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Uma experiência sensorial a partir do texto som, espaço e afeto de Paulo Cesar Chagas

Contemplar e visualizar mentalmente um quadro sonoro que se traduz em imagens através do significado dos sons.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Resumo

Desde que nascemos, experienciamos momentos únicos marcados por sons e ruídos, como um caleidoscópio sonoro produzido por uma orquestra desarmônica, uma explosão de cacofonias, onde estas sensações nos levam ao limiar auditivo, ora do desconforto ora do valor médio entre estes dois quesitos. A exposição aos sons e ruídos esta intrinsecamente ligada ao processo cognitivo, uma vez que faz parte do nosso cotidiano, trazendo benefícios relacionados ao sistema neurológico. A educação musical funciona como um ativador neural, dos chamados neurônios espelhos, que tem por função refletir as atividades que estamos observando dentro dos comportamentos empáticos, sociais e imitativos.

Palavras-chave: Cognição. Composição. Educação. Música.

ABSTRACT:

Since we were born, we have experienced unique moments marked by sounds and noises, such as a sound kaleidoscope produced by a disharmonious orchestra, an explosion of cacophonies, where these sensations take us to the auditory threshold, now of the discomfort now of the average value between these two requirements. Exposure to sounds and noises is intrinsically linked to the cognitive process, since it is part of our daily lives, bringing benefits related to the neurological system. Music education functions as a neural activator, called so-called mirror neurons, whose function is to reflect the activities we are observing within empathic, social and imitative behaviors.

Keyword: Cognition. Composition. Education. Music.

Introdução

Como cita Chagas na relevância do espaço auditivo.

A questão do espaço é particularmente relevante para o estudo da consciência sonora, na medida em que a espacialização do som adiciona uma camada de significado e resposta afetiva, que ajuda o ouvinte a compreender a textura física do fenômeno sonoro. (Chagas, p.01, 2018)

A exposição aos sons e ruídos esta intrinsecamente ligada ao processo cognitivo, uma vez que faz parte do nosso cotidiano, trazendo benefícios relacionados ao sistema neurológico. A educação musical funciona como um ativador neural, dos chamados neurônios espelhos, que tem por função refletir as atividades que estamos observando dentro dos comportamentos empáticos, sociais e imitativos. Esses neurônios são primordiais para a cognição social humana, onde promovem as relações de empatia, ressonância afetiva e compreensão de dicotomias na linguagem verbal e da leitura corporal. Mauro Muskat (2012) cita que a música tem o poder de reorganizar e redimensionar o cérebro.

Hoje sabemos que um neurônio compete com outro pelo próprio mundo, pela experiência, pela novidade. Essa visão é a que chamamos “neografinismo neuronal”, em busca da experiência. Sabemos que a música ajuda nessa reorganização, aumenta a competência de várias áreas do cérebro emocional, do cérebro motor e do cérebro sensorial de uma maneira ímpar. Esse é um espaço muito importante para discutirmos, para falarmos da “música na escola”, pois isso quer dizer “cérebro em formação”. O cérebro da criança está em formação. As redes múltiplas que estão se criando, estão aumentando suas conexões, estão em busca de novos caminhos e podem levar a conexões que tornam uma criança mais fluida, competente, criativa para lidar com os desafios da vida. (MUSZKAT, 2012. p.73)

Ainda citando o autor, a influência da música não acontece somente no campo neurológico, mas também no fisiológico como verificamos abaixo:

As alterações fisiológicas com a exposição à música são múltiplas e vão desde a modulação neurovegetativa dos padrões de variabilidade dos ritmos endógenos da frequência cardíaca, dos ritmos respiratórios, dos ritmos elétricos cerebrais, dos ciclos circadianos de sono vigília, até a produção de vários neurotransmissores ligados à recompensa e ao prazer e ao sistema de neuromodulação da dor. (MUSZKAT, 2012)

A construção dos sons, de acordo com Muszkat, e a exposição prolongada ao estilo musical prazeroso, decorrem um aumento na produção de neurotrofinas que são produzidos principalmente pela glia e pelos núcleos neuronais, em situações de desafio, podendo até prorrogar a continuidade dos neurônios, como também favorecer mudanças de padrões de conectividade neural, conhecida como plasticidade cerebral, ou seja, a remodelação em decorrência das experiências. Weigsding e Barbosa apontam com propriedade em relação a música:

Mais do que qualquer outra arte, tem uma representação neuropsicológica extensa, com acesso direto à afetividade, controle de impulsos, emoções e motivação. Ela pode estimular a memória não verbal por meio das áreas associativas secundárias as quais permitem acesso direto ao sistema de percepções integradas ligadas às áreas associativas de confluência cerebral que unificam as várias sensações. Exemplo pode ser dado referindo-se à sensação gustativa, olfatória, visual e proprioceptiva as quais dependem da integração de várias impressões sensoriais num mesmo instante, como a lembrança de um cheiro ou de imagens após ouvir determinado som ou determinada música. O conjunto dessas atividades motoras e cognitivas envolvidas no processamento da música é chamado de função cerebral. (WEIGSDING; BARBOSA. 2014. p.48)

Segundo esses autores, a música é uma arte que utiliza da linguagem da comunicação e expressão, onde apresenta variações de ritmos, timbres, contornos melódicos e andamentos. Esse incipiente contato com diversos sons e ruídos, com timbres e alturas distintos são fundamentais para que os bebês construam um conjunto sonoro básico para seu desenvolvimento linguístico.

Materiais e métodos

O presente trabalho foi conduzido por meio de uma pesquisa bibliográfica, cuja principal vantagem, de acordo com Gil (2018), é o fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”. Segundo o autor, a vantagem dessa metodologia é possibilitar a investigação de fenômenos através de materiais já elaborados como livros, revistas, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos, além de fontes digitais como o material disponibilizado pela Internet. Em geral esse tipo de pesquisa envolve as seguintes etapas: escolha do tema, levantamento bibliográfico preliminar, formulação do problema, elaboração do plano provisório de assunto, busca das fontes, leitura do material, fichamento, organização lógica do assunto e redação do texto (GIL, 2018). O objetivo, nesse caso, é realizar uma integração e abstração das descobertas, buscando a compreensão do desenvolvimento acadêmico sobre o tema que está sendo pesquisado, visando obter informações sobre as pesquisas atuais e apontar tendências.

Resultados e discussões

O objetivo da composição Uirapuru o arauto da besta que vem do mar é desafiar a percepção sensorial a contemplar e visualizar mentalmente um quadro sonoro que se traduz em imagens através do significado dos sons. Está composição foi produzida através de uma colagem de sons naturais e artificiais captados e sobrepostos em dois canais através da técnica de overdubbing, que consiste na gravação de áudios, onde se dá a audição de uma performance gravada existente e em seguida se reproduz simultaneamente uma nova performance junto com ela, que também é gravada. A intenção é que a mistura final contenha uma combinação dessas amostragens, "dubs". No sentido figurativo é como se fosse uma colcha de retalhos sonoros que ao final dão o sentido da peça. O título da composição e´inspirado no Uirapuru-verdadeiro Cyphorhinus arada (Hermann,1783) que é um pássaro da fauna amazônica, também conhecido como corneta, músico-da-mata, irapuru e uira-puru. A ave tem uma forte influência na cultura musical brasileira, onde foi imortalizada na obra orquestral Uirapuru de 1917 do maestro Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e na composição de 1961 de Jacobina (1931-) e Murilo Latini (1913-1970), interpretada por Nilo Amado e Seus Cantores de Ébano.

Uirapuru, Uirapuru

Seresteiro, cantador do meu sertão Uirapuru, ô Uirapuru

Seresteiro, cantador do meu sertão

Uirapuru, ô Uirapuru

Fez no canto as mágoas do meu coração

A mata inteira fica muda ao seu cantar

Tudo se cala para ouvir sua canção

E vai ao céu numa sentida melodia

Vai a Deus em forma triste de oração

Uirapuru, ô Uirapuru

Seresteiro, cantador do meu sertão

Uirapuru, ô Uirapuru

Fez no canto as mágoas do meu coração

Se Deus ouvisse o que lhe sai do coração

Entenderia que é de dor sua canção

E dos seus olhos tanto pranto rolaria

Que daria pra salvar o meu sertão

Uirapuru, ô Uirapuru

Seresteiro, cantador do meu sertão

Uirapuru, ô Uirapuru

Fez no canto as mágoas do meu coração

(Jacobina e Murilo Latini)

Nas lendas indígenas a oportunidade rara de ouvir o canto do pássaro é sinônimo de sorte e poder, no entanto aqui ele tem a função de anunciar um grande perigo que espreita a humanidade cuja origem está nas profundezas dos mares, uma besta que emerge dos oceanos, citada no livro das Revelações pelo Apóstolo João na ilha de Patmos, na Grécia por volta do ano 90 da era atual.

Vi uma besta que saía do mar. Tinha dez chifres e sete cabeças, com dez coroas, uma sobre cada chifre, e em cada cabeça um nome de blasfêmia. A besta que vi era semelhante a um leopardo, mas tinha pés como os de urso e boca como a de leão. O dragão deu à besta o seu poder, o seu trono e grande autoridade. Uma das cabeças da besta parecia ter sofrido um ferimento mortal, mas o ferimento mortal foi curado. Todo o mundo ficou maravilhado e seguiu a besta. Adoraram o dragão, que tinha dado autoridade à besta, e também adoraram a besta, dizendo: “Quem é como a besta? Quem pode guerrear contra ela?” À besta foi dada uma boca para falar palavras arrogantes e blasfemas, e lhe foi dada autoridade para agir durante quarenta e dois meses. Ela abriu a boca para blasfemar contra Deus e amaldiçoar o seu nome e o seu tabernáculo, os que habitam nos céus. Foi-lhe dado poder para guerrear contra os santos e vencê-los. Foi-lhe dada autoridade sobre toda tribo, povo, língua e nação. Todos os habitantes da terra adorarão a besta, a saber, todos aqueles que não tiveram seus nomes escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a criação do mundo. (Apocalipse 13:1-8).

Através desta metáfora musical que expõe a sinergia entre as florestas e os oceanos, e também como ponto crítico da geopolítica mundial, onde se põe em risco a soberania da amazônia brasileira pelos seus recursos estratégicos cobiçados pelas grandes potências mundiais e a inoperância do Estado Brasileiro no âmbito do poder dissuasório militar, nos colocando na iminência de uma tragédia sem precedentes da unicidade do nosso território. Como afirmou em 2019, Stephen M. Walt, professor de Relações Internacionais em Haward, que publicou o artigo Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazônia? Na revista Foreign Policy, no qual ele discorre acerca de um cenário hipotético sobre ações militares contra um Brasil visto como destruidor de um “recurso global”, ignorando assim a soberania nacional brasileira. Conhecer a Amazônia e o que ela significa para o mundo é tarefa de casa para todos nós e, mais ainda, conhecer as raízes determinantes das instituições militares na posse e guarda da soberania brasileira sobre este imensurável e não suficientemente estudado patrimônio natural. Porém, existe um vasto acervo coletado de saberes sobre nossa região nas bibliotecas e nas agências de inteligência de outros países, coletados pelas pseudo ONGS e serviços de espionagem. Em contraponto nossas instituições acadêmicas padecem de recursos para inventariar toda está biodiversidade e, de modo sustentável, levar alguns princípios ativos para o mercado. Fora as Forças Armadas, quem tem projeto de desenvolvimento sustentável para a região? Vale destacar que muito tem sido feito pelas instituições militares para preservar, desenvolver e proteger esta região riquíssima que os países do hemisfério norte desde sempre cobiçam, depois de terem exauridos as riquezas do continente africano, mas lembrando que sem o poder da dissuasão nuclear, estamos a merce destes países, exemplos não faltam, Iraque, Líbia, Armênia, Síria e atualmente Ucrânia tiveram suas soberanias violadas por falsos pretextos e interesses exclusos.

Voltando a questão senso cognitiva, tomando como ponto de partida a reflexão filosófica de Husserl (1991), expomos os três níveis que formam a temporalidade que são: a percepção de objetos temporais, que é a capacidade do individuo organizar e interpretar as suas impressões sensoriais para atribuir significado ao meio; a inferência de atos imanentes, ou seja, a conclusão imediata de algo que tem em si próprio o seu princípio e seu fim; e por fim o fluxo auto-constituinte da consciência, onde se dá o raciocínio lógico entremeado com impressões ´pessoais momentâneas no processo de associação de ideias. A audição de cada som é um hoje, um presente atemporal que se desloca tanto para o passado como o futuro, levando o ouvinte a retenção e memória e a prospecção e expectativa do desenrolar dos sons. Chamamos este processo de consciência temporal e afeto. Nesta perspectiva de espaço, podemos afirmar que é uma forma que estabelece uma diferença entre autorreferência, a capacidade do sujeito de falar ou referir-se a si mesmo, ela só é possível quando existem dois níveis lógicos, um nível e um meta nível, já a hetero-referência é o ato de comunicar a percepção acústica. Em suma a autorreferência é o mundo interno e a hetero-referência é o mudo externo. Este conceito implica que a consciência deve estabelecer os limites que conectam e desconectam a percepção do som da percepção do espaço, é a capacidade de perceber sons como elementos com significado.

Considerações finais

Este tipo de composição feita de sons naturais encarnados, embora processados eletronicamente, faz que o som transforme-se em uma entidade desencarnada, para isso requer um processo de atualização da significância, a fim de dotar o som de uma memória corporal e espacial. Esta sinestesia de sons para ver e imagens para ouvir é objetivo desta composição a partir da leitura do texto Som, Espaço e Afeto.

Referências

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Trata-se de estudo teórico e prático, originado do artigo intitulado ‘Som, Espaço e Afeto’ de autoria de Paulo Cesar Chagas, junto ao 14º Encontro Internacional de Música e Mídia.

Rodrigo Fagundes Gomes - Graduando e bolsista PIVIC em Licenciatura da Música do Campus Palmas - Pólo Dianópolis da Universidade Federal de Tocantins - UFT. *rodrigo.gomes@mail.uft.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3093-933X


Publicado por: Rodrigo Fagundes Gomes

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