Whatsapp

O Gênero Charge na Perspectiva Sóciodiscursiva.

Conheça sobre o gênero charge.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO:

Sendo a escola um espaço democrático que visa formar sujeitos críticos e autônomos discursivamente, objetivamos, neste artigo, discorrer sobre a importância do gênero charge nas aulas de língua portuguesa, além de apresentar discussões a respeito de uma experiência de ensino e uma proposta de aula com o referido gênero para o Ensino Médio. Assim, temos como método a pesquisa-ação e como embasamento alguns fundamentos teóricos da teoria bakhtiniana (1981-1997), sócio-interacionista de Bronckart (1999), Vygotsky (1991), as Diretrizes Curriculares de Ensino da Educação Básica para o ensino de língua portuguesa (2008), entre outros. Com o estudo, apresentação, análise e discussão do gênero referido constatou-se que este tem o poder de instigar o interesse dos estudantes, pois possui um humor crítico que desperta a curiosidade dos mesmos, podendo tornar a aprendizagem mais crítica e significativa.

Palavras - chave: Gêneros discursivos, Charge, Experiências de ensino.

ABSTRACT:

Being the school a democratic place that wants to graduate a critical and autonomous person, the objective of this article is to discuss the importance of the cartoon gender in Portuguese classes, and to present discussions about an experience and a class proposal with that gender to the Secondary School. Thus, taking as a method the action-research and as foundation some theoretical foundations of the Bakhtin theory (1981-1997), social interaction of Bronckart (1999), Vygotsky (1991), Curriculum Guidelines for Teaching of the Basic Education to the Portuguese Teaching (2008), and others. Through the study, presentation, analysis and discussion of that gender, it was found the gender has the power to instigate students’ interest because it has a critical humor that arouses their curiosity and could make learning more critical and significant.

Keywords: Speech genders, Cartoon, Teaching experiences.

1. Introdução

A questão central acerca da importância dos gêneros textuais se dá pelo fato de que “é impossível não se comunicar por algum gênero, assim como é impossível não se comunicar por algum texto. Em outros termos, a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual” (MARCUSCHI, 2000, p. 5). Neste sentido, a interação verbal em todas as esferas sociais é mediada por gêneros textuais.

No decorrer do desenvolvimento do estágio supervisionado em Língua Portuguesa pudemos constatar, durante as observações realizadas em um período aproximado de 13 horas aula, em uma sala de 1º ano do Ensino Médio de um colégio público da cidade de Campo Mourão/PR, a carência da exploração e aprofundamento dos gêneros textuais, sendo que, o trabalho desenvolvido em sala, na maioria das aulas, não correspondia ao proposto pelas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná (2008) para o ensino de língua portuguesa e nas teorias Bakhtinianas (BAKHTIN, 1997; MARCUSCHI, 2003 e 2008) e histórico-críticas (GASPARIN, 2007) quanto à práxis docente e o trabalho com gêneros, uma vez que alguns temas eram apresentados, dentro de gêneros específicos, que não eram explorados. Não havia uma reflexão de forma interativa com os alunos, contextualizando-os e aprofundando a questão.

Diante do exposto, decidimos fazer um estudo mais relevante do tema e objetivamos conciliá-lo com o período de regência de forma que os dados colhidos pudessem ser apresentados e debatidos. Assim, busca-se desenvolver nos estudantes a capacidade de reflexão sobre o tema proposto, partindo de que eles já conhecem do assunto e, através da interação, professor/aluno e aluno/aluno, desenvolver um novo conhecimento pautado na criticidade. Entretanto, convém destacar, que nosso principal objetivo não é o de ensinar o aluno a pensar da forma considerada correta ou de uma única forma, buscando uma homogeneidade, impossível em um espaço tão heterogêneo quanto à sala de aula, mas sim de mostrar a ele que cada gênero textual específico necessita de um olhar sobre, de estratégias de leitura, de retomadas de outros textos, entre outros, para que assim possam construir suas opiniões e seus conhecimentos.

Portanto, objetivando conciliar regência e artigo final de conclusão de curso, escolhemos o gênero charge por se tratar de um gênero que, apesar de explorado abundantemente em meio ao ensino de língua portuguesa no âmbito escolar atual, principalmente pelos livros didáticos, tem o poder de instigar o interesse dos alunos, pois possui um humor crítico que desperta a curiosidade dos mesmos, podendo tornar a aprendizagem mais crítica e significativa. Além disso, os conteúdos escolhidos para as aulas de língua portuguesa, quinhentismo no Brasil e ambiguidade, levaram-nos a procurar textos que acreditávamos propiciar uma aprendizagem mais significativa em relação ao conteúdo. Assim, durante as aulas, além de descrevermos o período histórico do quinhentismo e apresentar textos informativos e catequéticos como, por exemplo, a carta de Pero Vaz de Caminha e os autos com Padre José de Anchieta, optamos por apresentar outros gêneros textuais que abordavam o mesmo tema de forma mais atual (charges, capa de revistas, crônicas, artigos de opinião, entre outros).

As charges relacionadas as comemorações do “Brasil 500 anos” apareceram principalmente relacionadas ao quinhentismo, no qual, durante a regência, procuramos criar uma ponte entre esse período  literário e as comemorações de 500 anos de descobrimento, que aconteceram no ano 2000. Julgamos ser mais interessante aos estudantes compreenderem o momento histórico quinhentista já fazendo analogias com o momento atual e para isso buscamos relembrar as comemorações do Brasil 500 anos, por ter sido um fato histórico mais recente e muito comentado pelos meios de comunicação.

Posta na sala de aula, a charge ajuda a subsidiar a competência argumentativa dos estudantes a partir de relações lógico-discursivas e críticas sociais trazidas à tona por ela. Pelo fato de provocar o humor, promove uma atividade prazerosa para alunos e professores.

Os objetivos de nossa pesquisa inserem-se, portanto, na preocupação em tornar o aprendizado mais significativo para o estudante. Almejamos, com o presente trabalho, discutir as teorias sociointeracionistas e discursivas que nortearam nossa prática com gêneros durante o período de regência compartilhada, e discutir nossa experiência com o gênero charge em uma turma de 1º ano do Ensino Médio, incluindo nossa práxis e os resultados obtidos. Além disso, apresentaremos uma proposta de trabalho realizada em duas aulas durante o período de regência compartilhada do estágio supervisionado do quarto ano do Curso de Letras da FECILCAM, que teve como tema: O “encobrimento do Brasil”, 500 anos de história.

Segundo Bakhtin “cada esfera de utilização de língua elabora tipos relativamente estáveis de enunciados denominados gêneros do discurso” (1997, p. 279). Constata-se dessa forma, que os gêneros são inesgotáveis e, levando em consideração a imensidão de gêneros discursivos existentes, optamos pelo gênero charge por se tratar de um gênero que, apesar de bastante explorado em meio o ensino da Língua Portuguesa no âmbito escolar atual, principalmente pelos livros didáticos tem o poder de instigar o interesse dos alunos, pois possui um humor crítico que desperta a curiosidade dos mesmos, podendo tornar a aprendizagem mais crítica e significativa.

Este artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica e de uma práxis acerca do tema, bem como preparação e escolha de materiais, atividades práticas com os alunos e discussão dos resultados, além de estar metodologicamente fundamentada na pesquisa-ação que para THIOLLENT,

é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (2005, p.16).

2. Conceituando gêneros discursivos e textuais

A palavra gêneros sempre foi bastante utilizada pela retórica e literatura identificando, especificamente nesta última, os gêneros clássicos - lírico, dramático e épico – e os gêneros modernos, como, por exemplo, o romance, o conto, a novela, o drama, etc. A clássica teoria dos gêneros aparece com Aristóteles em sua Poética, mas de acordo com Machado (2005, p.151) “trata-se de uma classificação paradigmática e hierárquica, facilitada pela observação das formas no interior de um único meio: a voz”. Antes dele, Platão já havia proposto uma classificação binária aos gêneros, classificação esta que serve como base para a Poética de Aristóteles. Ainda para Machado (2005), essas são as linhas teóricas gerais que fundamentam e orientam, ainda hoje, o que se entende por gêneros.

Os gêneros (textuais/discursivos) têm ganhado forças na contemporaneidade nas diversas áreas do conhecimento, pois grande atenção tem sido dada as teorias dos gêneros. Definir o conceito de gênero, não é uma tarefa fácil, embora muitos teóricos discorram sobre o tema, não há unanimidade entre eles. Na perspectiva de Koch (2000) apud XAVIER e CORTEZ (2003), a principal inquietação da linguística aos gêneros está inteiramente atrelada ao desafio de acompanhar as transformações sociais ao lado das quais os novos gêneros emergem e se constituem, logo que a língua se constitui em meio às práticas sociais.

Marcuschi (2003) corrobora que, desde Aristóteles a arte da retórica se constituía com a capacitação de escritores e oradores ao produzirem diferentes gêneros textuais. Deste modo, fica evidente a complexidade de se conceituar tão vasto tema, tendo em vista que sua origem se deu desde os primórdios de nossa sociedade.

Embora a conceituação de gênero seja uma tarefa difícil alcunharemos alguns dos principais pensadores que buscaram defini-lo. Entre muitos teóricos que trabalharam com a investigação dos gêneros pode-se destacar o filósofo russo Mikhail Bakhtin em seu círculo de estudos, que com seus escritos veio servir de referência e ponto de partida para boa parte da reflexão moderna sobre a questão. O ensaio: “O problema dos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1953) pode ser destacado como exemplo desse fato.

Sabemos que os gêneros textuais são os diversos textos que circulam na sociedade e que foram sócio-historicamente produzidos, cada um na sua esfera específica. O Círculo de Bakhtin teoriza que os gêneros discursivos recorrem em mais de uma esfera, podendo ser de linguagem mais simples ou primária, que é o caso dos gêneros cotidianos, como por exemplo: receita de alimentos; talão de luz; bilhete, cartas pessoais, ou podem ser de linguagem ou estilo mais formal, os secundários, como no caso da esfera burocrática (ofício, memorando), da esfera científica (teses, livros), ou da esfera jornalística (jornal, charge).

Rojo (2005) corrobora esta premissa ao salientar que as esferas comunicativas teorizadas por Bakhtin, são divididas em dois grandes grupos: as esferas do cotidiano (familiares, íntimas, comunitárias etc.), nas quais circulam as ideologias do cotidiano, e aquelas dos sistemas ideológicos constituídos (moral, ciência, arte, religião, política, imprensa). Deste modo Bakhtin (2003) associa os gêneros primários às esferas cotidianas e os gêneros secundários às esferas dos sistemas ideológicos constituídos.

Para o teórico (2003) essas esferas implicam na utilização da linguagem na forma de enunciados. Como enunciados não são produzidos fora dessas esferas, são as condições específicas e as finalidades de cada esfera que os determinam.

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas de uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. [...] O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua constituição composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso.  (Bakhtin, 2003, p.261-262)

O conceito de gênero é descrito por diversos textos do Círculo de Bakhtin e a sua terminologia oscila entre formas de discurso social, formas de um todo e tipos de interação verbal. Todavia, no texto Os gêneros do discurso, Bakhtin (2003) define os gêneros do discurso como “tipos relativamente estáveis de enunciados”, ou seja, através de enunciados individuais, surge o gênero, e essa relativa estabilização acontece por meio de seu uso em interações concretas. Rojo (2005) propõe uma discussão sobre a diferença teórico-metodológica envolvida no uso das terminologias: teoria de gêneros do discurso ou discursivos e teoria dos gêneros de texto ou textuais. Para Rojo, tais leituras estão amarradas em diversos conceitos bakhtinianos, mas a distinção está no fato de que a primeira centra seu estudo nas situações de produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos, e, a segunda, na descrição da materialidade do texto.

Outro teórico que cooperou com a definição e estudo acerca dos gêneros foi Bronckart com a proposta do interacionismo sociodiscursivo, no qual buscou analisar a linguagem enquanto prática social, ou seja, para este teórico as relações humanas estão perpassadas uma às outras através da linguagem, por uma rede de interações diversas e se efetivam discursivamente dentro de um gênero específico.  Bronckart (2007) elenca a questão do gênero, enfatizando a ideia de que podem ser naturalmente distinguidos e caracterizados nas práticas sociais por meio da linguagem.

Nesse sentido, os gêneros textuais podem ser considerados uma espécie de textos inter-relacionados que o autor denomina “intertexto”. Uma definição possível para o gênero textual conforme as idéias de Bronckart (2007) é a de que se trata de uma realização do discurso, motivada pelas práticas sociodiscursivas.  O referido autor definiu o texto enquanto unidade comunicativa, uma vez que o texto se trata de “toda unidade de produção de linguagem situada, acabada e auto-suficiente (do ponto de vista da ação ou da comunicação)” (2007, p. 75).

Os gêneros, portanto, precisam ser pensados e analisados a partir de sua inclusão na vida social, enquanto parte da própria organização das interações humanas. Assim, pensar a respeito dos gêneros implica refletir acerca das relações discursivas presentes nas diversas esferas sociais, bem como localizá-los no interior dessas. Sejam os gêneros textos orais ou escritos, vale frisar que fazem referência a “vida diária com padrões sócio-comunicativos característicos definidos por sua composição, objetivos enunciativos e estilo, realizados por forças históricas, sociais, institucionais e tecnológicas” (MARCUSCHI, 2003, p. 17, grifos do autor). Neste sentido, os gêneros podem ser entendidos como solução para responder à complexidade da interação social.

2.1 O gênero do discurso charge

Atualmente, entre os mais diversos ambientes de transmissão de informações estão presentes o protesto e a crítica que são feitos ao sistema de modo geral, mas especificamente à política e aos governantes que regem esse sistema. Uma das formas de se criticar é utilizando argumentos persuasivos e lógicos que possam convencer o leitor. Podendo ser através da sátira e da ironia, maneira de chamar a atenção do leitor explorando o riso e sarcasmo usados como meio para criar conexão com o leitor e convencê-lo a aderir às ideias do discurso. Na sociedade atual o número de jornais televisivos e impressos que estão utilizando a sátira enquanto elemento crítico do discurso estão crescendo abundantemente.

Desta forma, para entendermos a prática do humor crítico, é necessário buscar na Antiguidade clássica reflexões sobre a exploração do riso nas sátiras feitas à sociedade. Na filosofia grega Aristóteles dizia que a alegria induzida por zombaria é sempre uma expressão de desprezo.

Neste sentido, pode-se dizer que, a charge é um dos meios acima descritos, pois se usa a ironia e a sátira para se produzir o riso e, através dela busca-se criticar a atuação de sujeitos sociais, tendo como destaque os governantes políticos; para que o objetivo da charge se efetive, os chargistas utilizam o recurso da derrisão que conforme Bonnafous (2003) apud BENITES (2010, p.154) “consiste na associação do humor e da agressão que a caracteriza e a distingue, em princípio da pura injúria”. Deste modo, a sátira crítica denuncia ao mesmo tempo em que faz rir, livrando o chargista de crimes como os de calúnia e difamação à pessoa física.

Segundo Bakhtin (1981), os gêneros que sustentam relação com as tradições do cômico-sério ainda cultivam a essência carnavalesca. A partir de suas reflexões sobre a carnavalização e polifonia pode-se compreender e identificar o gênero charge. A paródia e a sátira das ações políticas são responsáveis pelo riso carnavalesco frequente nas charges.

É pertinente frisar que o significado de uma produção difere de um chargista para outro, sendo que a essência da charge é a crítica jornalística à política nacional. Intensas vezes, a leitura de um texto imagético necessita de um conhecimento mais aprofundado do leitor sobre o tema abordado, por consequência da duplicidade de sentido e dos implícitos presentes na charge a percepção de um leitor ingênuo se restringe apenas ao cômico, não atingindo o objetivo do chargista, que é a crítica por meio do humor. Desta forma, salienta-se que charge discute questões sociais e políticas que são exploradas observando os recursos linguísticos, discursivos e gráfico-visuais.

ROMUALDO (2000) expõe que uma das peculiaridades da charge é a polifonia, um jogo de vozes que se atravessam. Outro aspecto importante é a representação de um mundo às avessas, marcando o real muitas vezes não observado, contudo, vivenciado por meio da inversão de valores sociais altamente em voga hoje, tal representação satiriza esse fato oculto proporcionando ao leitor uma visão crítica da realidade.

Levando em consideração o ponto da polifonia, é válido salientar que todo discurso é marcado por suas condições sócio-históricas de produção, bem como pelos sujeitos que nessas condições atuam. Assim, os discursos verbos-visuais não fogem desta prerrogativa. Benites (2010) assegura que:

Deste modo, também para a imagem não há um sentido a priori, nem se pode pensar em um estatuto de neutralidade para os elementos visuais. Eles refletem as condições próprias de um sujeito que procura significar/interpretar a si e o mundo, a partir de um código diferente da escrita, mas igualmente sujeito a deslizes e equívocos. (p. 153)

Dessa maneira, por meio da imagem que é de rápida leitura, a charge jornalística atrai a atenção do leitor, pois, com caráter polifônico este gênero tem o poder de conduzir diversas informações de maneira concisa, provocando através do humor crítico, levar o leitor a refletir sobre a atualidade sócio-político-econômica do país. ROMUALDO (2000, p.5) salienta que:

A Charge é um tipo de texto que atrai o leitor, pois, enquanto imagem é de rápida leitura, transmitindo múltiplas informações de forma condensada. Além da facilidade de leitura, o texto chárgico diferencia-se dos demais gêneros opinativos por fazer sua crítica usando constantemente o humor.

O gênero charge mistura, geralmente, de forma harmoniosa as duas linguagens – a verbal e a não-verbal, constituindo textos sincréticos e efeitos de sentidos na oscilação entre o já-dito e o não-dito.

Em uma perspectiva bakhtiniana, cada gênero possui composição, conteúdo e estilo.  Bakhtin (1953[1979], p. 321) salienta que, "Cada um dos gêneros do discurso, em cada uma das áreas da comunicação verbal, tem sua concepção padrão do destinatário que o determina como gênero." Do ponto de vista composicional, há uma relação entre o verbal e o não-verbal que são distribuídos na cor, no padrão gráfico e nas ilustrações. O conteúdo temático esperado, na maioria das vezes, é a crítica de forma bem humorada. Em se tratando de estilo, na charge, devido a uma escassez de espaço, a produção escrita é breve e a linguagem marcada pela informalidade.

3.  Prática didático-pedagógica a partir do gênero charge em uma turma de 1ª do Ensino Médio.

Sabe-se que a língua é um determinante territorial e cultural de um povo, ou seja, a representação social de sua identidade que é constituída por meio da interação. Não podemos pensar em língua superior ou inferior num país onde a diversidade linguística é tão marcante. Neste sentido, pode-se entender lingua(gem) como discurso, como prática social.

Bakhtin (1979) salienta que o sujeito não adquire sua língua materna, é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência, através de um processo de conexão progressiva na comunicação verbal. À medida que essa integração se realiza, sua consciência é formada e adquire seu conteúdo. Assim, a língua permite uma aprendizagem cultivadora do campo do sujeito, respeitando as suas raízes, a cultura na qual ele está inserido.

Dessa forma, entende-se que a lingua(gem) adquirida pelo contexto social se desenvolve de maneira efetiva por meio do processo de ensino-aprendizagem que deve estar pautado nas práticas discursivas, ou seja, em atividades planejadas que priorize as práticas sociais, conforme pregam as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (2008),

No processo de ensino-aprendizagem, é importante ter claro que quanto maior o contato com a linguagem, nas diferentes esferas sociais, mais possibilidades se tem de entender o texto, seus sentidos, suas intenções e visões de mundo. A ação pedagógica referente à linguagem, portanto, precisa pautar-se na interlocução, em atividades planejadas que possibilitem ao aluno a leitura e a produção oral e escrita, bem como a reflexão e o uso da linguagem em diferentes situações. Desse modo, sugere-se um trabalho pedagógico que priorize as práticas sociais. (p. 55)

Tais Diretrizes têm como referencial teórico a pedagogia Histórico-crítica, por ser esta, uma abordagem que valoriza a escola como espaço social democrático, responsável pela apropriação crítica e histórica do conhecimento como instrumento de compreensão das relações sociais e para a transformação da realidade.  E sua proposta se baseia na corrente sociológica e nas teorias de Bakhtin, que compreendem a língua como discurso.

Sendo assim, o conteúdo que sustenta este documento oficial, norteador do ensino e do trabalho do professor é o discurso como prática social, que busca tratar a língua de forma dinâmica por meio das práticas de leitura, de oralidade e de escrita.

O aprimoramento da competência linguística do aluno acontecerá com maior propriedade se lhe for dado conhecer, nas práticas de leitura, escrita e oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos. O trânsito pelas diferentes esferas de comunicação possibilitará ao educando uma inserção social mais produtiva no sentido de poder formular seu próprio discurso e interferir na sociedade em que está inserido. (PARANÁ, 2008, p.53).

Pautados neste pressuposto, a pesquisa, portanto, constitui-se de uma proposta de aula para o ensino de língua portuguesa - Ensino Médio – baseada em gêneros do discurso, nas DCE’s e na teoria histórico-crítica, que por sua vez, resulta da teoria dialética do conhecimento. João Luiz Gasparin (2007) define esta teoria dialética (práxis) do conhecimento em três palavras chaves: prática – teoria – prática, momento de afirmação (tese), de negação (antítese) e de negação da negação (síntese), ou seja, a partir da prática social, questionar e analisar a ação cotidiana, buscando conhecimento teórico do que aconteceu, o que se tornará um guia para a nova ação/transformação.

Para o desenvolvimento dessa proposta pedagógica, toma-se como marco referencial epistemológico a teoria dialética do conhecimento, tanto para fundamentar a concepção metodológica e o planejamento de ensino-aprendizagem, como a ação docente-discente. (GASPARIN, 2007, p. 4)  

Deste modo, partindo das teorias acima citadas e efetivadas na prática-pedagógica de estágio supervisionado no ano corrente, percebeu-se a modificação – no que se refere à leitura crítica - que sucedeu em cada aluno ao longo das atividades realizadas em sala de aula, como pensavam e como passaram a pensar após as discussões sobre os temas abordados em cada aula. No decorrer da regência observou-se que os alunos adotaram uma nova postura, um novo modo de agir que demonstrou terem compreendido os textos de análise crítica/reflexiva como, por exemplo, as charges. Notou-se também que, aprenderam a debater os assuntos com mais criticidade, percebendo que existem formas diferentes de escrever, considerando a estrutura de determinados gêneros.

Quando perguntado aos estudantes: A charge revela um posicionamento crítico em relação aos gastos exagerados da comemoração dos 500 anos do Brasil. Qual é esse posicionamento? Algumas respostas podem ser destacadas como, por exemplo, a do Aluno 1: Foi uma comemoração apoiada e promovida por quase todos os meios de comunicação. A história do Brasil que é contada como os índios eram preguiçosos, e isso foi criado pelos colonizadores e é divulgado até hoje.  Aluno 2: Tudo era desnecessário, poderia ter feito uma comemoração normal, como um almoço beneficente, ou algo assim, e não gastar tanto dinheiro para fazer uma homenagem.

O período de regência, portanto, teve como objetivo central buscar justapor as informações erigidas em sala de aula no dia-a-dia do aluno, conforme ampara as DCE’s (2008), com a intenção de: indagar o que é significante para ele enquanto ser social e histórico; procurar empregar os conteúdos linguísticos trabalhados em suas produções escritas compreendendo o porquê e o quando usá-los; analisar criticamente os diversos textos a que têm acesso, não tomando nada como verdade única.

4. Conclusão

Deste modo, buscamos defender neste artigo a ideia que um gênero primário ou secundário precisa ser ensinado na escola de maneira sistemática e por meio de um trabalho que envolva todos os níveis de conhecimento, partindo do contexto social, contudo, rompendo com os horizontes de expectativas dos alunos.  A proposta de aula, portanto, se trata de uma metodologia formulada com o fim de contribuir para melhorar a prática de ensino no contexto da escola pública, propiciando com que o espaço da sala de aula venha tornar-se um ambiente de leitura, reflexão e obviamente de produção.

Para maior aprofundamento na questão da proposta de ensino que propomos trabalhar com o gênero charge, procuramos nos embasar nos estudos de Edson Carlos Romualdo (2000) e, focando a definição, a funcionalidade e a compreensão dos gêneros textuais, nos baseamos , para obtenção de uma visão mais ampla a cerca do tema.

Assim, através do processo interativo o conhecimento é socialmente construído. Deste modo, empregando os pressupostos de tais estudos supracitados, a presente proposta foi aplicada em uma turma de 1ª do Ensino Médio em período de estágio supervisionado, tendo como preocupação central ensinar os alunos a lidar com as atividades reais do mundo por meio do gênero charge. O trabalho com o gênero charge fez despertar nos estudantes a criticidade almejada em relação aos gastos exagerados que nossos políticos tiveram com as comemorações do Brasil 500 anos, focando que, estes gastos não se deram por consequência de um acontecimento esporádico, mas de uma corrupção que está arraigada no cerne de nossa política constitucional. Os estudantes se interessaram também, pelas cenas desenhadas, pelo uso da linguagem verbo-visual e, pela sátira nela presente.

Em consonância com os pressupostos teóricos acima referidos, apresentar-se-á em anexo uma proposta de ensino - para duas aulas - com o gênero charge aplicado em uma turma de 1ª do Ensino Médio no ano corrente.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

_________, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes (Coleção ensino superior), 1953[1979].

_________, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, [1953] 1997.

_________, Mikhail (VOLOCHÍNOV, V. N.). Marxismo e filosofia de linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006.

_________, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. [Paulo Bezerra]. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981.

BENITES, Sonia Aparecida Lopes. Sentido, História e Memória em Charges Eletrônicas: os domínios do interdiscurso. In: POSSENTI, Sírio; PASSETI, Maria Célia (Orgs). Estudos do texto e do discurso: política e mídia. Maringá: Eduem, 2010.

BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de Linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. Tradução de Anna Rachel Machado. São Paulo: Educ, 1999 [1997].

GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 4 ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2007.

MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, Beth. (Org). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A.P. et al (Org.) Gêneros


Publicado por: Francielle

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.