Bioética aplicada á enfermagem na atenção básica
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INTRODUÇÃO
A Bioética tem como objetivo facilitar o enfrentamento de questões éticas/bioéticas que surgirão na vida profissional. Sem esses conceitos básicos, dificilmente alguém consegue enfrentar um dilema, um conflito, e se posicionar diante dele de maneira étic a. Assim, esses conceitos (e teorias) devem ficar bem claros para todos nós. Não se pretende impor regras de comportamento (para isso, temos as leis), e sim dar subsídios para que as pessoas possam refletir e saber como se comportar em relação às diversas situações da vida profissional em que surgem os conflitos éticos. O que é a bioética Bios, para os gregos, complementa fisiológica é também bios e vice-- se com zoé, sendo que a vida versa. Ethos é a palavra que, para os gregos, referese ao estudo fundame ntal e filosófico da moral, pois é a própria palavra que indica costumes e hábitos. A ética nada mais é que a fundamentação da moral, que está embasada nos costumes. Portanto, a bioética é o ramo de estudo filosófico que busca a fundamentação ética do trat amento da vida em seus mais variados aspectos. A bioética é interdisciplinar. Transitando entre a filosofia, o direito e as ciências humanas, ela procura dar respostas sobre a justa manipulação e tratamento da vida de seres que podem sofrer, ou seja, seres vivos do reino Animalia. As preocupações da bioética alcançam, hoje, outras formas de vida que não a humana, mas ela surge com uma específica preocupação em cima do ser humano por conta das possibilidades que o avanço da medicina e da ciência provocaram n a segunda metade do século XX. O início da bioética se deu no começo da década de 1970, com a publicação de obras muito importantes de um pesquisador e professor norte americano da área da oncologia, Van Rensselaer Potter. Ele sugeriu que se estabelecess e uma “ponte" entre duas culturas, a científica e a humanista, guiado pela seguinte frase: “Nem tudo que é cientificamente possível é eticamente aceitável.” O progresso científico não é um mal, mas a “verdade científica” não pode substituir a ética .
DESENVOLVIMENTO
Todos nós sofremos influências do ambiente em que vivemos, sejam elas históricas, culturais ou sociais. Paralas de construirmos uma reflexão bioética adequada, devemos conhecer e entender essas influências (afinal não podemos excluí nossas vidas!). O paternalismo hipocrático Um aspecto bastante importante a ser considerado para que possamos construir a reflexão bioética de maneira adequada é compreender a histórica exercida desde a época de Hipócrates. Hipócrates de Cos (séc. IV a.C.) é considerado o “Pai da Medicina”. Sua importância é tão reconhecida que os profissionais da saúde, no dia da formatura, fazem o “Juramento de influência Hipócrates”. Segundo esse juramento, os profissionais devem se comprometer a sempre fazer o bem ao paciente. Entretanto, Hipócrates devemos retomar alguns conceitos históricos para compreender melhor a influência dessa época. No século IV a.C., a sociedade era formada por diversas castas (camadas sociais bem defin idas e separadas entre si) que faziam com que ela fosse “piramidal”. Mas o que isso significa? Isso quer dizer que, na base da pirâmide, encontravase a maior parte das pessoas: os escravos e os prisioneiros de guerra, que nem mesmo eram considerados “pess oas”. Eles eram tratados como objetos e não tinham nenhum direito. Logo acima deles, numa camada intermediária (portanto em número um pouco menor), estavam os cidadãos. Os cidadãos eram os soldados, os artesãos, os agricultores, e estes tinham direitos e d everes. No topo da pirâmide (portanto, um número bastante reduzido de pessoas) estavam os governantes, os sacerdotes e os MÉDICOS. A importância desse resgate histórico é ressaltar que os médicos daquela época estavam em uma posição hierárquica superior às das outras pessoas, e essa diferença de posição também se manifestava em um “desnivelamento dignidades”. Isso significa que os médicos (semideuses), ainda que tivessem a intenção de curar os doentes, eram pessoas superiores, melhores que as outras
(tinham mais valor que as outras). Ao longo da história, a estrutura da sociedade deixou de ser piramidal, mas essa postura “paternalista”, ou seja, na qual os profissionais da saúde são considerados “pais”, ou melhores que os seus pacientes, ainda hoje é percebida com frequência. Os profissionais da saúde detêm um conhecimento técnico superior ao dos pacientes, mas não são mais dignos que seus pacientes, não têm mais valor que eles (como pessoas). Quando o profissional se considera superior (em dignidade) a seu paciente, também temos uma postura paternalista. Os profissionais que se baseiam nessa postura paternalista são aqueles que não respeitam a autonomia de seus pacientes, não permitem que o paciente manifeste suas vontades. Por outro lado, também algun s pacientes não percebem que podem questionar o profissional e aceitam tudo o que ele propõe, pois consideram que “o doutor é quem sabe”. O cartesianismo e stabelecido por René Descartes no século XVII, o método cartesiano (ou cartesianismo), ao propor a fr agmentação do saber (com a divisão do “todo” “em partes” para estudálas isoladamente), sem dúvida contribuiu para o desenvolvimento da ciência. Entretanto, o cartesianismo gerou a superespecialização do saber, entre os quais o saber na área da saúde. Esse fato colaborou para a perda do entendimento de que o paciente é uma pessoa única e que deve ser considerado em sua totalidade (em todas as suas dimensões), pois nos acostumamos a estudar apenas aquela parte do corpo humano que vamos tratar. De fato, com o avanço cada vez mais rápido da ciência, fica cada vez mais difícil saber de tudo. Entretanto, não podemos perder a visão de que o paciente que vamos atender é um todo, para não sermos “um profissional que sabe quase tudo sobre quase nada” e que assim não conseguirá resolver o problema do paciente. Destacamos três modalidades que exercem atualmente grande influência na reflexão ética: o individualismo, o hedonismo e o utilitarismo. Individualismo No seu formato mais radical, o individualismo propõe que a at itude mais importante para tomarmos uma decisão seja a reivindicação da liberdade, expressa na garantia incondicional dos espaços individuais. Obviamente todos concordam que a liberdade é um bem moral que precisa ser defendido. Mas, nesse caso, tratase de uma liberdade que se resume à busca de uma independência total. Contudo, essa independência não é possível, pois nós somos seres sociais, frutos de relações familiares e dependentes de vínculos sociais. Essas relações determinam limites às libe rdades individuais e impõem responsabilidades diante das consequências dos atos individuais na vida dos outros. Os vínculos nos fortalecem, a independência nos fragiliza. Não podemos falar de “liberdade” sem considerar a “responsabilidade” dos nossos atos. Muitas vezes, definimos liberdade como na seguinte frase: “Minha liberdade termina quando começa a liberdade do outro”. Entretanto, ao limitarmos a compreensão do conceito de liberdade a essa frase, quem for mais “forte” determinará quem será “mais livre” . Nessa lógica, o conceito de autonomia fica enfraquecido, pois só os “mais fortes” conseguirão exercer a sua liberdade. Para que todos tenham o direito de expressar a sua liberdade, é preciso atrelar esse conceito ao de responsabilidade, pois todos os nos sos atos têm alguma consequência para outras pessoas. Na lógica individualista, esse princípio é absoluto. Contudo, o princípio ético da autonomia é empregado em seu verdadeiro valor quando implica o reconhecimento de que cada pessoa humana merece ser resp eitada nas suas opiniões. Hedonismo A segunda corrente cultural e social que nos cerca é o hedonismo. Na lógica hedonista, a supressão da dor e a extensão do prazer constituem o sentido do agir moral. Falar em suprimir a dor e estender o prazer, em um prim eiro momento, parece ser algo positivo. Então quando começa a distorção? Quando essa busca se torna o único referencial para todas as nossas ações. Este é o hedonismo. O desejo de felicidade é reduzido a uma perspectiva de nível físico, material, sensorial (e felicidade é muito mais do que isso!). Quando falamos em felicidade em um sentido mais amplo, estamos nos referindo a algo bem maior do que prazer físico, a algo que pode existir até em condições em que a dor física ou um limite físico se manifesta. En tretanto, eliminar a dor e estender o prazer, colocamo se reduzirmos tudo à questão de nos em uma perspectiva terrena, isto é, material, quase que fisiológica ou neurológica. Na reflexão ética, o predomínio dessa lógica hedonista faz com que o conceito de “vida” fique reduzido a essas expressões sensoriais de dor e prazer. Logo, para o hedonismo, uma vida que ainda não tem ou que já perdeu “qualidade de vida” não seria uma vida digna de se levar em consideração, não seria uma vida digna de ser vivida. A “qu alidade de vida” para o hedonismo é interpretada como eficiência econômica, consumismo desenfreado, beleza e prazer da vida física. Ficam esquecidas as dimensões mais profundas da existência, como as interpessoais, as espirituais e as religiosas. E esquece r (ou não considerar) essas dimensões se torna um risco para a interpretação correta da expressã “qualidade de vida" Utilitarismo o A terceira corrente cultural (e social) que nos influencia é o utilitarismo. Nessa perspectiva, as nossas ações se limitam a uma avaliação de “custos e benefícios”. O referencial “ético” para as decisões é ser bem insucesso é considerado um mal. Só o que é útil tem valor.sucedido; o Em princípio, valoriza se algo positivo: o justo desejo de que nossas ações possam serfrutíferas. Mas o problema desse raciocínio utilitarista é que, com facilidade, pode que “só o que é útil tem valor”. E isso também não é verdade!se entender Em uma sociedade capitalista, nossas ações são determinadas pelo mercado. Isso significa que aqu elas pessoas consideradas improdutivas, aquelas que representam um custo para a sociedade, aquelas que perderam (ou que nunca tiveram) condições físicas ou mentais para participar do sistema de produção de bens e valores de forma eficiente, são classificad as como “inúteis”. É o caso dos idosos, dos deficientes físicos, das crianças com problemas de desenvolvimento etc. Nessa lógica utilitarista, não vale mais a pena amparálos, incentiválos. ou é muito oneroso Contudo, não é ético que nossdefendêlos, as ações fiquem restritas a essa correlação entre custos e benefícios. Pessoas com necessidades especiais e aquelas consideradas vulneráveis devem ser consideradas dignas de respeito; são pessoas humanas, e isso é condição suficiente para que sejam respeit adas. Além disso, o Estado deve protegêlas sempre que possível. O compromisso ético dos profissionais de enfermagem, em especial, no que tange ao seu objeto, que é o cuidado humano, deve pautarbioética, como prática de açõe s se na permeadas por uma postura crítica e reflexiva, em que pese a dignidade humana, direitos e a própria vida do planeta, de forma interdisciplinar, transcultural, dialógica e plural, sedimentada pelos princípios da bioética. Pri ncípio da não maleficência O princípio da não maleficência se baseia na ideia de que nenhum mal deve ser feito ao outro. Assim, não é permitida nenhuma ação que consista em malefício intencional a cobaias ou a pacientes. O princípio é representado pela fra se em latim: primum non nocere (primeiro, não prejudicar). Tem como objetivo evitar que um tratamento ou pesquisa cause mais danos do que os possíveis benefícios. Exemplo de bioética na aplicação do princípio da não maleficência: Em uma pesquisa para o des envolvimento de uma vacina, é chegada a fase de testes em humanos. Os testes demonstraram que em 70% dos casos, os pacientes que receberam a vacina foram curados, mas 30% morreram em consequência de efeitos colaterais. Os estudos serão interrompidos e a va cina não poderá ser produzida apesar de um índice alto de cura, causar a morte de pessoas é causar o mal e fere o princípio da não maleficência. Princípio da beneficência Esse princípio consiste na prática do bem; na virtude de beneficiar o próximo. Assim, os profissionais que atuam na área de pesquisas e experimentos devem assegurar a precisão da informação técnica que possuem e estar convictos que seus atos e decisões têm efeitos positivos. Dessa forma, espera se que qualquer ato tenha como objetivo funda mal. mental o bem, nunca o Exemplo de bioética na aplicação do princípio da beneficência: uma médica está socorrendo um paciente que está correndo risco de morte. Esse paciente é um conhecido assassino. Objetivo dessa médica sempre será salvar a vida de se u paciente e mobilizará todas as alternativas para que isso aconteça. Segundo o princípio da beneficência, devese apenas ter em vista o bem. O descaso ou a omissão (ainda que pudesse ser justificado) consistiria em um mal e feriria o princípio bioético. P rincípio da autonomia A ideia central desse princípio é de que todos têm capacidade e liberdade de tomar suas próprias decisões. Assim, qualquer tipo de procedimento a ser realizado no corpo de um indivíduo e/ou que tenha relação com a sua vida, deve ser autorizado por ele. No caso de crianças e de pessoas deficientes, o princípio de autonomia deve ser praticado pela respectiva famí lia ou pelo responsável legal. É importante que esse princípio não seja praticado em detrimento do princípio da beneficência; por vezes, ele precisa ser desrespeitado para que a decisão de uma pessoa não cause danos a outra. O princípio da autonomia é ampa rado pelo direito, ao abrigo do Código de Ética Médica Brasileiro (Capítulo V, Artigo 31). Tal artigo destaca o direito do paciente de ter a sua autonomia respeitada, no seguinte trecho onde é indicado que o médico é proibido de: (...) desrespeitar o direi to do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Exemplo de bioética na aplicação do princípio da autonomia: quando um paciente é diagnos terminal, já não existem tratamentos que possam curáticado com uma doença lo. Geralmente, o que se faz nesses casos é dar a esse paciente os cuidados paliativos, de forma que ele se sinta aliviado dos sintomas do mal que o acomete. No entanto, cabe ao pac iente decidir se deseja ou não avançar com esses cuidados paliativos, visto que eles não tornam possível a cura; apenas amenizam (por vezes) os malefícios da doença. Cabe ao profissional médico respeitar a decisão do paciente, caso ele não queira receber t ais cuidados. Princípio da justiça No domínio da bioética, esse princípio se baseia na justiça distributiva e na equidade. Ele defende que a distribuição dos serviços de saúde deve ser feita de forma justa e que deve haver igualdade de tratamento para todo s os indivíduos. Tal igualdade não consiste em dar o mesmo para todos, mas sim em dar a cada um, o que cada um precisa. Exemplo de bioética na aplicação do princípio da justiça: um caso real que exemplifica o princípio da justiça, aconteceu em Oregon, nos Estados Unidos. Com o objetivo de proporcionar um atendimento básico de saúde a um maior número de pessoas, o governo local reduziu os atendimentos de saúde que imputavam custos altos. Dessa forma, foi possível realizar uma distribuição mais alargada dos r ecursos disponíveis de forma a ajudar solucionar os problemas de uma parcela maior da população.
CONCLUSÃO
Há vários anos, estudos demonstram que existem diferenças nos estados de saúde das pessoas em razão de fatores sociodemográficos, socioeconômicos, étnicos, entre outros. Portanto, se a saúde incorpora a necessidade de respeito e proteção a diversos fatores, para haver justiça é necessário considerar todos eles. Na Atenção Básica, diversos dilemas éticos poderão surgir na relação com o paciente, com a equipe de saúde, na obtenção do consentimento ou na preservação do sigilo das informações. Para enfrentá-los de forma adequada, propõe-se que se parta, como fundamento ético, do reconhecimento das pessoas como seres únicos e constituídos de uma totalidade de aspectos – biológicos, sociais, psíquicos e espirituais –, enfim, como pessoas dotadas de uma dignidade que torna cada uma delas merecedora de atenção. Se faz necessário que nós, profissionais da Saúde utilizemos os quatro pilares da bioética no atendimento a nossos pacientes, viabilizando promover o bem-estar de todos, promovendo um atendimento justo e livre de preconceitos, deixando de lado nossos posicionamentos e ideologias e colocando à frente as vidas que temos em nossas mãos. É essencial que nós venhamos dar ao paciente o melhor atendimento respeitando sua integridade e suas escolhas, independente de cor, raça, gênero, religião ou opção sexual. É de fundamental importância que a equipe de enfermagem trate de forma humana o paciente, respeitando seu momento de fragilidade, agindo com ética e profissionalismo, não contrariando ou julgando o paciente, dando-lhe sempre autonomia e o poder de escolher e intervir em seu tratamento, deixando-o ciente dos benefícios e malefícios concernentes a conduta terapêutica. Em caso de pacientes incapacitados de tomarem decisões ou de responderem por seus atos, o profissional deve respeitar a autonomia dos familiares deixando-os cientes de malefícios e benefícios dos procedimentos e condutas a serem realizados, tratando com empatia e humanismo.
REFERÊNCIAS Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2020. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2020 Disponível em: . Acesso em: 01 nov. 2020. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2020. SINGER, Peter. Ética Prática. 3. ed. São Paulo: M. Fontes, 2012.
Publicado por: Manoel de Carvalho Rêgo Neto
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