento" (no sentido saussuriano), por oposição a ideia de "função" (GADET E HAK, 1997, p.172).

No mesmo sentido:

(...) perspectiva discursiva e com ela a noção de materialidade (...). É pelo fato que se chega à afirmação de que só existe matéria, definindo-a como um conjunto de objetos individuais, representáveis, figuráveis, móveis, ocupando cada um uma região determinada no espaço (ORLANDI, 2017, p. 70-71).

O que nos indica a materialidade da língua no sentido entre os interlocutores e, citado por Orlandi a questão do que seria a língua sem o discurso, no trabalho de Saussure, e quando a língua falha, no espaço virtual, concretiza-se em um discurso ideológico inconsciente, aqui não possui o significado de intencional ou não, mas os processos mentais nos indivíduos, semelhantemente a um iceberg, a parte invisível, submersa pela água. Um resgate automático da memória da textualidade ou da história do indivíduo que a materializa no espaço ou no sentido do leitor, porém, o resgate da memória do interdiscurso é de extrema importância nesses sentidos da falha na fala.

Um exemplo apresentado por Orlandi (2017) “O silêncio em cena”, por “O silêncio em cana” (p.79), são falhas que possuem uma ligação material entre “a ideologia e inconsciente”, para o sentido o sujeito precisa ativar a memória do interdiscurso, isto é, a partir da memória externas gerada por discursos anteriores e, posteriormente, a memória interna Charaudeau e Maingueneau (2020), formando a base de sentidos dentro dos discursos. Assim, para compreender essa formulação de uma falha apresentada por Orlandi há o resgate de outros discursos internalizados no sujeito.

Em síntese, se o sujeito não possuir uma memória de outros discursos não conseguirá compreender o sentido de censura no período da ditadura militar, mas poderá, diante de um novo contexto ideológico e histórico “o silêncio em cana”, na falha da palavra “cena”, como a repressão social e o silêncio dos vulneráveis em questão racial e, suscitando, tantos outros sentidos diante da falha.

A relevância da falha no virtual, interesse desse ensaio, mostra o prestígio da escrita discutido por Saussure (2006, p. 35), ao refletir sobre “as impressões visuais são mais nítidas e mais duradouras que as impressões acústicas (...) a imagem gráfica acaba por impor-se à custa do som”, hoje essa imagem não é apenas gráfica, mas virtual e, inclusive, atemporal, dado que não está pode ser controlada por um tempo específico, mas modificada nos diversos contextos em que os sujeitos a apropriam. 

Corroborando com as discussões ora defendidas, na obra Discurso: Estrutura ou acontecimento, Pêcheux (1997), trata do descritível e do interpretável, a contar do resultado de um evento ou do próprio fenômeno, subordinado a outros ou deles a sua consequência, assim, impossível avaliar quando se deu o início ou o seu fim, imbricado pelo descritivo e interpretado e, por sua vez, a partir de uma ideologia inconsciente na possibilidade dos sentidos.

Para Pêcheux todo enunciado é passivo de transformar-se em algo diferente de si mesmo, sendo o descritível a partir de sua estrutura léxico sintática, ou melhor, a imagem representada do discurso em sua organização que possibilita espaço para o interpretável relacionado as memórias e a ideologia inconsciente do sujeito diante da fala.

Para concatenar as diversas reflexões apresentadas Jacques Aumont (2004, 116), em sua obra O olho interminável [cinema e pintura], valida as possibilidades de sentido, no virtual a fala que falha, mas no visual, pintura, a ideologia inconsciente está latente, “O visual nunca vem sozinho (...) o efeito simbólico, aliás também ele multiplicado. O ouro do quadro (moldura) clássico – como dos interiores do templo (...) deixa transparecer a riqueza, ele a ostenta”, o real (moldura) e o símbolo o que é interpretável diante de um contexto, não fixando na pintura em si, mas no adorno que a emoldura, nesse contexto pode-se entender que a falha está no distanciamento da pintura, que deveria ser o foco do sentido, e passa a ser a moldura como elemento de poder social.

O efeito simbólico é fonte interpretável, uma vez que o quadro simboliza um valor, não apenas pela moldura, mas pela obra e, com um certo grau de status da obra o seu autor e o contexto, em outras palavras, não é apenas a pintura em si, mas o conjunto da obra e os sentidos reais e simbólicos. Ao percebermos a falha na fala no sentido virtual é o conjunto que possibilita ao sujeito dentro de uma expressão dar um sentido, levando em consideração não apenas sua memória, mas as relações do imaginário e sua existência, associada a suas crenças e valores, quer maturais ou sobrenaturais.  

Dessa forma, as reflexões descritas nesse texto dão espaço a uma relação com o ato falho descrito por Freud (2014), não modificando o caminho do estudo, mas criando apenas uma relação de sentido, uma vez que, o ato falho na psicanálise é aquele que difere do seu significado, ou seja, o sujeito possui uma intenção consciente e que deseja expressar, portanto, a interpretação pode ser contrária, nos exemplos apresentados por Orlandi (2017), segue esse padrão, as possibilidades de falhar são inúmeras e formam diferentes movimentos dos sentidos, sendo necessário um repensar a forma material do significante diante do digital em um espaço virtual.

Portanto, o poder intrínseco ao enunciado e sua análise interpretativa pelo sujeito na organização de um enunciado, como questiona Orlandi, produzido por uma falha, cria-se então, outras possibilidades de interpretação e modifica o diálogo. No aspecto virtual, não é diferente, temos o real sentido do discurso nesse jogo de interpretação causado pela falha que partilha com a memória ideológica inconsciente. A partir de uma falha abre-se espaço para outros processos de produção comunicativa, podendo ser negativo dependendo da memória do sujeito leitor, assim, na tecnologia digital, não apenas as palavras, mas as novas formas de abreviá-las e as imagens vetoriais podem produzir novas interpretações entre o sujeito, o sentido e a ideologia.

REFERÊNCIAS

AUMONT, Jacques. O olho interminável [sinema e pintura], 2004.

CHARAUDEAU, Patrick. MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. Coordenação da tradução Fabiana Komesu. 3. ed., 4ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2020.

Freud, Sigmund. (2014). Obras completas, volume 13: Conferências introdutórias à psicanálise (Sergio Tellaroli, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1916-1917).

GADET, Francoise. HAK, Tony. Tradução Bethania S. Mariane (et.al.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3 ed. Campinas, SP.: Editora da UNICAMP, 1997.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. 3 ed., Campinas, SP.: Pontes Editores, 2017, p. 69-82.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999;

___________. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996. (Coleção TRANS).

PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. Tradução de Eni Puccinelli Orlandi. Campionas, SP.: Pontes, 1990.

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. Organizadores Charles Bally e Albert Sechehaye. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Blikstein. 27 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.


Alexandre Dijan Coqui - Doutorado em Ciências da Educação. Secretário Municipal de Educação do Município de Jacaraci – Ba e Coordenador de Polo UAB. É Professor formado em Pedagogia e Letras. Especialista em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em Ciências da Linguagem com ênfase em EaD pela Universidade Federal da Paraíba. Especializando em Gestão Pública Municipal pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia..

Douglas Manoel Antônio de Abreu Pestana dos Santos - Membro da Rede Nacional da Ciência para a Educação- CPe Membro da Associação Brasileira de Autoimunidade Docente Pesquisador em Educação e Neurociência aplicada ABEPEE- Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial UNESP Associado(a) na categoria de Profissional, Nº de matrícula 15713, da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) USP, filiada no Brasil, à Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e no exterior, à International Brain Research Organization (IBRO) e à Federação das Associações Latino Americanas e do Caribe de Neurociências Student Membership International Society for Telemedicine and eHealth -EUA e Membro da ABTms - Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde.


Publicado por: Douglas Manoel Antonio de Abreu Pestana dos Santos

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