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Poesia em forma de conto

Ponto de vista pessoal sobre um livro de contos da autora Mia Couto.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Desejo partilhar o encantamento com a leitura de um livro de Mia Couto.

São vinte e nove contos escritos com habilidade e com a magia característica de quem tem o dom de criar palavras (neologismos) e com elas brincar, tecendo histórias de vidas e de sonhos.

Alguns trechos me faziam lembrar de minha professora de literatura, ao dizer, parafraseando Schopenhauer, que literatura boa é aquela que não se esgota em uma leitura, mas sim a que a cada leitura descobrimos algo novo. Em outras me faz lembrar minha amiga Estrella, cujas palavras são sempre envoltas numa aura poética que só aqueles que veem o mundo com olhos diferentes conseguem transcrever e por isto mesmo são pura magia. Percebem poesia em cada olhar, em cada momento do cotidiano.

Em meio a comoventes histórias (como a do menino que queria morrer e por isto propôs ao avô trocar de lugar com ele), descobrimos lições como as que abaixo transcrevo:

-“Criancice é como amor, não se desempenha sozinha. Faltava aos pais serem filhos, juntarem-se miúdos com o miúdo. Faltava aceitarem despir a idade, desobedecer ao tempo, esquivar-se do corpo e do juízo. Esse é o milagre que um filho oferece – nascermos em outras vidas”.

Em outro conto sobre a avó que não entendia a viagem do neto para viver em um hotel onde aqueles que o acompanhariam no dia a dia eram meros desconhecidos, sem saber o nome de quem lhe prepararia o alimento, temos uma visão poética do cotidiano: “Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Cozinhar não é serviço. Cozinhar é um modo de amar os outros.”... Para esta avó um país estrangeiro começa onde já não reconhecemos parente.

Sobre o menino que fazia versos e não era compreendido, motivo pelo qual foi levado ao médico como se enfermo fosse retiramos o diálogo abaixo:

Ao ser inquirido pelo doutor sobre se algo lhe doía responde:

-Dói-me a vida, doutor.

-E o que fazes quando te assaltam essas dores?

-O que melhor sei fazer, excelência.

-E o que é?

- É sonhar.

Na epígrafe deste conto, temos o verso do menino que fazia versos:

De que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem?

De que vale acordar se o que vivo é menor do que o que sonhei?

Nas palavras de Mia Couto percebe-se ritmo, como no primeiro parágrafo do conto Meia culpa, meia própria culpa:

“Nunca quis. Nem muito, nem parte. Nunca fui eu, nem dona, nem senhora.

Sempre fiquei entre o meio e a metade. Nunca passei de meios caminhos, meios desejos, meia saudade. Daí o meu nome: Maria Metade.”

De história em história vamos descobrindo encontros e desencontros, dores e alegrias, sonhos e realidade, numa forma característica do autor, que retrata a fala do homem da sua terra natal, Moçambique, revelando entre os erros e acertos de cada personagem a humanidade de todos nós.


Publicado por: Isabel C. S. Vargas

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