Quadrilhas Juvenis no Nordeste: Uma perspectiva cultural-religiosa
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1 – Introdução
As Quadrilhas estão entre as muitas expressões culturais do Brasil. Especificamente no Nordeste do País elas embelezam o período dos festejos de São João e as festas das cidades, principalmente, dos interiores.
Muitas dessas quadrilhas são formadas, em sua grande maioria, por jovens que, de alguma forma, mantém uma tradição herdade de seus avós e pais. Geralmente tem uma organização muito própria, com características que marcam determinado grupo pelo formato de suas roupas, músicas, danças e o nome que levam.
Geralmente, esses grupos de quadrilhas juvenis estão inseridos e se identificam pertencentes a uma Igreja, como é o caso de dois grupos específicos que se tornou foco deste trabalho de pesquisa e observação.
O presente trabalho tentará mostrar uma pesquisa de campo e observação feita na realidade do bairro chamado Mondubim, periferia da cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará. O contexto onde a pesquisa e a observação foram feitas é o da Festa da Padroeira de uma paróquia que tem como intercessora uma devoção muito comum no Nordeste do Brasil: Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Exatamente por isso, logo se percebe e se pode destacar a aproximação à realidade religiosa de onde esses grupos estão inseridos e que é “objeto” de análise do presente trabalho.
Tentaremos focar a atenção em duas realidades de grupos de quadrilha, ambos provenientes de comunidades Eclesiais de Base da Referida Paróquia, mostrando os elementos culturais de ambos os grupos e como eles se aproximam do ambiente e discurso religioso, cada um com sua forma de atuar na comunidade social e eclesial.
A média de idade entre os dois grupos varia entre 16 a 30 anos.
As características de cada um deles se mostrará profundamente marcada, primeiro, por um distanciamento da realidade Eclesial – mesmo apesar de o grupo de identificar como “grupo de igreja” – e, segundo, por uma forte aproximação do grupo à experiência neo-pentecostal da Igreja Católica conhecida como Renovação Carismática Católica.
Ambos os grupos, apesar de sofrerem influencias diferentes, tem a quadrilha como elemento configurador e agregador dos jovens, e a religião como forma de identificação enquanto grupo. Analisar como essas duas realidades de grupo e como eles expressam os elementos culturais e religiosos na realidade onde vivem é o objetivo deste trabalho-pesquisa-observação. Esta, nasceu da motivação feita pelo professor Lourival Rodrigues, na disciplina Juventude no Mundo Contemporâneo, do curso de Pós-graduação em Juventude e Adolescência no Mundo contemporâneo promovido pela Rede Brasileira de Centros e Institutos de Juventude.
Optamos por usar o conteúdo coletado da pesquisa e das observações confrontando-os com o conteúdo trabalhado na referida disciplina durante o período das aulas, sistematizando-os no presente texto.
2 – Contextualização teórica.
Neste contexto social marcado por mudanças profundas e rápidas, falar de religião e seus respectivos grupos juvenis sem considerar o ambiente social e cultural que os rodeiam é desconsiderar elementos importantes nas transformações da forma de ser e atuar desses mesmos jovens e seus respectivos grupos, ou seja, é limitar qualquer possibilidade de investigação da construção e transformação de suas subjetividades, sejam elas pessoais ou grupais.
Por isso, olhar par esse contexto, onde as discussões sobre a chamada Globalização parecem dar uma amplitude fundamental para nossa visão de pesquisadores e pesquisadoras em Juventude, é nos apropriarmos de uma ferramenta eficaz para entendermos o contexto social e cultural atual – denominado por muitos de Pós-modernidade – e que parece marcar profundamente os grupos juvenis e os próprios jovens e as próprias jovens.
Nesse sentido, tomando como referência Enzo Pace em seu texto Religião e Globalização, ele faz uma afirmação importante do conceito de Globalização, dizendo que é globalização:
um processo de decomposição e recomposição da identidade individual e coletiva que fragiliza os limites simbólicos dos sistemas de crenças e pertencimento. A conseqüência é o aparecimento de uma dupla tendência: ou a abertura à mestiçagem cultural ou o refúgio em universos simbólicos que permitem continuar imaginando unida, coerente e compacta, uma realidade social profundamente diferenciada e fragmentada.
Essa ambigüidade, ou dupla tendência, que a globalização parece conferir à sociedade atual em que vivemos é desvela de uma forma muito interessante se olharmos e inserirmos a questão das religiões dentro desse universo simbólico de crenças no qual o ser humano contemporâneo vive em constante construção, des-construção e re-construção de sua identidade, ou seja, de sua subjetividade pessoal ou coletiva.
É este universo de símbolos e valores, de alguma forma criados pelas religiões, que se fragilizam com essa suposta tendência inconstante que a sociedade globalizada impõe aos indivíduos e às individuas, mais especificamente, aos jovens e as jovens. Estes e estas revelam, como em e um espelho, o complexo rosto de todas as relações que tecem a construção das sociedades humanas que vivem sob o signo da chamada pós-modernidade.
Nesse sentido, contextualizaremos, abaixo, essas duas tendências da globalização, percebidas por Enzo Pace, na realidade dos dois grupos juvenis pesquisados e observados, tentando uma ampliação de horizontes da realidade e do fenômeno juvenil contemporâneo.
3 – “Juventude na roça: a cultura de um povo que busca a paz”. Abertura a uma mestiçagem cultural, como fator de configuração de uma subjetividade plural.
O primeiro grupo observado é proveniente de uma comunidade chamada Esperança III, do referido bairro e paróquia. Apesar de os/as jovens deste grupo se identificarem enquanto “grupo da igreja”, é comum não encontrá-los no cotidiano da comunidade eclesial onde estão inseridos e onde vivem, nas celebrações, eventos, etc. É claro que, somente no período em que vão apresentar a quadrilha, eles se fazem, presentes, pois organizam uma intensa atividade de ensaios, organização das roupas e outras coisas.
A característica tipológica juvenil deste grupo é muito marcada pela diversidade / diferença. Alguns dos jovens presentes neste grupo são travestis e com orientação homossexual, o que é uma surpresa pela realidade de machismo e tradicionalismo que predomina no ambiente eclesial da realidade em que estão. Mais ainda, são eles mesmos que exercem, dentro do grupo, uma postura de liderança, seja pela articulação e organização dos ensaios, seja pela seleção das músicas, criação coreográfica, detalhes das roupas e outras coisas mais. Aparentemente, isso não representa um problema, pelo menos dentro do grupo. Eles parecem conviver com o contraste de diferenças de uma forma bem tranqüila, apesar de isso não acontecer em relação à comunidade e às muitas pessoas que estão “de fora”. Percebeu-se certa resistência de muitas pessoas no momento da apresentação deste grupo, no sentido de desinteresse ou até de comentários pré-conceituosos.
As músicas escolhidas pelo grupo têm um estilo rítmico bem próprio das quadrilhas, porém, de bandas mais recentes, de tradição cultural e popular, sem nenhum cunho religioso. O grupo parece valorizar a realidade do campo, apesar de serem da periferia de uma cidade grande e traz em sua apresentação uma forte mensagem pela Paz. Nesse sentido, é importante considerar a complexa realidade social em que vivem esses jovens onde a violência vitima, a cada semana, muitos e muitas jovens, vítima do tráfico e uso de drogas, e outros problemas gritantes que eles tentam passar na sua apresentação.
O discurso dos/das jovens na apresentação deste grupo é marcado pela reivindicação das necessidades básicas que eles julgam sofrer e faltar, apesar de falarem pouco disso fora do espaço da quadrilha e de serem pouco engajados em questões sociais do bairro.
4 – “Reascendendo a chama do São João: a quadrilha de Cristo”. O refúgio em universos simbólicos configuradores de uma sociedade profundamente diferenciada e fragmentada.
O segundo grupo é proveniente da comunidade chamada Apolo XI. Esta comunidade, em relação à outra, consegue agregar todos os/as jovens da quadrilha em sua vida cotidiana. Marcada pela realidade do movimento neo-pentecostal Renovação Carismática Católica, a comunidade e os adultos dirigentes do grupo da quadrilha, optaram por imprimir nas apresentações do grupo uma marca doutrinária e catequética que parece influenciar a própria identidade do grupo.
Um primeiro dado marcante é o fato de o grupo de quadrilha ser organizado pela iniciativa de adultos, apesar de os jovens parecerem ter uma participação significativa no processo de criação da apresentação.
A mensagem e objetivo explícito do grupo é a evangelização. Sua apresentação é marcada por elementos religiosos, doutrinários, com participação especial à figura de Maria. As músicas são todas de bandas religiosas do referido movimento, com um apelo muito significativo ao sentimento, porém, com ritmo adaptado ao de quadrilha. As mensagens são, em sua totalidade, de pecado e amor a Deus. Todos os jovens do grupo sabem todas as músicas de cór, e cantam alto.
O discurso dos jovens fora do espaço da quadrilha é profundamente marcado pela vivência religiosa deles. Falam pouco de questões sociais e tendem a ter ações na comunidade mais voltadas para o assistencialismo e, em alguns casos, ao fundamentalismo religioso, pois parecem se isolarem radicalmente das “coisas do mundo”, como eles mesmos e elas mesmas gostam de designar quando querem se referir aos espaços e relações sociais “de fora”.
5 – Reflexões conclusivas.
As duas experiências de grupos juvenis apresentadas podem ajudar a ampliar nosso campo de visão para as grandes e profundas transformações que uma sociedade global impõe. As duas tendências, na verdade, poderiam nos revelar duas posturas básicas que grupos juvenis, provenientes ou não de Igreja, optariam ou se achariam impositivamente impelidos a assumirem.
Um primeiro dado unificador da realidade dos dois grupos é o elemento cultural como forma de expressão, no caso, a quadrilha.
Por outro lado, as “opções ideológicas” deles parecem estar muito bem definidas e profundamente marcadas pelo elemento religioso, no caso do segundo grupo. Isso é interessante por que nos leva a perceber que a identidade grupal, e conseqüentemente pessoal, parece ser radicalmente marcada por isso. Basta percebermos a incidência de protagonismo no primeiro grupo ao mesmo tempo em que se percebe a falta dele no segundo.
De alguma forma, o suposto “distanciamento” dos referenciais simbólicos religiosos do primeiro grupo e a conseqüente aproximação ao universo social – com toas as suas realidades e, muitas vezes, desafios e contradições – em que vivem parece favorecer o protagonismo e a construção de uma subjetividade juvenil marcada pelas escolhas pessoais e, conseqüentemente, pela diversidade. Aliás, esta uma característica fundamentalmente configuradora da subjetividade e do universo juvenil, segundo estudiosos e estudiosas que se debruçam sobre esse universo com pesquisas e estudos.
Contrariamente, já no segundo grupo, a apropriação ou imposição do universo simbólico religioso no grupo e por parte dele, revela uma espécie de “alienação implícita” na presença de uma falta de protagonismo e na opção fundamentalista de distanciamento de toda e qualquer realidade social que represente desafio e que saia dos padrões de normalidade impostos pela própria estrutura simbólica de valores, seja ela religiosa, social ou cultural.
Não queremos dizer aqui que a religião, ipso facto, por si mesma é uma fonte de alienação. Reconhecemos exatamente o contrário, desde que ela seja capaz de assimilar para sua estrutura de símbolos e valores posturas que sejam capazes de dialogar com o contexto global em que está inserida, sem se fechar num mundo de símbolos que limitam o/a jovem justamente daquilo que o caracteriza como tal: a necessidade de voar.
Como diz acertadamente Enzo Pace, “Falar de problemas da espécie humana significa, para muitas religiões, obrigar-se a ajustar-se, em tempos de interdependência mundial, aos problemas que imediatamente se colocam como globais”. Acrescentamos que não só os problemas da espécie humana, mas toda e qualquer questão que se refere ao universo da existência humana que, de alguma forma, se colocam como questões globais, são inspiradoras para a necessidade de um necessário ajuste, por parte das religiões, e de também necessárias transformações que são profundamente influenciadoras e definidoras do universo e das subjetividades juvenis.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
Globalização e Religião / Ari Pedro Oro e Carlos Alberto Steil (Organizadores): tradução de Andréa D. L. Cardarelo. – Petrópolis, RJ: Vozes; Porto Alegre, RS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1997.
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[1] Globalização e Religião / Ari Pedro Oro e Carlos Alberto Steil (Organizadores): tradução de Andréa D. L. Cardarelo. – Petrópolis, RJ: Vozes; Porto Alegre, RS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1997.
Publicado por: José Wilson Correa Garcia
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