Whatsapp

Contrastes educacionais no Brasil

Clique e descubra quais são os contrastes educacionais existentes no Brasil.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1. Análise do cenário educacional brasileiro numa perspectiva regional

No texto Desigualdades regionais no sistema educacional brasileiro, apresentado no seminário “Desigualdade e Pobreza no Brasil”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 12 a 14 de agosto de 1991, a autora Maria Helena Guimarães de Castro[1], analisa as principais características das desigualdades regionais no sistema educacional brasileiro que enfatizam as diferenças sociais e econômicas entre as regiões mais ricas (Sul e Sudeste) e as menos desenvolvidas do país (Norte e Nordeste). Segundo Castro, na década de 90 o Brasil intensifica o esforço de universalização do ensino fundamental objetivando combater o alto índice de analfabetismo. Conforme a autora:

Essa política promoveu um declínio mais acelerado do analfabetismo nos grupos etários mais jovens, imprimindo-lhe um forte viés geracional. Por outro lado, desenhou-se uma clara tendência de regionalização do analfabetismo e de sua concentração nas regiões Norte e Nordeste, nas áreas rurais de todo o país e nas periferias dos grandes centros urbanos. (CASTRO, 1999, p. 428).

De acordo com a autora, as regiões Sul e Sudeste retratam bem, na década de 90, o vigoroso impacto da universalização do ensino fundamental na erradicação do analfabetismo jovem, reduzindo-o a taxas inferiores a 3% na população até 24 anos (PNAD, 1996). Contudo, este processo não ocorre simultaneamente e no mesmo ritmo nas demais regiões, a autora tece algumas considerações a respeito:

Situação distinta é observada no Nordeste, que somente nos últimos quatro anos conseguiu lograr importantes avanços na ampliação da cobertura escolar de sete a 14 anos. Cabe notar, no entanto, que, embora ainda mantenha taxas de analfabetismo extremamente elevadas em todas as faixas etárias, o Nordeste também vem apresentando uma rápida redução do analfabetismo na população de 15 a 24 anos. Esta tendência deverá se acentuar na próxima década, refletindo mais intensamente a universalização do acesso ao ensino fundamental alcançada na segunda metade da década de 90, especialmente em decorrência das políticas implementadas, como o Fundef e o Projeto Nordeste de Educação Básica. Quando a situação do Nordeste é contrastada com os indicadores de analfabetismo do Sul e Sudeste, constata-se que na década de 90 houve um alargamento dos desníveis que eram observados no início da década de 80. Na realidade, é preciso frisar que esse fenômeno está diretamente relacionado ao avanço do processo de universalização do ensino fundamental e, mais recentemente, de massificação do ensino médio. Ambos os movimentos experimentaram impulsos com larga defasagem temporal nas diferentes regiões do país. Por isso, o recuo do analfabetismo foi mais lento nas regiões em que a universalização do ensino fundamental ainda está em curso. (CASTRO, 1999, p.429).

Conforme o trecho acima, a ideia era de que por meio da universalização do ensino fundamental poderia se alcançar a erradicação do analfabetismo no país, promovendo a igualdade social, porém, este processo não ocorreu conforme o esperado, e, conquanto o Nordeste na época tenha apresentado rápida redução do analfabetismo, ainda há uma distância muito grande a percorrer quando comparado com os índices das regiões Sul e Sudeste.  

Desde 1970, as regiões Norte e Nordeste sofrem com as disparidades em relação ao sistema de ensino. Por exemplo, nos anos de 1970; 1980; 1991 e 1996 a taxa de analfabetismo na região Norte foi respectivamente de 33,0%; 29,3%; 24,3% e 12,4%. Concomitante, a região Nordeste apresentava taxas de analfabetismo respectivamente de 54,2%; 45,5%; 37,6% e 28,7%. Ao passo que a região Sudeste apresentava durante os mesmos anos taxas de analfabetismo de 23,6%; 16,8%; 12,3% e 8,7%. Da mesma forma, a região Sul apresentava respectivamente 24,7%; 16,3%; 11,8% e 8,9 %.

Posto isto, percebe-se com base nos dados acima que houve uma significativa queda percentual do índice de analfabetismo, porém se analisarmos criticamente os dados veremos que embora tenha havido uma diminuição do índice de analfabetismo do país, as regiões Norte e Nordeste continuaram sofrendo com as disparidades educacionais. Primeiro porque, desde 1970 ambas apresentavam um índice de analfabetismo superior aos das regiões Sul e Sudeste e, portanto na “corrida contra o tempo” para diminuir o analfabetismo ingressaram com grande desvantagem. Segundo, porque este desnível e/ou desvantagem permaneceu durante as demais décadas. Logo, mesmo havendo uma diminuição do analfabetismo de forma geral, as regiões Norte e Nordeste continuaram a ter um índice de analfabetismo superior aos das regiões Sul e Sudeste, grosso modo, na corrida contra o tempo para erradicação e/ou diminuição do analfabetismo as regiões Norte e Nordeste continuaram “segurando a lanterninha”.

Conforme Castro (1999) o desempenho do ensino fundamental no Nordeste prossegue abaixo da média nacional, em virtude de haver um descompasso de mais de um decênio quando comparada com os índices das regiões Sul e Sudeste, logo o Nordeste precisaria de 10 anos para atingir o patamar das demais regiões.

Este quadro não era animador, porém, Castro, se mostra otimista e afirma que, muito provavelmente, esta desigualdade diminuirá de forma significativa na década seguinte, em decorrência da universalização do acesso ao ensino fundamental. O estudo realizado pela autora ainda enfatiza o fato das regiões Norte e Nordeste expandirem a oferta do ensino fundamental, sobretudo, na segunda metade da década de 90, proporcionando uma significativa redução do déficit de cobertura escolar, visto que anteriormente o acesso era restrito.

Cumpre, portanto, perguntar: a universalização do ensino fundamental realmente erradicou ou pelo menos diminuiu de forma significativa a taxa de analfabetismo? O fato das regiões Norte e Nordeste terem expandido na década de 90 a oferta do ensino fundamental, fez com que as mesmas obtivessem um resultado positivo nas décadas seguintes?  Para tentar elucidar tais questões é mister analisar os novos dados obtidos até o ano de 2009.

Estudos mais recentes realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE), apontam que apesar de avanços ainda há muita desigualdade no cenário educacional brasileiro. Ao que parece, o Brasil está dividido geograficamente no que concerne à educação. Os notáveis índices de analfabetismo e de precariedade escolar abrangem a maior parte, porém, não unívoca, das regiões norte e nordeste do país. O estudo [2] lançado em 18 de novembro de 2010 enfatiza as diferenças existentes no acesso à educação entre o período de 1992 a 2009, para ricos e pobres, brancos e negros e população urbana e rural, contudo, ainda é possível notar-se a disparidade existente do ponto de vista regional, sobretudo, entre as regiões Norte/Nordeste e Sul/Sudeste, foco norteador deste trabalho.

De acordo com o Comunicado do IPEA n° 66: PNAD 2009 - Primeiras Análises: Situação da educação brasileira - avanços e problemas, a média de anos de estudo na população de 15 anos ou mais de idade é de 7,5 [3]. Neste contexto, a região Norte cresceu anualmente apenas 0,10 anos, a região Nordeste 6,3 anos e a Sudeste 8,2 sobrepondo-se as demais.

Há também, de acordo com a pesquisa, contrastes educacionais no que se refere à taxa de analfabetismo, os números revelam que a população brasileira apresenta uma elevada taxa de analfabetismo, mesmo se comparados à de outros países do próprio continente sul-americano, como Equador, Chile e Argentina. Geograficamente, a maior taxa de redução de analfabetismo coube a região Nordeste, de 32,7% em 1992, para 18,7%, em 2009. Porém, embora este resultado seja entusiasmaste é ilusório, uma vez que a região ainda representa o maior índice de taxa de analfabetismo do país concentrando 53% do total de analfabetos da faixa etária analisada (15 anos ou mais de idade). Até mesmo há diferenças educacionais em relação aos mais ricos de cada região, por exemplo, a taxa de analfabetismo entre os mais ricos é de 1,6% no Sudeste enquanto no Nordeste é de 3,8%.

Diante deste contexto, a pesquisa realizada pelo IPEA, aponta alguns fatores preponderantes concernentes ao alto índice de analfabetismo:

(a) o analfabetismo é bem mais acentuado na população negra; (b) as regiões menos desenvolvidas, os municípios de pequeno porte e a zona rural apresentam piores índices: (c) o analfabetismo está fortemente concentrado na população de baixa renda; (d) o percentual e a quantidade de analfabetos são maiores nas faixas etárias mais altas; e, (e) apesar de o índice ser menor, existem, ainda, analfabetos jovens, o que significa que o sistema educacional continua produzindo analfabetos. Além disso, constatou-se que a taxa de analfabetismo dentro de uma mesma geração é pouco sensível a mudanças com o passar dos anos, ou seja, cada geração permanece alheia à melhora do sistema educacional. Isso quer dizer que a queda do analfabetismo se processa mais pelo efeito demográfico do que pelas iniciativas do governo ou da sociedade civil. A queda do analfabetismo está ocorrendo, portanto, pela escolarização da população mais nova e pela própria dinâmica populacional. (Comunicado do IPEA n° 66: PNAD 2009 - Primeiras Análises: Situação da educação brasileira - avanços e problemas, 2010, p. 12-13).

Além disso, a pesquisa chama a atenção para um fator importante, a taxa de frequência dos alunos à escola. É sabido que o ensino fundamental aumentou sua duração para noves anos, devido a Lei nº 11.274 aprovada em 2006. Assim, a educação infantil, hoje, compreende as crianças de até 3 anos ( creches) e de 4 e 5 anos ( pré-escola). Segundo a pesquisa, a taxa percentual sobre frequência está abaixo do que havia sido esperado pelo Plano Nacional de Educação (PNE), e, mais uma vez, observa-se as diferenças regionais que insistem em pairar sobre o cenário educacional brasileiro, pois na região Sul 24,1% das crianças frequentavam a creche em 2009 e na região Norte apenas 8,2%. Já na pré-escola, ocorreu o inverso, no Nordeste 85,8% das crianças de 4 a 6 anos estão na escola, enquanto que na região Sul a taxa é de 71,0%. Conforme a autora, essa situação é, em parte, resultado de políticas e programas federais que priorizaram o Nordeste na expansão de vagas.

Também é feita uma análise sobre a taxa percentual dos índices de frequência, para faixa etária de 15 a 17 anos, na qual, consta que as diferenças de acesso persistem entre as regiões Sudeste e Norte. Na primeira, 60,5% dessa população frequentava o ensino médio e na segunda apenas 39,1%. Ainda de acordo com a pesquisa:

(...) para os jovens dessa faixa etária que estão cursando o ensino médio, repetem-se os problemas de fluxo escolar, o que acarreta taxas médias esperadas de conclusão também inadequadas (...) A estimativa é de que apenas 66,6% dos alunos que ingressam no ensino médio o concluam. A maior desigualdade observada entre regiões, nesse indicador, é entre o Norte (com 62,7%) e o Sudeste (69,3%). (Comunicado do IPEA n° 66: PNAD 2009 - Primeiras Análises: Situação da educação brasileira - avanços e problemas, 2010, p. 21).

Por fim, a pesquisa faz uma análise da frequência da população em relação ao ensino superior, e novamente ocorre uma disparidade entre as regiões Sul e Nordeste, na primeira, 19,2% da população na faixa analisada (18 a 24 anos) freqüentava o ensino superior em 2009, contra 9,2% no Nordeste.

O estudo do IPEA finaliza a pesquisa com a seguinte conclusão: um dos maiores desafios é a melhoria da qualidade do ensino para todos os níveis e modalidades da educação brasileira, prestando atenção redobrada às novas necessidades de conhecimentos e habilidades requeridas no atual processo de desenvolvimento econômico e social.

Desta forma, pode-se deduzir as respostas das perguntas elencadas anteriormente. A universalização do ensino fundamental realmente não erradicou e não diminuiu de forma significativa a taxa de analfabetismo e o fato das regiões Norte e Nordeste terem expandido na década de 90 a oferta do ensino fundamental, não fez com que as mesmas obtivessem um resultado positivo na década de 2000.

Portanto, nota-se que ainda há um longo caminho a percorrer. É preciso programar medidas que de fato assegurem a melhoria do ensino fundamental, bem como para a educação infantil e os demais níveis de escolarização, é necessário muito mais do que apenas garantir o acesso, mas sim garantir a erradicação dessas desigualdades regionais existentes no âmbito educacional brasileiro, a fim de que todas as regiões atinjam um patamar ideal da qualidade de ensino de forma igualitária.

1.1 Escola Pública X Particular: Um embate persistente

Conforme explicitado na seção anterior, é possível observar as desigualdades regionais persistentes no cenário educacional brasileiro. Diante de tais considerações, torna-se necessário analisarmos as disparidades existentes entre o ensino público e o privado.

Com base nos dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2009, divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), consta que 26% das escolas públicas não alcançaram a meta nacional inerente às séries iniciais e 35% das escolas públicas dos anos finais do ensino fundamental II não alcançaram a meta estipulada pelo governo federal.

Em uma reportagem intitulada “Ideb: 35% das escolas públicas não alcançam metas nos anos finais do ensino fundamental” lançada em cinco de julho de 2010, a Revista Época [4] ao citar uma reportagem da Folha de S. Paulo, expõe o fato de que, embora tenha ocorrido uma diminuição na distância entre os resultados das redes públicas e privadas no Ideb, entre 2005 e 2009, ainda existe uma diferença muito grande no desempenho dos alunos das escolas particulares em relação às públicas. Como demonstra a pesquisa um estudante que termina o ensino fundamental em escola particular sabe mais que um formando do ensino médio público, ou seja, partindo desta comparação pode-se afirmar que a rede pública está três anos atrás da particular.

Diante desses dados, nota-se a complexidade inserida no cerne da educação brasileira, já que além de as desigualdades regionais apresentadas anteriormente, a população ainda precisa lidar com as disparidades existentes entre o ensino público e privado.

Cumpre, em virtude disso, perguntar: Como a educação se constituiu e se constitui no Brasil? E qual a origem de tantas desigualdades? Nas próximas seções, nos dedicaremos a essas questões.

2. História da educação no Brasil: aspectos relevantes

Nesta seção, faremos um mapeamento conciso sobre a evolução da educação no Brasil, resgatando alguns fatos históricos que corroboraram para o reflexo da educação nos dias atuais.

No Brasil a obra educativa da Companhia de Jesus contribuiu significativamente para a importação de formas de pensamento e ideias dominantes na cultura medieval européia. Deste modo, a classe dominante detentora do poder político e econômico, tornara-se também detentora dos bens culturais importados. Como afirma Romanelli:

(...) A primeira condição consistia na predominância de uma minoria de donos de terra e senhores de engenho sobre uma massa de agregados e escravos. Apenas àqueles cabia o direito à educação e, mesmo assim, em número restrito, porquanto deveriam estar excluídos dessa minoria as mulheres e os filhos primogênitos, aos quais se reservava a direção futura dos negócios paternos. (ROMANELLI, 1978.p.33).

Por conseguinte, a educação escolarizada estava destinada a um limitado grupo de pessoas pertencentes à classe dominante.  Foi a educação dada pelos jesuítas, convertida em educação de classe, mais precisamente da elite com características que tão bem distinguiam a aristocracia rural brasileira, que atravessou todo o período colonial e imperial e  atingiu o período republicano , sem ter sofrido, em suas bases, qualquer modificação estrutural, mesmo quando a demanda social de educação começou a aumentar, chegando às camadas mais baixas da população e obrigando a sociedade a ampliar sua oferta escolar. A educação, portanto, tornou-se o símbolo da própria classe, almejado por todo aquele que desejasse adquirir status.

Posteriormente, com a expulsão dos Jesuítas em 1759, e com um intervalo de 13 anos para ocorrer a substituição do sistema jesuítico, ocorreram os seguintes fatos respectivamente: a) foi implementado um sistema de diversificação de disciplinas isoladas; b) os leigos começaram a ser introduzidos no ensino, c) o Estado, por sua vez, assumiu  os encargos da educação. Entretanto, como afirma Nelson Werneck Sodré apud Romanelli, (1978, p.35) “embora fragmentário e rebaixado de nível, o ensino mais variado nos seus aspectos orientou-se para os mesmos objetivos religiosos e literários”.

Ou seja, permaneceu a concepção de uma educação livresca, na qual a autoridade e a disciplina se realizavam por meio de métodos antiquados como, por exemplo, palmatórias. De acordo com Freitag:

Assim a igreja, utilizando – se também da escola, auxiliou a classe dominante (latifundiários e representantes da coroa portuguesa), da qual participava, a subjugar de forma pacífica as classes subalternas às relações de produção implantadas. (FREITAG, 1986, p. 48).

Já no século XIX, surge uma estratificação social mais complexa do que a predominante no período colonial. Conforme Romanelli (1978), isto se deve, em virtude do surgimento de uma camada intermediária que se fez mais presente na zona urbana e consequentemente passou ser mais ativa na vida social, não porque estava ligada a atividades produtoras, tais como, artesanato, pequeno comércio e a burocracia, mas principalmente pelo comprometimento político. Assim, o período que se seguiu à Independência política viu também diversificar-se um pouco a demanda escolar: a parte da população que então procurava a escola já não era apenas pertencente à classe oligárquico-rural, aos poucos se somava a pequena camada intermediária, que objetivava a ascensão social aliando-se a classe dominante. Dito isto, cabe ressaltar que o ensino na época do Império estava completamente fragilizado. Conforme Piletti:

(...) o ensino brasileiro, ao iniciar-se o século XIX, estava reduzido a pouco mais que nada, em parte como consequência do desmantelamento do sistema jesuítico, sem que nada de similar fosse organizado em seu lugar. (PILETTI, 1989, p. 37)

Neste período, o príncipe Regente D. João, permaneceu no Brasil por 12 anos, o mesmo contribuiu para a introdução dos primeiros cursos superiores na Colônia. Logo, houve uma espécie de monopólio do ensino superior, contribuindo assim, para elitizar novamente o ensino. O ensino secundário então assumiu o papel de preparar os candidatos ao ensino superior tal como afirma Piletti:

Sobre o império: (...) a principal preocupação do governo, no que diz respeito à educação, era a formação da elite dirigente, objetivo que o levou a concentrar seus esforços no ensino secundário e superior. (...) Ao Fim do império: (...) havia uma parcela mínima da população – os jovens das classes dominantes tendo acesso aos estudos.  (PILETTI, 1989, p. 24 - 43)

A Constituição de 1891, que instituiu o sistema federativo de governo, consagrou a dualidade do sistema de ensino, que se vinha mantendo desde o Império, distinguindo-se da seguinte forma, as escolas secundárias acadêmicas e escolas superiores pertenciam às classes dominantes, já a escola primária e escola profissional eram destinadas à classe dominada, ou seja, a população. Depois da vitória do federalismo que dava plena autonomia aos Estados, acentuou, não só no plano econômico, mas também no plano educacional, as disparidades regionais:

(...) os Estados que comandavam a política e a economia da Nação e eram, em consequência, sede do poder econômico, estavam em condições privilegiadas para equipar, com melhores recursos, o aparelho educacional, enquanto os Estados mais pobres (..) ficavam a mercê de sua própria sorte.(ROMANELLI, 1978,p.43).

Desta forma, a educação e a cultura tomam impulso em determinadas regiões, como por exemplo, Sudeste, sobretudo, em São Paulo, e o restante dos Estados seguem, conforme Fernando Azevedo apud Romanelli, (1978, p.45) “sem transformações profundas, as linhas do seu desenvolvimento tradicional, predeterminantes na vida colonial e no regime do Império.” Do ponto de vista demográfico, a população ainda não se concentrava fortemente na zona urbana e sim na zona rural, esta por sua vez, não se interessava pela educação, uma vez que para as práticas arcaicas utilizadas para o cultivo, a mesma não era considerada necessária, enquanto que para as classes médias e operárias se fazia necessária para ascender socialmente e obter o mínimo de instruções para conseguir um emprego nas poucas fábricas até então existentes. Contudo, a demanda escolar teria o seu ritmo acelerado pelo forte crescimento da urbanização ocasionado pelo impulso dado à industrialização após a I Guerra Mundial e acentuado depois de 1930[5].

Neste período também, houve o reinício das lutas ideológicas em torno do projeto de Lei das Diretrizes e Bases. O marco mais importante, talvez seja o Manifesto dos Pioneiros da Educação, de 1932, no qual cobrava uma ação vigorosa do Estado, no sentido de que este, se não elimina, pelo menos não deixe aumentar as distâncias já então existentes entre as classes, no que se refere às oportunidades educacionais. Criticando a estrutura educacional dual existente, já que a mesma subdividia-se em ensino primário e profissional para os pobres e ensino secundário superior para os ricos, o Manifesto propõe uma substituição deste sistema por outro, de estrutura unificada, organizado da seguinte forma: as escolas pré-primárias e o ensino primário único, este último deveria ser articulado ao secundário e o ensino superior deveria ser mais diversificado, organizando-se em cursos para as carreiras liberais e para as profissões técnicas.

Todavia a Constituição de 1937, em seu artigo 129, se referia ao ensino profissional como um ensino destinado às classes menos favorecidas, porém, ao oficializar o ensino profissional, como ensino destinado aos pobres, estava o Estado cometendo um ato lesivo aos princípios democráticos, estava o Estado instituindo oficialmente a discriminação social, através da escola. E fazendo isso, estava orientando a escolha da demanda social da educação.

Concomitante, a expansão capitalista não se fez de forma igualitária em todo território brasileiro, consequentemente a demanda escolar também não. A mesma se desenvolveu apenas nas zonas onde se intensificaram fortemente as relações de produção capitalista, o que acarretou disparidades mais profundas no sistema educacional brasileiro. Conforme Cunha:

Os setores de mais baixa renda da sociedade brasileira têm menos chances de entrar na escola; quando entram, o fazem mais tardiamente e em escolas de mais baixa qualidade. Isso faz com que seu desempenho seja mais baixo e, em consequência, sejam reprovados mais frequentemente. (CUNHA, 1975, p. 169).

Além disso, o processo de industrialização aguçou a luta de classes: de um lado, ocorria pressão social de educação, do outro, o controle das elites mantidas no poder que buscavam conter a pressão popular pela distribuição limitada de escolas e por meio da legislação do ensino, manter o seu caráter “elitizante”. Como afirma Cunha:

Mas foi na sociedade capitalista que se concebeu uma nova função para a escola: a de reclassificar as pessoas oriundas das diferentes classes sociais conforme suas motivações e potencialidades inatas. (CUNHA, 1975, p. 113).

Com o crescimento econômico proveniente do capitalismo-industrial, nasce a necessidade de aumentar os índices de escolarização em todos os níveis, uma vez que houve a transferência dos setores tradicionais para os modernos. A educação fica responsável por preparar os novos contingentes para as novas atividades em expansão.

Assim, surge o ensino médio profissional, surgindo o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) em 1946 e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) [6] em 1942, instituições mistas criadas pelo governo, mas mantidas, a primeira pelo Comércio e a segunda pela Indústria, ambas com escolas profissionais de nível pós - primário em todo território nacional. Isso influenciou de forma significativa a população, já que as classes média e baixa, que tem necessidade de trabalhar desde a adolescência, tende a procurar nas escolas cursos que profissionalizem a meio caminho da vida escolar, daí o motivo do aumento da procura dos cursos técnicos comerciais e normais.

Devido ao grande salto que teve o desenvolvimento do ponto de vista demográfico, a expansão escolar esteve longe de ser suficiente e adequada para suprir as novas necessidades exigidas pela sociedade brasileira. Consequentemente cresce o número de analfabetismo, surgindo o Movimento Brasileiro para Alfabetização (MOBRAL) em 1967 que “iniciou suas atividades regularmente em setembro de 1970. Seu objetivo prioritário era a alfabetização da população urbana analfabeta de 15 a 35 anos.” (CUNHA, 1975, p. 255).

Esta ineficiência da expansão do ensino evidencia-se pelo fato de que em 1950, no Estado mais rico do país, a saber, São Paulo, 42,9 % de crianças da faixa etária de 7 a 14 anos, estavam sem receber educação, em 1964 em todo território nacional, ainda havia 33,72 % da mesma faixa etária na mesma situação. E este descompasso, como afirma Romanelli (1978), é mais evidente entre a zona rural e a zona urbana[7].

Isso se deve pelo fato da zona rural não ter sido atingida, pelo menos em sua maior parte, pelas transformações nas relações de produção que o capitalismo conseguiu introduzir com a industrialização na zona urbana, uma vez que o sistema agrícola fundamenta-se, segundo Romanelli (1978), em relações de caráter semifeudal e em processos arcaicos de produção, não exigindo o mínimo de qualificação para o trabalho.

Ademais, havia a presença de um grande número de repetentes e inscritos em atraso, impedindo o ingresso de igual numero de crianças, que poderiam estar na escola na idade certa.

A autora também enfatiza o grau de seletividade, por exemplo, de cada 1.000 alunos admitidos na 1 ª série primária, em 1960 apenas 56 conseguiam o ingresso no ensino superior, em 1971, conforme dados do Ministério da Educação e Cultura (MEC), visto que  nesta época ¾ da população ou não tinha nenhuma escolaridade ou a tinha insuficientemente, sem ao menos ter o completo domínio da alfabetização. A escola permanecia com uma estrutura arcaica, conteúdos alienados à realidade histórica e ao mesmo tempo métodos tradicionalistas a base de memorização contribuindo para a reprovação nas escolas. Além de a porcentagem de mestres leigos e mal preparados.

Contudo, queremos chamar a atenção para o fato de que nesta época as disparidades regionais permaneceram inalteradas, embora a educação estivesse prejudicada como um todo.

A autora afirma que os estados mais ricos contam com instituições educacionais mais produtivas e, portanto, com um sistema escolar em melhores condições de atuar na realidade do que estados considerados mais pobres. Conforme Romanelli:

(...) as diferenças regionais geradas pelo sistema econômico e, com base no crescimento espontâneo, acabaram a seu turno por fazer com que o sistema educacional se transformasse num instrumento de perpetuação dessas desigualdades. (ROMANELLI, 1978, p. 88)

E não só Romanelli evidencia isso, como também Cunha em sua obra intitulada “Educação e Desenvolvimento Social no Brasil”, na qual também demonstra por meio de dados percentuais as desigualdades educacionais existentes, por exemplo, durante a década de 70[8]:

A taxa média de escolarização em todo o país era de 66,3%, havendo estados com taxas extremamente baixas, como é o caso do Acre (34,5 %), Ceará (39,9%), Piauí (40,3%), Maranhão (41,1%) e Alagoas (42,5%); outros apresentavam taxas bem mais elevadas como Guanabara (91,8%), Rio Grande do Sul (86.7%) e São Paulo (84.6%). Havia 16 estados e territórios (em 25) com menos de dois terços das crianças de 7 a 10 anos escolarizadas, sendo que 9 deles não tinham sequer a metade delas freqüentando escola. (CUNHA, 1975, p. 135)

O ensino primário, que deveria ser gratuito, obrigatório e universal, passou a ser privilégio social das áreas em expansão demográfica e econômica, concentrando também pelo mesmo motivo, as desigualdades entre zona rural e urbana.

A escola transforma-se assim num privilégio das cidades e das regiões mais desenvolvidas devido ao sistema socioeconômico vigente. Neste caso, reforça-se a luta de classes, de um lado as camadas populares queriam garantir seu acesso às posições altas, do outro era preciso manter o controle da expansão de forma que ela assegurasse certo tipo de seletividade, capaz de diante da impossibilidade de conter a demanda, fazer com que subissem apenas os “mais capazes”. O conceito de capaz passou a ser medido pela capacidade da população de se adequar aos padrões estabelecidos e dominá-los. Na verdade, o que importava era a capacidade dos alunos de reter informações de uma educação livresca e aristocrática, e se tratando desse tipo de ensino é óbvio que os alunos pertencentes à elite obteriam maior desempenho que os demais, em outros termos, é evidente que aqui se enraizava a discriminação social promovida pelo sistema, pois a luta pela escola  que mais significava, não era a capacidade real do aluno e sim sua origem social.

Pela explicitação desses fatos, nota-se que a educação até o final do Império, segundo afirma Florestan Fernandes apud Romanelli (1978, p.97), era usada como símbolo de classes, e a situação não mudou após a proclamação da República, pois os sujeitos procuravam o ensino para obter prestígio social. Na próxima seção detalharemos as mazelas da educação no Brasil, durante as décadas de 60 e 70, herança dos chamados “anos de chumbo”.

2.1 A herança do regime militar

Entre os períodos de 1964 e 1968, o Brasil resolve assinar uma série de convênios entre o MEC e seus órgãos e a Agência para o Desenvolvimento Internacional (AID), devido ao aceleramento do crescimento da demanda social da educação, agravando assim, a crise que já vinha de longe. Por influência da assistência técnica da USAID, o governo percebeu que deveria adotar medidas para adequar o sistema educacional ao modelo de desenvolvimento econômico que se intensificava no Brasil. Conforme Moacir Gadotti (1986), a política econômica implantada começa desde 1965 a exercer pressões sobre a universidade para atrelá-la ao modelo de desenvolvimento imposto. Inaugura-se, então uma nova política educacional no país.

De acordo com Cunha (1975) o objetivo da reforma do ensino superior (1968), bem como a do ensino médio (1971) era conter o crescente contingente de jovens das camadas médias que buscavam por meio do ensino superior um requisito cada vez mais necessário, embora não fosse o suficiente para a ascensão nas burocracias ocupacionais. Logo, como afirma o autor:

A institucionalização da pós – graduação desempenha, então, a função de restabelecer o valor econômico e simbólico do diploma, agora em um nível mais elevado, acessível apenas a uma parte seleta (em termos intelectuais e de renda) dos graduados. (CUNHA, 1975, p. 285).

 O Ministro da Fazenda, até então, Roberto Campos, entrega a elaboração do orçamento nacional a técnicos americanos. Já a reorganização do sistema educacional brasileiro foi entregue pelo até então, Ministro da Educação, Raymundo Moniz de Aragão aos técnicos oferecidos pela AID, sob a responsabilidade de “reformular” a estrutura da universidade brasileira.

Entretanto, a ajuda internacional concentrou-se em privilegiar apenas o ensino superior, que nessas sociedades em fases de modernização, tem como função primária definir ou redefinir a situação dos indivíduos na estrutura social, e, sendo assim, a ajuda obviamente veio beneficiar as camadas mais altas da população. Ou seja, como afirma Freitag (1986) a educação novamente está a serviço dos interesses econômicos que fizeram necessária sua reformulação e “essa afirmação encontra seu fundamento nos pronunciamentos oficiais, nos planos e leis educacionais e na própria atuação do novo governo militar.” (FREITAG, 1986, p. 77). Sobre este período, a autora tece algumas considerações sobre o governo Castello Branco:

O Governo Castello Branco em 1964 afirma “o objetivo de seu governo seria restabelecer a ordem e a tranquilidade entre estudantes, operários e militares.” Excluindo o grupo dos militares podemos dizer que com a nova legislação promulgada pelo governo militar, visa-se de fato criar um instrumento de controle e de disciplina sobre os estudantes e operários. (FREITAG, 1986, p. 78).

A USAID abrangeu todo o sistema educacional, em seus níveis primário, médio e superior, no ramo acadêmico e profissional, com ênfase no primeiro, além de o seu funcionamento: reestruturação administrativa, planejamento e treinamento de pessoal docente e técnico.

Já o ensino profissionalizante mantinha um nível de treinamento e de escolaridade baixo, o bastante para evitar pressões sociais por melhorias salariais. A profissionalização do nível médio objetivava selecionar apenas “os mais capazes” para a Universidade, dar ocupação aos “menos capazes” e concomitantemente conter a demanda de educação superior em limites mais estreitos. Conforme Cunha:

E é justamente o profissional de nível médio, aspirante à universidade, que a empresa em questão quer substituir em seus quadros pelos satisfeitos e motivados jovens interioranos agradecidos pela “oportunidade”, e vacinados contra os efeitos nocivos de ascensão escolar/ ocupacional/ social. (CUNHA, 1975, p. 286).

Pode-se citar, por exemplo, o relatório Atcon que conforme Gadotti (1986) foi elaborado por Rudolph Atcon (professor da universidade de Huston), intitulado Rumo à reformulação estrutural da universidade brasileira, no qual descreve que a universidade brasileira não presta serviços à comunidade e que esta deveria ser sua obrigação. Porém, por “comunidade” Atcon entende a empresa capitalista e não faz nenhuma menção às necessidades básicas no que concerne a educação da maioria da população.

Um dos objetivos principais da reforma universitária seria estrangular economicamente a universidade e diminuir seu potencial crítico, logo, toda pesquisa engajada em problematizar as verdadeiras necessidades da população, seria eliminada, havendo um declínio da qualidade de ensino na área de ciências humanas e da educação. Ademais, havia a proposta de diminuir as verbas destinadas à educação e repassá-las para projetos que teriam mais “retorno” em termos políticos[9]. Segundo Gadotti, “havia uma importante razão política para toda essa investida contra a universidade: nos últimos anos ela tem ampliado sua capacidade crítica e sua capacidade de mobilização social” (GADOTTI, 1986, p. 130) [10].

A respeito da ajuda internacional para o desenvolvimento da educação e a atuação da USAID no Brasil, “poder-se-ia deduzir que a modernização, de modo geral, teria como função integrar melhor o Brasil na expansão do capitalismo ocidental e mantê-lo, todavia, em sua posição periférica” (ROMANELLI, 1978, p. 257). Percebe-se que a introdução da tendência tecnicista no Brasil em meio à ditadura militar deteriorou o sistema educacional como um todo e “prejudicou, sobretudo as escolas públicas, uma vez que nas boas escolas particulares essas exigências eram contornadas.” (ARANHA, 2006, p. 315).

Portanto, nota-se por meio desta explicitação, uma tendência à elitização do ensino, surgida desde a época colonial e perpetuando-se nos demais períodos da história brasileira. As disparidades regionais, bem como as desigualdades existentes entre ensino público e privado e a enfatização do ensino técnico profissionalizante conforme explicitados nas seções anteriores deste trabalho são provenientes desse processo histórico.

Ademais, no artigo intitulado “A evolução da educação no Brasil e seu impacto no mercado de Trabalho”, Menezes – Filho trata a temática da importância da educação como fator explicativo para a desigualdade brasileira. Citando Langoni[11], o autor explicita melhor essa problemática entre o período ditatorial:

(...) Langoni mostrou que parte do aumento da desigualdade no Brasil entre 1960 e 1970 ocorreu devido ao aumento na demanda por trabalhadores qualificados associado à industrialização. Barros (1997, 2000), dando sequência ao trabalho de Langoni (1973), enfatizou que um dos principais problemas sociais no Brasil decorrem do baixo nível e da má distribuição da educação na população brasileira. (MENEZES – FILHO, 2001, p. 6)

Concomitante demonstra as desigualdades educacionais regionais presentes no ano de 1997:

(...) as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste são aquelas com maior concentração de pessoas com menor nível educacional. Por exemplo, na região nordeste, a parcela da população com menos de 4 anos de estudo chega a 46%, ou seja, quase metade da população nordestina não tem os conhecimentos básicos derivados do ensino formal. Por outro lado, cerca de 45% da população residente nas regiões Sul e Sudeste, tem pelo menos o ensino fundamental completo, ou seja mais de 7 anos de estudo. (MENEZES – FILHO, 2001, p. 14).

Logo, evidencia-se que um dos principais problemas na evolução do ensino no Brasil foi a precariedade no que diz respeito à transição dos indivíduos do ensino médio para o ensino superior, uma vez que a  ajuda internacional da USAID fez com que houvesse uma espécie de “funil seletivo” impedindo-os de ingressar de fato em um curso superior.  Menezes – Filho, conclui seu artigo articulando a “importância da educação como mecanismo gerado de desigualdade de renda” (MENEZES-FILHO, 2001, p. 40), com “as demais condições de trabalho ou da busca por trabalho destas pessoas” (MENEZES – FILHO, 2001 p. 29).  E é categórico ao afirmar:

Observou-se uma melhora no nível educacional da população brasileira, mas mostrou-se que esta melhora foi pequena, quando comparada com processos semelhantes ocorridos em outros países, mesmo aqueles em estágio mais atrasado de desenvolvimento econômico que o Brasil. Argumentamos que este atraso na evolução educacional é causada em parte pela diminuição da transição do ensino médio para o ensino superior nas últimas décadas e em parte pela evasão escolar entre os mais pobres, que abandonam o sistema antes de concluir o ensino fundamental. (MENEZES – FILHO, 2001, p. 40)

Portanto, nota-se que o ritmo do progresso educacional no Brasil foi lento em comparação com outros países do mundo e isto se deve em grande parte ao retrocesso da democratização por conta do regime militar que, por sua vez, colaborou ainda mais para fortificar as diferenças de classe e manter a cultura tida como “valorizada” no poder da elite.

2.2 Ensino Técnico: Solução ou não?

Um artigo publicado na Revista Lusófona de Educação, em 2006, intitulado “Ensino Profissional de jovens Um Percurso Escolar Diferente para a (Re) Construção de Projectos de Vida”, Maria Helena Madeira, trata a temática do ensino profissional inicial, o mesmo teria como tarefa dupla, preparar os alunos para o ensino superior e para a vida ativa, isto é, apresenta-se como um nível preparatório para os que pretendem prosseguir nos estudos, e um nível terminal para os que pretendem ingressar no mercado de trabalho. Os dados para fonte de pesquisa foram colhidos em dois pólos de uma escola de ensino profissional localizados numa área suburbana de Lisboa.  Madeira, ainda enfatiza a função que o ensino exercia na sociedade:

No passado, o ensino técnico constituiu um meio de seleção escolar precoce reproduzindo majoritariamente, a origem social. Os jovens pertencentes às classes mais baixas eram orientados para esse tipo de ensino, tendo em vista, a necessidade de um emprego a curto prazo. O ensino técnico promovia uma promoção de um espectro estreito, sem grandes possibilidades de adaptação a novas situações nem ao progresso tecnológico e não dava acesso direto ao ensino superior. As marcas classistas no ensino técnico tornaram-no num ensino desprestigiado relativamente ao ensino liceal. (MADEIRA, 2006, p. 122).

Porém, a autora afirma que parece haver sinais de mudanças em relação à reformulação de seus objetivos; a alteração de conteúdos curriculares; o reforço e a valorização da formação geral e as equivalências escolares constituindo condições para um reconhecimento social do ensino técnico e profissional.

Mas o que leva o jovem a optar pelo ensino técnico profissionalizante? O referido artigo aponta alguns fatores determinantes. Segundo o mesmo, estes jovens têm um percurso marcado pelo insucesso, sentem-se desmotivados perante a escola, constituindo a essa modalidade educativa a oportunidade possível. Ainda, enfatiza que os jovens que freqüentam esta modalidade de ensino pertencem majoritariamente a estratos sociais menos favorecidos e procuram, a curto prazo, a inserção no mercado de trabalho.

Pois bem, diante de tais justificativas, se faz necessário verificar como tal modalidade influencia o cenário educacional brasileiro. É preciso verificar, se a mesma contribui de forma positiva e atende de fato as necessidades da população ou se a mesma é apenas mais um fator determinante de exclusão social, ou seja, que diferencia classe dominada (ensino técnico profissionalizante) da classe dominante (ensino superior).

A seção anterior explicitou de forma extensa como se constituiu a evolução da educação brasileira, muito embora tenha deixado de abordar alguns acontecimentos históricos, justamente para não perder o foco norteador deste trabalho.  Conforme, enfatizado anteriormente, o processo de tecnização de ensino se deu por conta da mudança implementada pelo processo de industrialização e principalmente pela mudança na economia, na qual o Brasil trocava o sistema latifundiário pelo capitalismo-industrial. Houve então, a necessidade de garantir o mínimo de escolarização para se obter instruções para o manuseio das novas práticas modernizantes. Logo os donos das indústrias necessitavam de mão – de- obra qualificada e essa, por sua vez, almejava o ingresso no mercado de trabalho como meio de garantir “ascensão social”. Cumpre, portanto, analisarmos qual o impacto que este fato histórico acarretou na sociedade brasileira.

Para tanto, me basearei na obra do renomado e polêmico sociólogo francês Pierre Bourdieu, cuja extensa publicação de trabalhos e artigos contribuiu significativamente nas últimas décadas para estudos e pesquisas na área da educação.

Embora Bourdieu tenha recebido críticas ferrenhas quanto a sua concepção no que diz respeito à educação e sua relação com as relações de força em uma sociedade de classes, sua extensa obra contribuiu de forma elucidativa para identificar problemas reais que afligem a sociedade, e mesmo que não tenha proposto “soluções” objetivas, o brilho de sua obra não pode ser apagado, visto que a mesma pode ser utilizada como instrumento de pesquisa na analise do funcionamento de grupos ou classes sociais em qualquer momento histórico.

Neste trabalho, será abordado o conceito de reprodução das relações de poder da sociedade de classes via escolarização e como essa influi nas relações simbólicas entre as classes sociais. O estudo realizado pelo referido autor em sua obra: “A Reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de Ensino” publicada em parceria com Jean-Claude Passeron feito na década de 1970, no qual analisa as desigualdades existentes na sociedade francesa. No entanto, pode-se importá-lo para intentarmos elucidar soluções para a problemática persistente inserida no cerne da educação brasileira.

De acordo com David Swartz, “a força central da obra de Pierre Bourdieu é o exame da relação entre o sistema de ensino superior e a estrutura de classes sociais.” (1997, p. 34). Bourdieu afirma que a educação serve para manter a desigualdade social em vez de diminuí-la. A reprodução das estruturas de classes ocorre sutilmente por meio do campo simbólico e cultural, uma vez que nas sociedades modernas utilizar-se de violência física seria contrariar o discurso democrático em expansão e isto obviamente não seria conveniente.

Sendo assim, a função do ensino superior seria a de garantir status e inculcar respeito pela ordem social dominante. Utilizando-se de uma camuflagem, cuja função seria apenas a de transmitir a cultura em geral de geração a geração, as instituições educacionais cumpriam uma função mais profunda: “a de reproduzir as estruturas de classes sociais, reforçando a divisão cultural e de status entre as classes.” (SWARTZ, 1997, p.35).  Ainda citando Swartz:

A teoria de Bourdieu sobre o sistema de ensino superior faz parte de uma teoria mais geral sobre a transmissão cultural (“ação pedagógica”) que estabelece relações entre o conhecimento, o poder, a socialização e a educação. Através da socialização e da educação são internalizadas disposições culturais relativamente permanentes; estas, por sua vez, estruturam o comportamento individual e grupal de tal maneira que reproduzem as relações de classe existentes. Numa ordem social estratificada, os grupos e as classes dominantes controlam os significados culturais mais valorizados socialmente e os legitimam. (SWARTZ, 1997, p.35).

Desta forma, os significados inculcados por meio da educação, são aceitos e respeitados pelos grupos subordinados na ordem social e “assim as relações de poder entre os grupos e classes sociais são mediadas por significados simbólicos; a cultura, em seu nível mais fundamental não é isenta de conteúdo político, mas expressão dele” (SWARTZ, 1997, p. 35). Estes significados dentro da sociedade de classes hierarquicamente são mais valorizados que outros, e tais significados culturais são denominados pelo autor de Capital Cultural, ou seja, refere-se a uma competência linguística e cultural socialmente herdada que facilita o desempenho escolar.  Este, por sua vez, contribuiria para perfilhar determinada vantagem econômica dos grupos detentores de uma determinada quantidade de capital cultural, já que os mesmos ocupariam socialmente posições adequadas ao seu grau de formação cultural. Para Bourdieu, o capital cultural seria transmitido por meio do habitus, termo este, utilizado para denominar o fato de que para se obter certo capital cultural, é preciso estar exposto duradouramente ao meio que cultiva os determinados aspectos culturais. Neste caso, para se obter o capital cultural socialmente valorizado, é preciso estar num ambiente que cultive tais aspectos culturais. Segundo o autor:

3.1.31 Enquanto trabalho prolongado de inculcação que produz a interiorização dos princípios de um arbitrário cultural sob a forma de um habitus durável e transferível, e, por conseguinte capaz de gerar práticas conformes a esses princípios fora de e para além de toda regulamentação expressa e de todo apelo explícito à regra, o TP (trabalho pedagógico) permite ao grupo ou à classe que delegue à AP (ação pedagógica) sua autoridade de produzir e reproduzir sua integração intelectual e moral sem recorrer à repressão externa, em particular, à coerção física. (BOURDIEU, 1970, p.47).

Pierre Bourdieu ressalta que o capital cultural valorizado, pode ser hereditariamente transmitido, na medida em que os pais e/ou a família, podem influenciar no processo de inculcação de habitus, por exemplo, uma família de classe alta, culturalmente letrada, tende a reproduzir tais aspectos a seus filhos e consequentemente os mesmos  internalizarão , já que os  dispositivos são duráveis e capazes de incorporar-se  ao indivíduo, pelo tempo em que for cultivado.

Posteriormente, estes alunos terão maiores facilidades no desempenho escolar e futuramente no ingresso ao ensino superior, uma vez que se tornaram detentores do capital cultural valorizado socialmente. A escola (trabalho pedagógico secundário) apenas tende a continuar o trabalho da família (trabalho pedagógico primário), e privilegia àqueles que já possuem os dispositivos necessários para aumentar seu capital cultural e, além disso, promover o ethos de classe, isto é, um sistema de valores implícitos que quando internalizados influenciam as perspectivas e as expectativas em relação às oportunidades escolares, em outros termos, quem domina o capital cultural valorizado, elitizado, tem a certeza de que será bem sucedido academicamente, já quem provém de classes “inferiores”, por assim dizer, possuem incertezas sobre seu futuro e acabam não almejando o ingresso no ensino superior, ou seja, ocorre uma seleção por meio de uma alto-seleção/avaliação.

O autor ainda estende o conceito de capital cultural valorizado classificando-o em três tipos: o incorporado, o objetivado e o institucionalizado. O primeiro se constitui sob a forma de disposições duráveis do organismo, ou seja, a acumulação do capital cultural exige uma incorporação, tornando-se parte da pessoa, um habitus. O segundo existe sob forma de bens culturais tais como, quadros, livros, dicionários, instrumentos e máquinas, estes, por sua vez, “podem ser objetos de apropriação material, que pressupõe o capital econômico, e de uma apropriação simbólica, que pressupõe o capital cultural” (BOURDIEU, 2010, p. 77). Por último, o estado institucionalizado, existe sob a forma de diploma que confere ao seu portador um valor convencional garantido no que diz respeito à cultura.

Diante de tais considerações, percebe-se que no caso brasileiro, a educação sempre foi usada para diferenciar as classes e/ou grupos, isto é, existia e ainda existe um capital cultural valorizado pela classe dominante e que por isso mesmo reproduz as relações de poder existentes na sociedade de classes brasileira. Ora, se nos reportarmos ao período colonial verificaremos que a educação dos Jesuítas, por exemplo, ficou restrita a quem tinha poder político e econômico, a classe dominante tornou-se detentora dos bens culturais importados trazidos pelos jesuítas, e isto predominou até o final do período Imperial. Na Constituição de 1891, o governo consagrou a dualidade do ensino, sendo escolas secundárias acadêmicas e escolas superiores destinadas à elite e escolas primárias e profissionais destinadas à classe dominada. Também houve disparidades do ponto de vista regional, entre os estados mais ricos (detentores do capital econômico) e os estados mais pobres (desprovidos de capital econômico) entre as zonas mais desenvolvidas (zona urbana, também detentora do capital econômico) e as zonas menos desenvolvidas (zona rural, também desprovida de capital econômico).

Também, houve um alto grau de seletividade, de repetência e de falta de acesso à escola. Mesmo após a Proclamação da República a educação era procurada como forma de obter prestígio social. Com o sistema socioeconômico vigente proveniente do capitalismo – industrial, houve a necessidade de qualificar a mão-de-obra, criando o ensino técnico profissionalizante. A Constituição de 1937 se referia ao ensino profissionalizante, como ensino destinado aos pobres, enfatizando a discriminação social e induzindo, “orientando” a escolha da população, havendo assim, um processo de inculcação, era como se fosse imposto à população apenas esta alternativa.

Já ajuda internacional (AID/ USAID) instituída durante o regime militar valorizava o ensino superior e organizava o sistema de ensino de modo que o ensino profissionalizante desempenhasse o papel apenas de selecionar os “mais capazes” para a Universidade e ao mesmo tempo de dar ocupação aos “menos capazes”, além do fato, de que o ensino mantinha um baixo nível de escolarização, justamente para evitar qualquer tipo de manifestação por melhorias salariais. Nota-se, novamente a presença da elitização de ensino que tende a reproduzir inevitavelmente as relações de força da estrutura das classes sociais.

Já nos tempos atuais, embora tenha havido melhoras significativas, ainda há desigualdades, conforme explicitado anteriormente na primeira seção.

Bourdieu explicitou por meio de sua obra o fato de que o ensino corrobora inconscientemente para reproduzir social e culturalmente as relações de força existentes nas sociedades de classes, justamente por valorizar e privilegiar a ideologia e o capital cultural da classe dominante.

Nota-se nitidamente este conceito, quando olhamos panoramicamente para o cenário educacional brasileiro. Entende-se que o capital econômico abre portas para se obter o capital cultural [12] no Brasil, uma vez que, em todos os períodos relatados quem detinha o poder econômico igualmente detinha a educação elitizada, ou seja, o capital cultural valorizado. Pode-se perceber isso, tanto na época colonial, quanto no período republicano, bem como durante o processo de expansão capitalista que fica centrada nas regiões economicamente superiores às demais, refletindo consequentemente a desigualdade no sistema de ensino que ocorria e ocorre em consonância com a desigualdade de capital econômico.

Além disso, pode-se observar o conceito de ethos de classe, quando o governo tende a inculcar como única opção de “ascensão social” para as classes populares o ensino profissionalizante, negando qualquer expectativa popular de ingressar no ensino superior.

Observa-se ainda, que a má distribuição do capital cultural valorizado também se faz presente numa perspectiva regional, uma vez que este está intimamente ligado à questão econômica. Logo quem pertence às regiões menos desenvolvidas do país, ou seja, os estados mais pobres (regiões Norte e Nordeste), também carecem dos dispositivos culturais valorizados, bem como os indivíduos que residem nos estados mais desenvolvidos, porém pertencem a zona rural e ainda as pessoas que mesmo morando nas regiões mais desenvolvidas (Sul/ Sudeste) não compactuam de um capital econômico para investir assiduamente na acumulação de capital cultural.

Além disto, percebe-se que a introdução do ensino técnico profissionalizante no sistema educacional brasileiro não se tratou apenas de uma solução para atender a demanda educacional que surgia, muito menos atuou como forma de diminuir a desigualdade educacional e assim atender a todas as classes de forma igualitária, se tratou apenas de uma necessidade das classes dirigentes de obter mão-de-obra qualificada de forma rápida, devido ao novo sistema econômico implantado no Brasil, contribuindo assim, mais para enraizar a discriminação social do que para diminuí-la.

No decorrer dos anos, observamos mudanças significativas no âmbito educacional, como por exemplo, a LDB de 1996. No entanto, há um longo caminho a percorrer. O ensino técnico profissionalizante hoje, ainda é tido pela maioria da população, como forma de ascender socialmente em curto prazo e obter assim um lugar no mercado de trabalho.

Portanto, embora o governo tenha implementado programas de acesso ao ensino superior, como por exemplo, o Pro Uni (Programa Universidades para Todos), ajudando na ascensão de alguns indivíduos por meio de diploma não significa necessariamente que houve a erradicação das desigualdades. O capital cultural valorizado continua sendo distribuído desigualmente e conforme Bourdieu, “a posse de um diploma, por mais prestigioso que seja não é por si mesma capaz de assegurar o acesso às posições mais elevadas e não é suficiente para dar acesso ao poder econômico.” (BOURDIEU, 2009, p. 333), principalmente se o detentor deste diploma pertencer a uma família desprovida de capital econômico e social (sobretudo o capital de relações legadas pela família).

Na obra: “Os Batalhadores Brasileiros: Nova classe média ou nova classe trabalhadora?”, Jessé Souza[13] promove um debate social acerca da chamada “nova classe média”, no qual descortina por meio de uma  árdua pesquisa os fatores que o levaram a  afirmar que utilizar tal expressão trata-se de um erro[14], já que para ele o que emerge é uma nova classe trabalhadora que ele denomina provocativamente de  “os batalhadores brasileiros”. De acordo com Souza:

Sempre que não se percebem a construção e a dinâmica das classes sociais na realidade temos em todos os casos, distorção da realidade vivida e violência simbólica, que encobre dominação e opressão injusta (...) encobrir a existência das classes é encobrir também o núcleo mesmo que permite a reprodução e legitimação de todo tipo de privilégio injusto. (...) o economicismo liberal, assim como o marxismo tradicional, percebe a realidade das classes sociais apenas “economicamente”, no primeiro caso como produto da ‘renda” diferencial dos indivíduos, e, no segundo caso, como “lugar de produção. (SOUZA, 2010, p. 21 – 22).

Pensamos que, tal obra justamente por possuir uma abordagem bourdieusiana poderá contribuir também para a elucidação do que se busca explicitar neste trabalho, a saber, o fato de haver desigualdades educacionais numa perspectiva regional, bem como entre o ensino público e privado e a dualidade entre ensino superior e técnico mesmo que esta ocorra atualmente de maneira sutil. Ademais, fica claro o fato de que em todos os períodos da história do Brasil existiu a elitização do ensino. À luz da teoria educacional de Pierre Bourdieu pode - se identificar o fato de que existe uma má distribuição do capital cultural valorizado em todos os períodos da história do Brasil e ainda existe. E também o fato de que o capital econômico, mesmo que relativamente, está interligado ao capital cultural.  Posto isto, abordaremos na próxima seção os conceitos de campo econômico (não o capital econômico do sujeito em si, mas a questão de como é distribuída a economia do país), campo educacional (denominamos desta forma para nos referir ao ensino em todos os seus níveis) e o campo acadêmico (que seria uma subdivisão do campo educacional, já que se trata apenas de um nível de ensino: o superior) justamente para analisar como o campo acadêmico (ensino superior) e econômico, perpetua e reflete tais contrastes educacionais no campo educacional.

2.3 O campo econômico e o campo acadêmico: Capital econômico e capital cultural

Nas seções anteriores, foi muito bem explicitado a complexidade da evolução da educação no Brasil, bem como as mazelas herdadas dos períodos anteriores: colonial, imperial, republicano e ditatorial. Também, foram claramente expostas as disparidades existentes no âmbito educacional entre o ensino público e privado e do ponto de vista geográfico.

Dito isso, torna-se fácil deduzir que as “fendas” contidas no cerne do âmbito educacional brasileiro, são conseqüências, reflexos, deste processo histórico construído.

Porém, ainda há uma questão que precisa ser analisada criticamente: afirmamos na seção anterior, à luz da teoria educacional de Pierre Bourdieu, que o capital cultural está interligado com o capital econômico, logo, a região que detém maior capital econômico, detém igualmente o capital cultural valorizado, contribuindo para a manutenção do ethos de classe por meio da transmissão do habitus. Diante disso, cumpre, portanto perguntarmos: as regiões consideradas as mais ricas do país, possuem vantagem no desempenho escolar em detrimento das demais, somente pelo fato de deterem o capital econômico? As famílias residentes nas regiões Sul e Sudeste possuem de forma igualitária a posse do capital econômico para investirem no capital cultural valorizado?

Para intentarmos responder estas questões, precisamos primeiramente, entender uma das premissas elencadas por Pierre Bourdieu concernente a sua teoria educacional: o conceito de campo. Segundo Bourdieu (1997) “todo campo, o campo científico, por exemplo, é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças. (...) Os campos são os lugares de relações de forças.” (p. 22) que “implicam tendências imanentes e probabilidades objetivas.” (BOURDIEU, 1997, p. 27). Entende-se que na sociedade, podem existir vários campos sociais, nos quais os agentes sociais inseridos detentores do capital correspondente a cada campo lutam para manter ou transformar esse campo.

Os agentes sociais são inseridos de acordo com o capital que dominam e também de sua origem social, Conforme Bourdieu:

(...) Qualquer que seja o campo, ele é objeto de luta tanto em sua representação quanto em sua realidade (...). Os agentes sociais estão inseridos na estrutura e em posições que dependem do seu capital e desenvolvem estratégias que dependem, elas próprias, em grande parte, dessas posições, nos limites de suas disposições. Essas estratégias orientam-se seja para a conservação da estrutura e sua posição, nos limites, no entanto, de suas disposições (isto é, de sua trajetória social, de sua origem social) que são mais ou menos apropriadas à sua posição. (BOURDIEU, 1997, p. 29)

A obra de Pierre Bourdieu, intitulada Os usos Sociais da Ciência – Por uma sociologia clínica do campo científico, restringe-se especificamente ao campo científico, contudo, pode-se utilizá-la para analisarmos o funcionamento de outros campos, neste caso focaremos no campo econômico e no campo acadêmico.

Para Bourdieu, cada campo possui regras específicas, e para que o sujeito possa entrar na esfera de um determinado campo, precisa necessariamente dominá-las e, por conseguinte dominar o capital específico deste campo. Todavia, o conhecimento adquirido em um determinado campo pode-se tornar útil para a análise de outros campos.

Dentro de um determinado campo, existe o capital cultural “dominante”, ou seja, valorizado. Os indivíduos que o detêm determinam o que é culturalmente, socialmente importante e valorizado. Logo, existe a noção de má distribuição do capital valorizado, pois nem todos os agentes engajados em um determinado campo detêm igualmente o capital valorizado. Por exemplo, no Brasil, o campo econômico é subdividido na medida em que, os agentes que fazem parte deste campo detêm desigualmente o capital econômico, já que a economia do país evoluiu significamente durante o processo histórico nas regiões Sul e Sudeste, concentrando as maiores metrópoles, megalópoles produzindo a maior parte dos lucros do país. Já as regiões Norte e Nordeste, por não terem sido atingidas, pelo menos em grande parte, por esta evolução econômica, tende a ter o seu capital econômico desvalorizado.

Já na esfera do campo acadêmico, ocorre praticamente o mesmo processo, ou seja, as regiões mais ricas do país preocupam-se em deter também a produção acadêmica, cultural. Logo, as grandes universidades, tidas como as melhores em detrimento de outras, situam-se nas regiões economicamente valorizadas. No Campo acadêmico, também há a má distribuição do capital acadêmico, por assim dizer, já que as pesquisas valorizadas, os trabalhos científicos, os próprios cursos, bem como os profissionais que se formam em determinadas universidades e que são culturalmente valorizados em nossa sociedade, são justamente os agentes do campo acadêmico situados nas regiões Sul e Sudeste, enquanto que os demais são dificilmente reconhecidos como detentores do capital acadêmico legítimo, ao contrário, é muito comum vermos profissionais do meio acadêmico se deslocarem de suas regiões (Norte, Nordeste, por exemplo, mas também das zonas rurais) para se inserirem nas regiões economicamente, culturalmente e academicamente valorizadas, incorporam o habitus e dessa forma contribuem para a manutenção do capital acadêmico e econômico dito como legítimo pelos agentes dominantes de ambos os campos.

Posto isto, não é difícil compreender que as disparidades regionais descritas nas seções anteriores deste trabalho, tanto entre as regiões Sul / Sudeste e Norte / Nordeste, quanto entre as zonas urbanas e as zonas rurais e entre o ensino público e privado, juntamente com a ênfase no ensino técnico são inerentes ao processo histórico que, problematizado na teoria educacional de Pierre Bourdieu e subdividido em campos e que em uma sociedade de classes como é a do Brasil, toma a seguinte estrutura: O campo econômico possui em seu cerne o capital econômico valorizado e legitimado, logo quem queira fazer parte de sua estrutura deverá dominá-lo, existe uma subdivisão, uma espécie de funil, existe dentro do campo econômico o capital econômico valorizado e, por conseguinte o desvalorizado.  O campo acadêmico possui igualmente em seu interior o capital acadêmico valorizado e legitimado e da mesma forma perpetua-se a subdivisão entre capital acadêmico valorizado e o não valorizado.  Toda essa estrutura contribui de forma negligenciada para a perpetuação da diferença de classes que reflete arduamente em todo o campo educacional brasileiro.

Sobre o campo acadêmico é mister esclarecer que além de haver esta subdivisão entre o capital acadêmico valorizado e o não valorizado há também o fato de que mesmo tendo aumentado o número de pessoas a freqüentar o ensino superior em relação às outras décadas, não significa que não haja desigualdades. Primeiro, porque como comentei acima as universidades tidas como melhores do país estão nas regiões mais ricas. Segundo porque são essas universidades, bem como seus trabalhos e os profissionais que formam, que são valorizados culturalmente. Terceiro e mais importante porque o que importa não é o diploma em si e sim em qual universidade ele foi gerado, não importa a competência  do sujeito, mas sim a sua origem (claro que não compartilhamos dessa ideia, mas é um fato). 

E isso se reflete em todo o campo educacional. Os dados demonstram que a grande parte da população é prejudicada no que se refere à educação devido a essa estrutura. Tal estrutura: desigualdades regionais (Sul/Sudeste e Norte/Nordeste, zona urbana e zona rural, ensino público versus privado, ensino técnico versus superior  e essa desigualdade dentro do próprio ensino superior) refletem a sociedade de classes no Brasil. 

Diante disto, ainda há uma vantagem que as classes dominantes possuem em relação às camadas populares, a saber,  o “domínio do tempo” Conforme Souza:

As classes privilegiadas pelo acesso à capital econômico e cultural em proporções significativas “dominam o tempo”, porque estão além do aguilhão e da prisão da necessidade cotidiana. (SOUZA, 2010, p. 52).

E é categórico ao afirmar que o simples fato de se obter um diploma universitário, não significa necessariamente que o sujeito irá ascender socialmente. Nesse ponto, o autor compartilha da mesma concepção de Pierre Bourdieu. Segundo o autor:

(...) Entretanto, possuir uma qualificação não é garantia de integração estável no mercado de trabalho, na medida em que os trabalhadores com níveis mais baixos de qualificação são relegados às posições e empregos de instabilidade no mercado de trabalho. (...) O que se pode observar é muito mais o processo de intelectualização parcial da sociedade trazida pela democratização escolar, tendo como consequência o aumento de diplomados, mas sem uma valorização relativa desses diplomas no mundo do trabalho. (...) O ensino formal, portanto, não é garantidor necessariamente de uma posição estável no mundo do trabalho. (SOUZA, 2010, p. 62-63).

Jessé Souza argumenta que tal estrutura fortalece de tal maneira o processo de inculcação de ethos de classe nas camadas populares, denominadas por ele de “trabalhadores brasileiros” que ocorre uma espécie de mecanismo de culpa, ou seja, o sujeito tende a culpar-se pelo fracasso relativo ao desempenho escolar ou pelo fato de “não conseguir” ingressar no ensino superior e por consequência não ascender socialmente. Como afirma Souza:

Aqui, o que está em jogo é justamente a ilusão de pressupor que a competição social acontece entre indivíduos partindo de condições sociais iguais. (...) Como percebeu Pierre Bourdieu, o sistema escolar privilegia as classes dominantes sendo o sucesso ou fracasso escolar dependentes da relação e a adequação entre as disposições de classe e as disposições institucionais escolares, que supõem aprendizados anteriores proporcionados ou não pela família, situada na hierarquia de classes. (...) Portanto, a escola e família contribuem para a inflação das aspirações escolares. Este mecanismo funciona a partir da pretensa neutralidade da instituição escolar que, ao postular a igualdade das possibilidades escolares, coloca o sucesso escolar como dependente exclusivamente do esforço pessoal. Como se o sucesso escolar nos estudos fosse tributário apenas do “se você estudar você consegue” ou “todos podem, basta querer”. (...) O aumento da população escolarizada produziu a sensação de que se pode dar um passo maior do que as pernas.  (SOUZA, 2010, p. 73-74).

A esse respeito, o autor explica que a inserção dos indivíduos no curso superior, em uma faculdade particular de pouco renome, faz com que o sujeito tenha maiores chances de ascender profissionalmente. No entanto, como há no cerne do campo acadêmico, o capital acadêmico valorizado e o desvalorizado, o autor afirma que isto não significa garantia de um emprego tão melhor assim[15]. De acordo com o autor:

Essa escolarização mínima promovida pelo aumento em absoluto da população formalmente escolarizada não significa uma inserção melhor no mercado de trabalho e muito menos necessariamente o acesso aos níveis de escolarização mais elevados (e nas universidades de maior renome e prestígio); é como se as portas do universo escolar se abrissem pela metade ou pelo menos uma pequena fresta pela qual as classes dominadas podem dar uma pequena espiada. (SOUZA, 2010, p. 79).

No estudo realizado por Jessé Souza, o mesmo demonstra que a produção social de diplomas escolares tem como consequência a inflação dos mesmos, ou seja, ocorre uma desvalorização do trabalhador, visto que tal fenômeno produz a ideia de que “mil outros podem fazer o mesmo que eu” (SOUZA, 2010, p. 83). Posto isto, nota-se que a forma como está organizada a educação brasileira, colaborando para manter as diferenças de classes, mesmo que sutilmente faz com que haja uma tendência a “formar pessoas conformadas (o que Bourdieu chama de conformismo lógico) com as possibilidades que o mundo vai oferecer” (SOUZA, 2010, p. 127), em outros termos, ainda ocorre um processo de inculcação de maneira sutil[16] que corrobora para a manutenção da má distribuição do capital cultural tido como legítimo e valorizado.

Além disto, é preciso esclarecer que o fato de alguns indivíduos ascenderem economicamente não significa que os mesmos irão obter ascensão social, haja vista que, assim como o campo acadêmico, o campo econômico também possui em seu cerne a dualidade entre capital econômico valorizado e o capital econômico desvalorizado.

Portanto, após a exposição de tais argumentos nota-se a interligação entre o campo econômico e acadêmico e de forma mais geral o campo educacional. Percebemos que as desigualdades refletidas pela luta de classes não se circunscrevem apenas ao ensino obrigatório, mas também ao ensino superior. Existe ainda, mesmo que sutilmente, a dualidade entre ensino técnico profissionalizante e ensino superior, porém esta é apenas uma das lacunas que precisam ser preenchidas na esfera educacional de nosso país.  Como afirma Bourdieu: “penso que, atualmente, existe uma enorme demanda concernente ao sistema de educação que ninguém formula e, sobretudo que ninguém quer entender! Há também uma enorme demanda concernente ao problema do trabalho, o problema da definição da divisão do trabalho, o problema do sentido do trabalho no mundo econômico atual.” (BOURDIEU, 1997, p. 82).

3. Considerações Finais

Conforme pudemos verificar, a história da educação no Brasil se mostrou complexa em meio a um emaranhado de interesses em proveito da classe dominante. Em relação aos três conceitos de capital cultural, apenas resta comentar, que se o capital cultural valorizado é distribuído desigualmente em todo território brasileiro e se da mesma forma ocorre quando analisado o conceito de campo (econômico, acadêmico, educacional) o mesmo pode-se afirmar em relação a esses três conceitos, pois o estado incorporado pressupõe um trabalho de inculcação que deve ser feito em um ambiente que valorize os aspectos culturais valorizados, logo as regiões menos desenvolvidas são prejudicadas pelo fato desta valorização se concentrar nas regiões mais ricas do país, influenciando assim, a população, pois as famílias das classes populares não poderão executar o papel de trabalho pedagógico primário que implica justamente em preparar os filhos para o trabalho pedagógico secundário realizado na escola como continuação do primeiro. Por isso, percebe-se a diferença de desempenho escolar entre as regiões Norte/ Nordeste e Sul/ Sudeste, zonas urbanas e zonas rurais, bem como do ensino público em relação ao privado.

Em relação ao estado objetivado (livros, quadros), o mesmo pressupõe o capital econômico para se obter uma apropriação material e pressupõe o capital cultural para se obter uma apropriação simbólica, logo se concentra novamente nas regiões mais ricas e nas famílias abastadas. Por fim, no seu estado institucionalizado, sob forma de diploma, como forma de obter ascensão social e legitimação da cultura, também é distribuído de forma desigual, já que mesmo havendo os indivíduos que conseguiram ingressar no ensino superior por meio de medidas criadas pelo governo[17], como já foi explicitado, ainda existem diferenças educacionais que infelizmente contribuem para as diferenças sociais, todavia o governo utiliza-se deste artifício para argumentar que a educação está bem.

Contudo, não queremos prescrever um discurso fatalista e/ou determinista sobre a situação do Brasil no que diz respeito ao âmbito educacional. Pensamos que, uma das soluções seria o governo investir de forma mais intensa em programas que visassem o aprimoramento cultural da população, todavia, estes programas deveriam estar intimamente ligados ao setor educacional, ou pelo menos tê-lo como fiscalizador e divulgador principal evitando-se uma visão de cunho assistencialista e concebendo-os como direito de todos.

O PNE (Plano Nacional de Ensino) decênio 2011-2020 aprovado em 2011, aponta em seu Art. 2º como uma de suas diretrizes a superação das desigualdades educacionais. Diante do que foi exposto no presente artigo, só podemos afirmar que para tal propósito é preciso haver uma valorização do capital cultural das classes populares, ou seja, é preciso romper com esta concepção de que apenas um determinado tipo de capital deve ser legitimado e valorizado, ao contrário, pensamos que na medida em que as desigualdades educacionais, demonstradas no presente trabalho, forem sendo erradicadas e/ou ao menos diminuídas -já que para se erradicar tais desigualdades é preciso aprimorar a atual estrutura do sistema de ensino- a população poderá fazer com que seu capital cultural também seja valorizado e respeitado. Desta forma, ainda haverá uma segregação social no que diz respeito ao poder aquisitivo e econômico, mas não no que diz respeito ao intelecto dos sujeitos e embora isso não seja o ideal, já seria um bom começo.

             4. Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2006.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

__________. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do

campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

__________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.

__________. Escritos de Educação.  Traduzido e Organizado por Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani. 11ª ed. São Paulo: Vozes, 2010.

BRASIL. Plano Nacional de Educação 2011-2020. Projeto de Lei 8035, 2010.

CASTRO, M. H. G. de. Desigualdades regionais no sistema educacional brasileiro. Brasília: INEP, 1999 (texto apresentado no seminário Desigualdade e Pobreza no Brasil, realizado pelo IPEA de 12 a 14 de agosto de 1991, no Rio de Janeiro).

COMUNICADO DO IPEA n° 66: PNAD 2009 - Primeiras Análises: Situação da educação brasileira - avanços e problemas, 2010, p. 12-13.

CUNHA, L. A. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 4ª ed. São Paulo: Moraes, 1980.

GADOTTI, Moacir. Concepção Dialética da Educação. 4ª ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados,1986.

MADEIRA, Maria Helena Martins Araújo (2006), Ensino profissional de jovens: um percurso escolar diferente para reconstrução de projectos de vida, Revista Lusófona de Educação, 7ª ed., p. 121-141.

MENEZES-FILHO, N. A. A evolução da educação no Brasil e seu impacto no mercado de trabalho. Instituto Futuro Brasil, mar. 2001. Disponível em: .

PILETTI, N. História da Educação no Brasil. 7. ed. São Paulo: Ática, 1989.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930/1973). 14ª Edição. Petrópolis: Editora Vozes. 1991.

SOUZA, Jessé. Os Batalhadores Brasileiros: Nova Classe Média ou nova classe trabalhadora?. Belo Horizonte, UFMG, 2010.

SWARTZ, David. Pierre Bourdieu: a transmissão cultural da desigualdade social. In. PATTO, Maria Helena S. (Org.). Introdução à Psicologia Escolar. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. p. 35 –  49.

 

[1] Professora e educadora brasileira. É docente afastada do Departamento de Ciência Política da UNICAMP. De 1994 até 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi presidente do INEP. Foi secretária de Estado do governo Alckmin, em São Paulo. Em janeiro de 2003, assumiu a secretaria de Educação do Distrito Federal.No mesmo ano, porém, voltou a São Paulo, para dirigir a Secretaria de Educação desse Estado, da qual foi exonerada em março de 2009.

[2]  Refiro-me ao Comunicado do IPEA n° 66: PNAD 2009 - Primeiras Análises: Situação da educação brasileira - avanços e problemas realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE).

[3] Segundo o Comunicado do IPEA n° 66: PNAD 2009 - Primeiras Análises: Situação da educação brasileira - avanços e problemas a classificação segundo os anos de estudo foi obtida em razão da série e do grau que a pessoa estava frequentando ou havia frequentado, considerando a última série concluída com aprovação. A correspondência foi feita de forma que cada série concluída com aprovação correspondesse a um ano de estudo. As pessoas que não declararam a série e o grau e as que apresentaram informações incompletas ou que não permitissem a sua classificação foram reunidas no grupo de anos de estudo não determinados ou sem declaração.

[4]A referida pesquisa encontra-se disponível em: .

[5] “A intensificação do capitalismo industrial no Brasil, que a revolução de 30 acabou por representar, determinou consequentemente o aparecimento de novas exigências educacionais. Se, antes na estrutura oligárquica, as necessidades de instrução não eram sentidas, nem pela população, nem pelos poderes constituídos (pelo menos em termos de propósitos reais), a nova situação implantada na década de 30 veio modificar profundamente o quadro de aspirações sociais, em matéria de educação, e, em função disso, a ação do próprio Estado.” (ROMANELLI, 1978, p. 59)

[6] De acordo com Cunha “em geral, os menores que se candidatavam aos Cursos de Aprendizagem de Ofício deviam ter, no mínimo, concluído o curso primário de 4 anos. Matriculados no SENAI, os alunos passavam a freqüentar aulas de conteúdo geral, correspondendo às duas primeiras séries do ginásio, além das aulas e práticas das matérias próprias do ofício. “ (CUNHA, 1975, p. 263).

[7] “Para uma população de 13.935.738 habitantes , em 1964, pertencente à faixa etária de 7 a 14 anos, tínhamos 4.698.429 fora da escola, ou seja, 33,8%%. Desse total, 25,59% moravam em zona urbana e 74,40% pertenciam à zona rural. Todavia, o que é surpreendente é que cerca de 31 % da população ,em idade própria , ainda estivessem fora da escola em 1970 . Dessas 6. 135.758  crianças , que não frequentavam escola , nesse ano, 4.927.056 , ou seja, 80,30 %, pertenciam à zona rural”.(ROMANELLI,1978, p. 84).

[8] Cabe ressaltar que as desigualdades existentes no âmbito educacional estão presentes no decorrer de toda a história da educação no Brasil, conforme foi explicitado nesta seção e, portanto não se trata de um fenômeno característico somente da década de 70, mas esta passagem de Cunha é importante para ilustrar tal problemática.

[9] Nota-se nitidamente a deterioração do ensino, e isso ocorre devido a certo interesse econômico tido pela classe dominante, pois, a partir do momento em que ela retira créditos da área educacional, ela tem condições de aproveitar esses recursos para outros setores de maior rendimento para capital.

[10] “A educação significa consciência de direitos, consciência da exploração, significa cultura, e os regimes obscurantistas temem a cultura, tem pavor da consciência, tem pavor de que seus interesses sejam do conhecimento público. Por tudo isso, eles fazem campanha contra a educação.” (GADOTTI, 1986, p. 130).

[11] Langoni (1973) foi um dos primeiros economistas a ressaltar a importância da educação como fator explicativo para a desigualdade brasileira. (MENEZES – FILHO, 2001, p. 6).

[12] É importante enfatizar que quando nos reportamos ao conceito de capital cultural referimo-nos especificamente ao capital cultural valorizado, ou seja, o capital cultural que é privilégio das classes dominantes.

[13] Jessé Souza é doutor em Sociologia pela Universidade de Heidelberg. Alemanha. É professor titular de Sociologia da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e diretor do CEPEDES (Centro de Estudos sobre Desigualdade da UFJF). É autor de diversos livros sobre teoria social crítica e análise da sociedade brasileira contemporânea, dentre eles A invisibilidade da desigualdade brasileira (2006) e A ralé brasileira: quem é como vive (2009), ambos publicados pela Editora UFMG.

[14] A esse respeito ler “Os Batalhadores Brasileiros: Nova Classe Média ou nova classe trabalhadora?”. SOUZA, Jessé. Belo Horizonte, UFMG, 2010.

[15] A produção de uma população com maior grau de escolarização não é garantia de uma sociedade com pessoas em empregos melhores. (SOUZA, 2010, p.78).

[16] Convém a quem domina que o dominado acredite que faz o que faz porque é livre e quer tomar tal atitude (...) (SOUZA, 2010, p. 187)

[17] (...) as políticas sociais do governo Lula são amplamente insuficientes para uma verdadeira mudança estrutural da desigualdade brasileira. Não obstante, o pouco que foi feito – com intensa campanha contrária de diversos setores - obteve resultados inegáveis pela decisão de se utilizar uma pequena parte dos recursos do Estado em benefício dos setores populares. (SOUZA, 2010, p. 315).

*Maria Aparecida Alves Pionório - Pofessora na Prefeitura Municipal de São Paulo. Pós graduanda em Ética, Valores e Cidadania na Escola pela USP – Leste/ âmbito Univesp.


Publicado por: Maria Aparecida Alves Pionório

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.