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A representação das virtudes na mitologia iorubá

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As virtudes humanas são fatores determinantes na composição dos valores éticos e nos padrões morais que regem nosso comportamento perante a sociedade em que vivemos assim como nas relações pessoais (amorosas, familiares e fraternas).

As religiões do mundo todo reúnem fontes diversas de mitos, provérbios, parábolas, metáforas e alegorias que servem como base para os ensinamentos necessários à constituição dos valores necessários ao processo de evolução espiritual das pessoas.

No Candomblé a referência principal para esses ensinamentos são os Itans (mitos, relatos). E uma das principais características que torna a concepção ioruba/candomblecista singular perante outras doutrinas religiosas, é que as virtudes representadas por cada Orixá foi responsável por sua “maldição” (grande erro, culpa ou injustiça). E o arrependimento em relação à esse erro o motivo de sua “divinização”.

Para exemplificar tal questão podemos utilizar dos Itans mais comuns entre os ensinados e reproduzido pela liturgia do Candomblé:

Ogum: o grande guerreiro, que em tempos de conquistas e guerras deixou sua terra aos cuidados de seu filho. Para que nunca fosse esquecido estabeleceu que um dia por ano, em sua memória, enquanto estivesse fora, todo o reino deveria fazer voto de silêncio em sua homenagem. Acabando a longa jornada de batalhas e conquistas, Ogum retorna à seu principal reino, que estava aos cuidados de seu filho. Coincidentemente, ou por obra de Olodumáre, seu retorno ocorreu no mesmo dia em que todos faziam o voto de silêncio imposto por ele mesmo. Porém, Ogum não se lembrava de tal lei. Encarou o silêncio de seus súditos como uma terrível afronta. Sua reação foi implacável e terrível, cortou um a um com seu facão com o qual havia matado milhares de inimigos. Ylê alacorô. Banhou-se de sangue em sua própria casa, com o sangue de seus filhos, netos, parentes e súditos.

Sua ira, sua força típica de um grande líder e general cegou seu bom senso, seu amor de pai e de rei. Cegou suas noções de justiça e de bondade. Sua maior virtude, a força e a determinação foi sua maldição. Quando se deu conta do que havia feito, seu arrependimento foi tão intenso, seu remorso o consumiu com tanta força que foi tragado pela terra. Assim tornou Orixá. Sua maior virtude o cegou e causou sua maldição. A virtude em excesso se tornou a maldição. O arrependimento e a superação do erro foi sua glória.

Xangô: o grande rei, com o objetivo de estabelecer a justiça em seu reino, estabeleceu que qualquer um que fosse pego cometendo algum tipo de delito, como roubos e assassinatos, se tornaria prisioneiro em seu reino. Tal determinação foi cumprida por seus soldados com tamanha eficiência que o próprio rei não mais tomava conhecimento sobre os prisioneiros e seus atos. Confiava plenamente em seus soldados. Passados alguns anos, seu reino entrou em uma grave crise. Secas, pragas, más colheitas, mortes de animais, epidemias e mortes misteriosas começaram a atormentar o reino de Oyó. Sem entender o que ocorria, consultou o Babalaô do reino que viu em seu oráculo que Xangô estava cometendo uma grande injustiça dentro de seu próprio reino. Foi então que mandou trazer os prisioneiros em sua presença para tentar identificar qual era tal injustiça. Quando trouxeram os prisioneiros, todos sujos e maltratados, dentre eles havia um senhor. E foi aí que a mãe do rei, Yemanjá, gritou: epa Babá. Era Oxalá. O pai de Xangô, do grande Obá, senhor da justiça, havia condenado seu próprio pai, injustamente. Acusado de ter roubado o cavalo do rei. O cavalo que ele mesmo havia presenteado o filho querido.

Xangô, com sua sede por justiça cometeu a maior de todas injustiças. Punir alguém por algo que não cometeu, sem dar a chance da pessoa se defender.

Nanã: a mulher que representa a sabedoria, a compreensão e o perdão. O símbolo da experiência feminina. Quando ainda jovem, teve um filho. E esse filho teve a má sorte de ser infectado por uma terrível doença. Seu corpo era todo marcado com feridas e cicatrizes, de uma forma que era difícil até mesmo de olhar. Como medo de ser infectada pela doença e sem mal conseguir olhar para seu próprio filho, Nanã o abandona na areia da praia, à sua própria sorte. Mas ele é encontrado. Criado com todo amor e carinho por Yemanjá e Ogum, seu irmão mais velho. Torna-se um grande homem, bonito, forte e generoso. Descobre que estava curado daquela doença graças a Oyá, que se encantou com sua beleza. E então, por obra do destino ou pela vontade de Olodumáre, ele se encontra com Nanã, sua verdadeira mãe. Sabendo de tudo que acontecera, Omolu fica intensamente  triste com Nanã, e ela, perante aquele homem vistoso e imponente, sente o maior arrependimento de sua vida. Somente uma coisa confortaria seu coração: o perdão e a compreensão do próprio filho. Aquilo que ela não conseguiu dar à seu próprio filho se tornou sua maldição, sua maior tristeza. Aquilo que ela sempre representou, ela mesma negou à pessoa mais importante de sua vida.

Odé: o grande caçador. Símbolo da prosperidade, do sustento material. Aquele que fornece o alimento com fartura aos seus súditos e semelhantes. Não é apenas um Orixá. Mas vários, ou seja, cada reino tem seu principal Odé. Mas dentro da essência de Odé, ele representa a confiança, a eficiência, a certeza em conseguir o que quer. Sua inteligência fez de Akueran (o principal Odé do culto de Ketu) um maiores reis entre os reinos iorubas, só comparado à Xangô. Daí o Itan do Caçador de Uma Flecha Só. Oxossi. Perante a maldição das Yamins, foram chamados vários odés. E foi aquele que tinha mais confiança em si mesmo que acertou o pássaro amaldiçoado. Aquele que caçava com apenas uma flecha. Aquele que sai para caçar com a certeza que irá conseguir. Essa virtude gera, nos filhos de Odé dois principais defeitos. A desonestidade, que se manifesta sob a ideia de ser o filho de Odé melhor e mais esperto que todos, fazendo de suas mentiras algo que possa tirar alguma vantagem ou status. Há também a arrogância. A certeza de que é mais inteligente, eficiente e melhor do que qualquer um. Porém, Odé com toda sua autoconfiança, sendo uma das pessoas mais ricas e importantes entre todos os reinos iorubas, mal sabia ele que se renderia à vida solitária da floresta ao lado de um grande amor que nunca imaginaria que pudesse ser possível. Odé, autônomo em si mesmo, confiante de sua liberdade, se rendeu aos encantos de Ossãe e entregou a si, trocou toda sua riqueza em prestígio à vida na floresta, longe de tudo e todos. Ele só encontrou a verdadeira felicidade na humildade e no amor. E não na riqueza e no status.

Exu: O senhor da comunicação. O mensageiro entre os mensageiros. Aquele que rege nos limites. No limite da paz e da guerra. Da discórdia e da harmonia. Da matéria e da espiritualidade. O mais humano entre os Orixás. É capaz de compartilhar de nossos sentimentos, de nossas angústias, de nosso amor e de nosso ódio. Com poder da palavra ele mandou o sol para a noite e a lua para o dia. Mandou as mulheres para a guerra e os homens para o lar. Com o poder da palavra ele transforma o impossível em possível. O abstrato em matéria. Com esse mesmo poder foi capaz de causar sofrimento ao mais bondoso Orixá. Humilhou por três vezes consecutivas, pelo simples prazer de fazer valer seu poder, o grande Oxalufã. Seu dom pode ser a maldição de seus semelhantes. O dom da palavra, se utilizado de má fé, pode ferir corações, desmanchar a honra de qualquer pessoa.

Ossãe: o guardião das folhas. Folhas que contém as mais sagradas propriedades. De curar, matar, seduzir, iludir, enganar, acalmar, esfriar, esquentar, perturbar. Guardião do segredo sobre as folhas. Das palavras mágicas que ativam e controlam as propriedades das folhas. Seu domínio fez de Ossãe o detentor do poder sobre muitas coisas. Confiante de sua exclusividade, Afirmava aos quatro cantos, em tom egoísta e imperativo: Ewêwê, minhas folhas, minhas folhas! De repente uma ventania inexplicada toma conta de toda a floresta e derruba ao chão a cabaça dos segredos de Ossãe. Desesperado ele tenta recolher suas folhas, mas era tarde. Todos os Orixás pegaram para si aquelas que lhe interessavam. Oyá, com seu poder sobre os ventos, atentada pela sua própria curiosidade e atendendo ao pedido de Xangô, tirou de Ossãe aquilo que ele mais prezava: a exclusividade sobre as folhas e seus segredos. Ossãe foi obrigado pelo destino, ou  por obra de Olodumáre, a superar seu sentimento egoísta de ser o único dono das folhas. Porém, Ossãe não perdeu o mais importante. Nenhum vento ou tempestade pode destruir ou roubar o conhecimento. Ossãe continuou detendo o poder da palavra, dos Orikis necessários para usar as folhas. Assim, os Orixás passaram a ter as folhas mas não os Orikis, dependo então do licença de Ossãe cada vez que fossem utilizá-las.

Os exemplos citados acima traduzem um dos princípios básicos da essência do pensamento candomblecista: os Orixás são fontes de força e ensinamentos a partir daquilo que eles mesmos viveram. E foi a força de seu Ori, o poder da mente, em reconhecer seus próprios erros, em superá-los e lidar com eles que os fizeram Orixás ( aqueles que têm a mente forte). Para os discípulos dos Orixás, os candomblecistas, cultivar o próprio Ori é um dos exercícios mais importantes e vitais. O que seria cultivar o Ori? Cultivar o pensamento reflexivo em torno de si mesmo e dos significados da própria religião. Se auto conhecer. Procurar em si mesmo os próprios defeitos. Buscar superá-los. O Ori é aquilo que temos de mais importante. É nossa maior potencialidade.

Na ancestralidade que carregamos de nossos Orixás, trazemos em cada um de nós, as características desses ancestrais. E é justamente nesse ponto que tal potencialidade, a potencialidade do Ori, torna-se vital. Herdamos de nosso Orixá sua principal característica. E essa característica pode se reproduzir em nós, como virtudes ou como vícios.  E é a força do Ori que irá estabelecer os limites entre uma coisa e outra. Os filhos de Ogum herdam a força e a determinação, que pode chegar à ira. Os filhos de Odé herdam a astúcia e eficiência, que pode se tornar arrogância e desonestidade. Os filhos de Exú herdam o poder da palavra e da comunicação, que pode fazer de seus filhos caluniadores e ofensivos. Os filhos de Xangô herdam o senso de justiça e liderança, que pode o tornar o “dono da verdade” e um grande aproveitador. As filhas e filhos de Oxum herdam o charme e a vaidade, que podem se transformar em soberba e inveja. Ou seja, os limites entre as virtudes e os vícios são sensíveis. E é o Ori o fator que estabelece o equilíbrio entre um e outro. 


Publicado por: Alan Carvalho

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