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Da Mitologia à História: O Que São Os Orixás?

O que são os Orixás? Clique e confira suas diversas posições e definições.

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Em grande parte da bibliografia editada a respeito dos cultos aos Orixás existem posições e definições variadas a respeito do que são ou como se define o que é um Orixá. Autores como José Beniste. Gisele Omindarewá, Pierre Verger, entre outros, trabalham com duas vertentes na elaboração de tais definições. A vertente histórica e a vertente mitológica. Porém ambas são controversas, pois a primeira encontra muitos empecilhos de definição pela falta de fontes historiográficas e registros oficiais a respeito da trajetória dos povos de matriz étnica yorubá, de onde provém o termo “orixá”. A segunda vertente, mitológica, encontra suas dificuldades em seu caráter essencialmente oral de transmissão e preservação desses mitos, que somadas à questão da pluralidade étnica que compôs o contexto da formação dos Candomblés de Nação no Brasil qualquer possibilidade de definição concreta torna-se uma grande problemática. Os mitos preservados variam de local para local, e de época para época. As versões vão se sobrepondo e se contradizendo na mesma medida do esforço de sua preservação e divulgação. 

Contudo podemos extrair pontos comuns de ambas as vertentes. Na vertente mitológica corrente entre os autores que tentam organizar as bases do culto no Brasil podemos considerar, primeiramente, a definição dos Orixás como energias primordiais criados por Olodumáre quando da criação do mundo. Como se fossem os próprios ministros de Olodumáre, o Deus supremo, O Criador. Nessa perspectiva, o mito da criação yorubá traz Oxalá, ou Obatalá (que são os mesmos), e Odudua como personagens principais nessa criação. Traz também Exú como coadjuvante indispensável à trama mitológica de origem do mundo e dos homens. O trecho a seguir apresenta tal passagem: 

“Durante a caminhada, Obatalá encontrou Exu, que indagou sobre oferendas que deveriam ser feitas para a consecução do trabalho. Obatalá não deu importância ao fato e, sedento, extrapolou no consumo de bebida alcoólica extraída da palmeira. Conseqüentemente, caiu em sono profundo e foi suplantado por Oduduwa, que, tomando os elementos necessários, saiu para efetuar a tarefa da criação da Terra. O local onde o trabalho teve início denominou-se Ifé (aquilo que é amplo) . Segundo a tradição, daí proveio o nome da cidade sagrada de Ilê Ifé”. Extraído de (http://www.aguiadourada.com/pdf/Ogboni.pdf

A partir da criação da terra os Orixás primordiais passam a habitar o mundo, ter filhos e filhos, com romances, traições, intrigas e aventuras em meio aos humanos, aos animais e vegetais. Além disso, nessa criação primária cada Orixá é consagrado à uma força e/ou elemento da Natureza. E tais consagrações não são aleatórias, elas relacionam tais forças e elementos aos princípios éticos e ideológicos que cada orixá carrega em si. 

Na mesma vertente temos também versões que classificam os Orixás de nosso panteão (16 Orixás Ketu/Nagô) como reis, rainhas, príncipes, princesas, curandeiros, generais, que viveram e se divinizaram em situações diversas, que os eternizaram em um culto específico. Essa noção, segue o princípio da ancestralidade e da descendência da alma. Nessa perspectiva podemos afirmar que o mitos, ou itans, que se preservam nas casas de Candomblé e em seus adeptos, são histórias adaptadas ao panteão que cultuamos. Por exemplo quando associamos Oxalufã como o pai de todos os Orixás. Como Yemanjá sendo a mãe de Ogum, Odé, Oxum. Nanã sendo a mãe de Omolu, Oxumarê, Ewá. Até mesmo sobre tais colocações encontramos variações de acordo com a fonte. O itans que são reproduzidos oralmente em todo o Brasil tem muitos pontos em comum, mas ao mesmo tempo, se contradizem. E quando comparados aos itans colhidos na África, em pesquisas recentes de autores que se aventuram a isso, as contradições aparecem ainda mais. O fato é que, assim como o Candomblé de Nação brasileiro é uma adaptação daquilo que se praticava em África, os mitos (itans) que servem como referência para a gênese e a essência ética do culto, também foram adaptados. 

A vertente histórica do culto aos Orixás carrega contradições em si mesma, pela não coerência na comparação de fontes e bibliografias, assim como em sua comparação com a vertente mitológica. Existem estudos que apontam a origem do estabelecimento do sistema oracular de Ifá a partir de uma migração de um grupo de africanos localizados no centro norte do continente liderados por um líder chamado Odudúwa, que fugindo da expansão islâmica, promovida a partir do século VII, fundou a cidade de Ifé.

Segundo Regiane Augusto de Mattos, “umas das várias versões para a origem de Ifé, o rei Odudua teria do filho de um dos reis de Meca e o grande fundador do reino de Ilê Ifé, depois de perseguido e expulso da sua cidade natal por rejeitar o islamismo. Outra versão revela que Odudua era líder de um grupo de expansão vindo da Hauçalândia, Bornu, Nupe ou Canem e que conseguiu centralizar o poder em suas mãos e fundar Ifé." (MATTOS, p. 37)

E foi ele, Oduduwa, o responsável pela criação de tal sistema oracular, que reúne conhecimentos de numerologia, astrologia e mitologia colhidos entre os persas/árabes, egípcios e os próprios yorubás e todos os povos relacionados à origem dos yorubás. Quanto a isso é importante destacar que os yorubás são compostos por um conjunto de vários povos de língua semelhante, tais como os Ibôs, Idowas, igalas, nupês, fons, entre outros. De acordo com a historiografia, Odudúwa se estabeleceu em Ifé derrotando o poder local, Obatalá, em que foram estabelecidas alianças de poder. A linhagem que se seguiu a este que se tornou um importante rei deu origem a Ogum, Xangô, Aganjú, Ayrá, Oraniã(fundador de Oió) entre outros. A expansão desses reinados gerou, na mesmo proporção, conflitos e alianças que colocavam em constante contato reinos, cidades, tribos e povos diversos (tais como os citados anteriormente) tendo em comum a língua yorubá. E com tais contatos integraram-se cultos e divindades diferentes entre ambas as partes. Essa versão histórica em que Odudúwa imigrou para a Ifé e tomou o poder de Obatalá vai diretamente ao encontro do mito da criação citado anteriormente.

No conjunto de itans e características da própria liturgia que temos preservados no Brasil, alguns convergem com fatos históricos. A própria rivalidade de Omolu, originalmente chamado de Xapanã, com Xangô é um exemplo. Décadas antes da diáspora africana para o Brasil, o Império de Oyó estava em seu auge. E para se tornar como tal ele efetuou inúmeras guerras em reinos vizinhos. E dentre esses reinos vizinhos existia aqueles da região do ex-Dahomé, onde se encontravam grupos conhecidos Jejê e Fons. Os Orixás que denominamos como a família dos Kerejebe eram mais comuns nessas regiões. Em um raciocínio lógico, convertendo informações mitológicas e históricas, podemos concluir que Omolu era rei em uma dessas terras que foi invadida por Xangô. 

Na estrutura do Xirê praticado nos Candomblés de Nação Ketu temos uma importantíssima evidência histórica. A Roda de Xangô é o ato mais solene do culto. É praticado nas mais importantes cerimônias, tais como nas entregas de Oyês e Decás. Na Roda de Xangô se louva tal Orixá como o rei dos reis. E nessa liturgia, com suas devidas cantigas e atos, cada Orixá de nosso panteão é devidamente louvado junto à Xangô. Ou seja, se na época da diáspora dos africanos para o Brasil, Xangô(e sua linhagem) era, historicamente, o grande rei do Império Yorubá, na constituição do Candomblé de Nação no Brasil, a estrutura foi preservada e reproduzida dentro do princípio da ancestralidade. 

Tais fatores nos mostram que na origem do Candomblé, fatos se misturam aos símbolos. História se funde com mitologia. Evidências com representações. Em meio à tamanha complexidade poderíamos estabelecer um conceito sobre o que é um Orixá: é uma energia primordial que representa as forças da natureza e que foram concentradas em ancestrais comuns à um determinado povo, em um determinado tempo e espaço. Ou seja, reis e rainhas, príncipes e princesas, guerreiros e guerreiras, pela força de seu Ori, de seus feitos, de seu significado perante seu povo, foram associados e eternizados junto às forças da natureza vitais à nossa existência. 

Por mais que isso pareça abstrato aos olhos e ouvidos dos céticos, ou mesmo controverso àqueles que estudam tal questão, aos praticantes isso se torna uma espécie de sentimento. Não se faz necessário explicações ou definições àqueles que sentem a força dos Orixás em seu corpo e sua vida. Inclusive, uma das caraterísticas do Candomblé é que, do processo de iniciação ao final do primeiro ciclo de aprendizado (7 anos), primeiro se sente o Orixá, sua energia, seu poder e capacidade. Depois vem o processo de compreensão sobre tal fenômeno. É uma religião onde o sentir antecede o saber.

Fontes:
MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira , São Paulo, contexto, 2007.
Beniste, José – Orun Aiye , o encontro de dois mundos – Bertrand, 1997
http://www.aguiadourada.com/pdf/Ogboni.pdf


Publicado por: Myleo Geraldo

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