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A questão da liberdade em tempos de pandemia

Análise sobre a questão da liberdade em tempos de pandemia.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

É claro para todos nós que as medidas de isolamento social determinadas pelas autoridades de saúde (Organização Mundial de Saúde, Ministério e Secretarias de Saúde) de todo o mundo e efetivadas pelos mandatários  brasileiros estão gerando um grande e acalorado debate , em vias até de serem realizadas  manifestações públicas contrarias, como também em alguns casos ,  o uso de forças de segurança como forma de tentar manter a ordem pública .

Mas, então o que está por detrás dessa insatisfação? Se levarmos em conta  o nosso cotidiano está marcado por ações como , acompanhar, ouvir, interpretar e repassar informações sobre a Covid 19, em muitos casos com o intuito de compreendermos o fenômeno e manter a saúde pessoal e coletiva, o que perpassa na compreensão geral da quantidade de infectados, casos subnotificados, isolamento social  e a letalidade da doença.

De todo modo, informações não faltam e se formos separar em grupos as explicações tanto a favor e contra seriam assim divididas: A favor – respeito as normas sanitárias, ficar em casa preservando a vida, colaborando para a diminuição da infecção (pensar no próximo) principalmente nos idosos e nas pessoas do grupo de risco. Contra – não respeitam as normas sanitárias, descrentes das políticas de controle da Covid 19, acreditam no isolamento vertical isolamento somente para os idosos e pessoas do grupo de risco, ou seja, não refletem sobre a transmissão das crianças e dos jovens aos idosos.

Em termos subjetivos podemos dividir o quadro da divergência da seguinte maneira. A favor – conseguem entender a sua responsabilidade sobre a sua vida e vida do outro, e compreendem a sua ideia de liberdade até o limite da liberdade do outro. Contra – interpretam o momento fazendo o uso personificado de um nacionalismo de fachada, e envolvem a liberdade no campo de um domínio próprio, muitos chegando assumir uma postura de repulsa/negação à ciência. Mas a questão que segue e para tentar ainda responder a minha indagação inicial esteja talvez na nossa intepretação da ideia de liberdade.

Hobbes, em sua grande obra “Leviatã” define liberdade como “a ausência de resistências externas que poderiam obstruir os movimentos possíveis aos corpos simples” (p.171). Na visão de Hobbes o homem livre “é aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e engenho é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer” (p.172), é gerido pela sua vontade e capacidade.  Essa ideia de liberdade para Hobbes assume outros contornos principalmente quando os homens associam também a ideia da regulação das ações dos homens interposto por um “homem artificial”[1] (p. 172) como impedimentos para fazer valer a sua vontade. Kant no entanto  nos apresenta uma ideia de liberdade afirmando “ o sujeito humano deve ser considerado “livre” uma vez que possui fortuna e à medida que tem a capacidade de se dar leis ou agir e se fazer ativo em conformidade a elas” ( p.63) nesse sentido a liberdade se interliga a autonomia do indivíduo e aproxima a ideia de uma moralidade baseada em nossas ações racionais.

Para aqueles que são a favor do isolamento social a liberdade interliga-se aos movimentos que vivenciamos pelo simples ato de viver em sociedade, a liberdade faz parte do nosso corpo social, mas ela não pode sobrepor a liberdade do outro.   Aos contrários a interpretação é a mesma, mas por um ponto, quando deparados as resistências externas, acreditam que a liberdade corre risco. Mas o que seriam essas resistências externas? Podemos definir essas resistências externas como tudo aquilo que impede a nossa liberdade no sentido mais simples como a proibição de circulação na cidade, de trabalhar e de manter uma “vida social”.

Nessa medida, eles estariam certos em serem contrários ao isolamento social, visto que em primeiro lugar deve-se manter a “liberdade”. Pois bem, ao personificar a liberdade como algo que “eu” mesmo determino e que ninguém pode decidir sobre isso, acabo vendo a liberdade como particular ou seja aos meus interesses em primeiro lugar, e não pode haver nenhum impedimento externo. Esse padrão de liberdade caminharia para um tipo bem sutil de “individualismo moderno”.

Max Weber em “A ética protestante e o espirito do capitalismo” nos apresenta o papel dos valores no desenvolvimento do capitalismo , mais basicamente um capitalismo enquanto “ espirito” e “ cultura” que se aproxima a nossa compreensão da forma como os indivíduos reagem a determinadas mudanças sociais , ou seja, como esse “ espirito do capitalismo moderno” , respeitando os fatores históricos e culturais , se apresenta frente as novas demandas sociais e qual a conduta de vida desses sujeitos. Na pratica , a conduta humana na visão de Weber , é o reflexo da ação social desse sujeito , ação essa que precisa ser compreendida com base nas relações causais , ou seja, se tornamos como caminho explicativo a ideia de liberdade, e tendo como princípio básico o seu caráter subjetivo, o fato de decidir por fazer ou não fazer o isolamento social que aqui podemos caracterizar como fenômeno social  , configura ao sujeito uma tipologia de ação racional que deve ser compreendida esgotando todas as relações sociais a ela interligada , como uma ação com um resultado especifico , independente se esse resultado compreende a visão da maioria .Em uma crítica a ideia de liberdade de Hobbes , Axel Honneth explica que partindo dessa aproximação da liberdade ao individualismo  “o próprio sujeito detém um direito à especificidade, à qual ele se apega por seus desejos e intenções que não estão submetidos a nenhum controle de princípios de graus mais elevados” ( p.46).

Muito embora a liberdade individual seja fundamental, ela não pode sobressair ao interesse coletivo, e assim a defesa pelo fim do isolamento social torna-se a defesa das idiossincrasias que é uma marca dos grupos contrários ao isolamento social, independentemente do gênero, classe social, raça e orientação ideológica. Desse modo prevalecendo a insígnia da individualização como sinônimo de liberdade, nenhum avanço social será possível.

Referências

Hobbes, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Nova Cultural. 1999.

Honneth, Axel. O direito da liberdade. São Paulo: Martins, 2015.

Weber, Max. A ética protestante e o “espírito do capitalismo”. São Paulo: Companhia das Letras , 2004.

 

Prof. Dr. Rodrigo Umbelino da Silva

Doutor em Ciência Política Unicamp

Docente de Sociologia do Instituto Federal de São Paulo – Campus São Roque

Membro do Polcrim Unicamp – Laboratório de estudos de Criminologia e Política

Membro do NEABI/IFSP – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas do Instituto Federal de São Paulo.

 


[1] O que Hobbes chama de criação do “homem artificial” é o surgimento do Estado em conjunto com as leis civis.


Publicado por: Rodrigo Umbelino da Silva

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