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Nosso Estado Violento!

Mudanças que ocorreram nas sociedades durante o tempo.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Quando estudamos a formação das sociedades e voltamos a épocas em que a composição, a organização, as influências e principalmente os valores do Estado, eram nitidamente distintos de como é hoje, acreditamos em sua transformação e na existência de um mundo mais justo. De fato, muitas mudanças aconteceram a favor da emancipação de classes, de grupos, de minorias que antes eram exploradas sem a mínima proteção, como as mulheres, os índios e os negros. Mas será que o Estado realmente se transformou de tal forma a classificá-lo como nosso “protetor” e que os males, as violências sempre partem dos indivíduos desviantes da conduta ética-moral?

Para entender a composição e a organização do Estado atual, e daí então, procurar entender o porquê dessa falsa imagem de “guardião” da sociedade que lhe é atribuída, é preciso conhecer o caminho e o sentido de afirmação da Constituição como documento jurídico fundamental e supremo. Pois bem, foi a partir da obra “O Príncipe” de Maquiavel que a concepção de Estado Moderno foi se concretizando. Houve uma revolução nos estudos políticos com o abandono dos fundamentos teológicos (embora até hoje a Igreja tenha forte influência como fonte material do Direito). Depois do movimento do constitucionalismo, tendo como origens formais as Constituições norte-americana de 1787 e a francesa de 1791, as funções e o conceito de Constituição foram ganhando a forma como a concebemos hoje. Assim, o Estado Moderno se evidenciou pelo sentido formal adquirido por um “documento” escrito e rígido que estrutura o Estado e capaz de, ao mesmo tempo, garanti-lo o poder soberano e limitá-lo, ajustando-se aos princípios democráticos e, por conseguinte, aos direitos fundamentais e à soberania popular. Por esta razão, por surgir na Constituição o poder da soberania popular indicado pela democracia representativa e pelas permissões de participação “direta” do povo nas decisões (ação popular, iniciativa popular, tribunal do júri, consulta popular), surge a sensação de que o Estado existe “puro” para garantir a ordem e a “paz” entre os cidadãos que os compõe. No entanto, o objetivo a ser explanado aqui é o outro lado, é a intenção do Estado de manter relações de poder, são as obscuridades dos Códigos, das leis que permitem sustentar os interesses dos mais poderosos, e mostrar que as violências individuais de todos os tipos estão atreladas à violência estruturante.

Historicamente a sociedade sempre foi vítima de interesses de seus dominantes. Partindo desse princípio, toda a conjuntura criada pelo sistema criminal e sancionada no código criminal, visa, antes da defesa ou proteção da sociedade, um controle sobre os demais membros dessa dada sociedade. Uma forma explícita de dominação, pois, uma vez infringida as normas, os indivíduos irão ser penalizados, devendo ser punidos o suficiente para impedir que alguém o imite ou que ele mesmo reincida. É evidente que a forma como está sendo aplicada essa legislação, negligencia a igualdade de todos perante a lei, e esta em caso de punição, geralmente não alcança os mais abastados, muito pelo contrário, a aplicação da lei tornou-se ou sempre foi racista, classista e discriminatória. A norma elaborada pela elite que ocupa o poder e quer lá permanecer, essa norma na sua essência já traz consigo um vício, com um público-alvo destinado, em geral, masculino, negro, residentes em periferia. Esse tipo de violência, chamada violência estrutural, intrínseca ao Estado, se manifesta diariamente nas comunidades carentes, desassistidas, consequentemente marginalizadas. Se analisarmos algumas abordagens policiais, essas só acontecem nessas comunidades; nos bairros nobres da cidade, onde reside à elite, não ocorre essa situação.

Diariamente, o noticiário brasileiro transmite vários casos de violência, de todas as espécies, e assistimos “revoltados” sem, muitas vezes, compreender como as pessoas são capazes de cometer atos tão esdrúxulos. Atribuímos as causas aos possíveis problemas dos indivíduos e esquecemo-nos de associar com os reais motivos para existir tanta violência e insegurança. Pois quando vemos um assalto, culpamos o usuário de drogas ou o “vagabundo”; quando acontece um assassinato, culpamos o traficante, o bandido; aos estupros e às pedofilias, dizemos que são uns psicopatas; aos casos de alunos que agridem aos professores, são todos “descontrolados sem criação”. Essa violência individual, se ela representa toda a deficiência da segurança pública, condiz muito mais com a falta de estrutura prestada pelo Estado em todos os outros setores. E assim, enquanto não surge a consciência de que tudo está interligado, a culpa continuará sendo da classe marginalizada, e permanecendo o preconceito estigmatizado, o negro, principalmente, ainda será alvo de injustiças.

Um questionamento interessante, por que o negro? Porque historicamente o negro foi explorado e discriminado. Com a vinda dos negros, no Brasil colônia, fixou-se a base da economia e da riqueza no trabalho escravo, sem, no entanto, se importar com as condições de vida necessárias para a subsistência desses negros. Depois de muitas lutas, mortes e sofrimento, uns quatrocentos anos de tortura, veio a abolição da escravatura, um ato legal, porém simbólico, pois a exploração dos negros perdurou por muito tempo. Certo é que o Estado brasileiro deixou o negro a mercê, sem trabalho, nem moradia, pois, sua permanência nas terras do antigo senhor de escravos não era mais possível. Essa “libertação” provocou um desarranjo social, logo não foi fornecida estrutura nenhuma para o acolhimento dessas vítimas no seio da sociedade. Toda essa conjuntura descrita provocou consequências sentidas até os dias atuais. Diante dessa realidade, o negro sem acesso a escola, ao trabalho e a meios de sobrevivência, foram se refugiando em quilombos, favelas e mocambos. Nessas circunstâncias afirmar que o negro foi impelido para o mundo do crime, pela sociedade e pelo próprio Estado, não é uma afirmação vaga diante dos fatos históricos. Identifica-se a violência estatal que age de forma discreta para alguns e explícita a outros. A própria omissão do Estado no acesso à escola, à moradia, à saúde de qualidade, à segurança pública eficiente, que são direitos adquiridos e consagrados na Constituição Federal, é uma violência estruturante e que muitas vezes não é percebida pela sociedade.

Ao verificar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil expressos no art. 3º da Constituição, pode-se perceber que tais objetivos fundamentam-se nos princípios democráticos que, em constante evolução, preconizam o desenvolvimento nacional através do respeito às diferenças, à justiça e à liberdade individual, de modo que sejam reduzidas as desigualdades sociais e regionais, e erradicadas a pobreza e a marginalização. Entretanto, só de observar fatos atuais como a represália à reivindicação dos bombeiros do Rio de Janeiro que gerou conflito com o BOPE, ou a tentativa de proibição da marcha pela legalização da maconha, percebe-se o desvio dos princípios constitucionais por interesses das forças políticas. Ademais, se for analisado o orçamento previsto para investimentos com os elementos primordiais como a saúde e a educação e comparar com os gastos previstos para a Copa do Mundo e Olimpíadas, fica evidente que o fundamental sempre esteve em segundo plano.

Deste modo, em uma sociedade plural, onde diversas nações compõem um povo marcado pelas explorações advindas do racismo, do machismo, do patriarcalismo, e ainda, em uma sociedade que se constrói com a pungência do capitalismo, os objetivos do Estado brasileiro ainda estão longe de serem alcançados, de serem cumpridos. Como acreditar na efetivação de uma sociedade justa, equânime e fraterna se o Estado, o “pai”, o “guardião” da sociedade, serve de sustentáculo para uma democracia simbólica, na qual os poderosos preservam seus interesses e as minorias só tem proteção em um sistema jurídico tendencioso, falho, que precisa muito evoluir. Para acreditar em uma nova realidade é preciso cobrar do Estado à realização dos seus objetivos, fazer prevalecer à supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e da igualdade de direitos, apoiar a luta das minorias combatendo as injustiças, contribuir pessoalmente em ações de âmbito social, incentivar a solidariedade, já que o Estado não o faz, ou seja, buscar a diminuição das “violências”.

Por:

Marcus Costa de Santana
Ziron Souza Rodrigues Filho

Ambos estudantes do curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia-UNEB.


Publicado por: Marcus Costa de Santana

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